Artigo: Jornal Batalha de fevereiro 2019 - Rancho Folclórico Rosas do Lena

Fonte: Jogo do Pau Português

Sobre

  • Relevância: ★☆☆
  • Título: Jornal Batalha - Jogos tradicionais do povo (III)
  • Autor: José Travassos Santos
  • Publicação: Fevereiro, 2009

Resumo

O artigo destaca a singularidade do Jogo do Pau, afirmando que pode ser considerado único, pelo menos na Europa, e propõe sua classificação como patrimônio imaterial da Humanidade.

As informações sobre a origem do Jogo do Pau são escassas, especialmente antes do século XVII, devido ao fato de ser uma prática própria do povo humilde das aldeias. Somente no século XIX, através da influência de José Maria Silveira, conhecido como Saloio, o Jogo do Pau ganhou novo status ao ser introduzido nos meios esportivos de Lisboa. No entanto, poucos estudos se referem a essa arte marcial, sendo destacada a obra "O JOGO DO PAU" de Frederico Hopffer.

No século XIX, as diferenças entre as províncias onde essa esgrima de varapaus se manteve ou ganhou força foram acentuadas, criando-se escolas e instituições de prestígio como o Ginásio Clube Português, o Lisboa Ginásio Clube e a Casa Pia, esta última sendo conhecida pela atuação do Mestre Russo. Atualmente, o Jogo do Pau é praticado em várias associações no Norte do país.

O Jogo do Pau era praticado em todo o território continental português e também na Ilha Terceira, nos Açores. No entanto, três regiões se destacam atualmente: a região Norte (Minho, Trás-os-Montes e raia galega), o Ribatejo e a região de Lisboa (Salvaterra de Magos, Estremadura). Isso não significa que a antiga arte marcial tenha sido esquecida em outras regiões ou espaços nacionais, pois existem relatos de sua prática na Ilha Terceira e no Algarve.

Na região mencionada no artigo, a sobrevivência do Jogo do Pau é atribuída ao Rancho Folclórico Rosas do Lena, da Rebolaria, que, na década de 70 do século XX, retomou o ensino dessa esgrima surpreendente por meio do Mestre Nuno Russo da Casa Pia de Lisboa.

Artigo

« (...) Posto isto, eis a nossa secular arte marcial, o Jogo do Pau, possivelmente tão velha como a nossa Nacionalidade e uma das manifestações mais originais do Povo Português, tão original que a poderemos considerar unica, pelo menos na Europa, o que me leva a insistir na proposta de classificação como patrimonio imaterial da Humanidade.

A origem perde-se no tempo e as informações sobre ela são escassas, pelo menos até ao século XVIIL, o que é natural por se tratar de um jogo (arte ou esgrima) próprio do povo humilde das aldeias, que só no século XIX, por acção do José Maria Silveira, conhecido pelo Saloio, ganha um novo estatuto ao ser introduzido nos meios desportivos de