Artigo: Belem vai ter o jogo do pau a 10 de junho 1983

Fonte: Jogo do Pau Português
Revisão em 13h25min de 14 de maio de 2023 por Wikijpp (discussão | contribs) (→‎Excerto do artigo)
(dif) ← Revisão anterior | Revisão atual (dif) | Revisão seguinte → (dif)

Sobre

  • Relevância: ★★★
  • Título: Belém vai ter o jogo do pau a 10 de junho
  • Autor: Nuno Cunha, Fotos de Lobo Pimentel
  • Publicação: Jornal «Correio da Manhã», 14 de maio 1983

Resumo do artigo

O artigo faz uma breve introdução do que é Jogo do Pau. Relata que era utilizado pelos pastores, feirantes e viajantes como arma de defesa contra animais selvagens e outros jogadores de pau, além de ser usado como suporte para atravessar obstáculos. O jogo também tinha um papel importante em batalhas campais entre aldeias, em datas específicas como festas, feiras e romarias, ou mesmo entre um homem e toda uma aldeia ou grupo de feirantes.

O artigo menciona um episódio ocorrido em 1950 em Porquiróz, na Galiza, em que dois portugueses enfrentaram a feira inteira com varapaus e conseguiram sair vitoriosos. Também é relatado um episódio histórico em Melgaço durante as invasões napoleónicas, em que a população local se armou com paus, foices e sacholas para resistir às tropas francesas.

O jogo do pau sempre foi uma tradição no norte de Portugal, onde as crianças aprendiam a manusear o varapau desde cedo. Com o tempo, a prática se espalhou pelo país e chegou à região de Lisboa, onde ganhou uma abordagem mais desportiva e passou a ser praticada em ginásios. No entanto, outras artes marciais surgiram e quase destruíram o jogo do pau, que hoje é praticado por poucos em Lisboa.

Os mestres do jogo do pau mantiveram as técnicas vivas por meio de encontros no Ateneu Comercial de Lisboa e da transmissão oral do conhecimento. Recentemente, uma nova geração de jogadores tem surgido graças à persistência dos mestres, que agora podem passar sua arte adiante.

Excerto do artigo

« Os dois adversários entram em campo. cumprimentam-se executam os sarilhos e tomam a posição de combate.

Estamos perante o início de um duelo de esgrima portuguesa, o tradicional jogo do pau.

A prática desta arte marcial tem em Portugal origens remotas, provavelmente no Minho. Pastores, feirantes, viajantes emuitos outros, quando se deslocavam, faziam-se acompanhar do varapau ou cajado, em que se apoiavam para atravessar um ribeiro ou subir uma encosta, de que se serviam para transportar objectos do peso, para defesa contra animais selvagens e, sobretudo, como arma contra outros jogadores de pau.

Havia, além disso, frequentes batalhas campais que opunham aldeias em datas específicas - de festas, feiras ou romarias - e, até mesmo, de um homem apenas contra uma aldeia inteira ou todos os feirantes.

Numa feira em Porquiróz, na Galiza, em 1950, dois portugueses enfrentaram a feira inteira, numa rixa que demorou horas.

Segundo relato de um diário do Porto dessa época, os dois costas com costas, «cada um com o seu varapau defenderam-se sozinhos dos que os atacavam».

Aguentaram firmes durante muito tempo até consequirem eliminar alguns dos adversários: a partir dai, muitos dos atacantes abandonaram o confronto e os restantes foram sucessivamente feridos até que os dois acabaram por sair Vitorios.

«O triunto coube-lhes a eles - lia-se no jornal - que sozinhos desfizeram a feira».

O pau teve, também, importância na nossa História, como um episódio que decorreu em Melgaço durante as invasões napoleónicas.

«A História de Melgaço - conta Pedro Ferreira, mestre do jogo – inclui dois «marcos» de muito significado: foi a última povoação a render-se a D. João I e a primeira a revoltar-se contra as invasões francesas».

Conforme as tropas napoleónicas penetravam em território português, iam substituindo as autoridades das juntas. «Quando chegou a vez de Alvoredo – explica o mestre - a população juntou-se e armou-se de tudo o que tinha à sua disposição: foices rocaceiras, paus e sacholas.

Do lado português ninguém tinha pistolas nem espingardas, e, se as havia, era um número diminuto. Os franceses, por seu turno, estavam munidos de espingarda e baioneta. Um corpo do Exército napoleónico foi, então enviado para pôr termo à resistência, mas, apesar das baixas que provocaram os disparos, quando se chegou ao confronto corpo a corpo entre os soldados e a população daquela freguesia, «Os franceses dispersaram e deram às de vila-diogo para a vila».

O varapau sempre fez parte do português nortenho que, desde muito novo, aprendia a arte de o manobrar, até se tormar um verdadeiro puxador.

Logo que aprendiam os rudimentos do jogo, os filhos eram enviados pelos próprios pais para junto de um mostre, que era pago «a peso de curo», para que se tornassem destros na manobra desta arma.

Com o tempo, em consequência das viagens que muitos mestres fizeram pelo País ou da emigração das gentes do Norte para o Sul, onde a vida era mais branda, o pau alastrou à região de Lisboa e fixou-se na capital, na Estremadura e no Ribatejo.

Aqui, o espírito do pau transformou-se, e ganhou características novas, mais desportivas. Passou a ser jogado em diversos locais e os ginásios abriram as portas à prática desta arte marcial. Em Lisboa, treinava-se o pau em inúmeros «quintais» - pátios murados que proliferaram por toda a cidade.

Mais tarde, apareceram no nosso País outras artes marciais, que se instalaram e quase destruíram o jogo do pau, hoje praticado em Lisboa por «meia dúzia» de carolas.

«Os velhos mestres reuniram-se periodicamente no Ateneu Comercial de Lisboa para praticarem e foi graças a eles que se mantiveram as técnicas» referiu Nuno Russo, instrutor no Ginásio Clube Português.

Todo o conhecimento é transmitido por via oral e pouco há escrito sobre a modalidade. Recentemente disse - apareceu uma nova geração de jogadores que, graças à persistência dos mestres, pode agora herdar a sua arte».

«A GUERRA NO ATENEU»

Os dois adversários entram em campo, cumprimentam-se, executam-se os sarilhos e tomam a posição de combate.

«Os sarilhos são uma entrada de jogo, uma espécie de saudação», explica um dos mestres. Elias Gamero, que assiste ao espetáculo. «Têm a sua origem nas defesas antigas e servem frequentemente para o treino de manejo da arma e de bem pisar o terreno».

Depois dos sarilhos, «ambos os jogadores esforçam-se por atacar o lado descoberto do adversário, com golpes consecutivos ora à cabeça, ora às pernas, aos braços ou a qualquer outro ponto do corpo. - explica.

Os mestres desenvolvem técnicas próprias, adequadas a situações específicas, e, frequentemente novos estilos.

O mestre Pedro Ferreira, de acordo com afirmações de Nuno Russo, «desenvolveu um estilo próprio, que alia as virtudes das técnicas do Norte com as de Lisboa e, com isso, criou uma nova escola.

Os jogadores treinam também técnicas de defesa e ataque em situações específicas, geralmente «pouco cómodas. Durante as demonstrações que decorreram no Ateneu, assumiram particular muito os combates de um contra três, a um jogador sentado numa cadeira e a um outro que, simultaneamente, por qualquer razão, teria caído no chão.

Também para estes casos há hipóteses de cortar a agressão, «embora estas situações, normalmente, não aconteçam, porque há uma ética, que os bons jogadores e as pessoas bem formadas cumprem», referiu.

Essa ética incluía a interdição de ataque a um homem desarmado ou em situações como a de sentado ou caído.

«Quintas Neves mostra o "manilha" atirando o seu pau para o chão depois de com ele ter desarmado o desmoralizado totalmente três adversários que lhe tinham saltado no caminho», afirma Nuno Russo, num texto sobre a História do povo.

«Um grande jogador do Porto - continua -, o 'Carvalho', feirante de gado, na feira do «26» em Angueja, perto de Aveiro, depois de se ter aguentado sozinho contra todos os que ali se encontravam coligados, tropeçou e caiu no chão; o mais forte dos adversários, saltando por cima dele, em sua defesa, advertiu os demais a não tocarem no valente, sob pena de terem de se bater também com ele.

Apesar da ética, «nunca se sabe o que teremos de enfrentar e, por isso, preparamo-nos contra qualquer eventualidade», acrescentou.

A esgrima portuguesa tem, ultimamente, interessado o público em geral e diversas têm sido as actuações em público ou filmadas por parte dos poucos jogadores que «ainda resistem» ao seu desaparecimento.

No dia 10 de Junho, jogadores de pau apresentar-se-ão em frente da Torre de Belém, para demonstração de um jogo tradicional portuquês, actuacão que se insere na XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura. »


Recorte CM 1983.jpg

Ver também

Referências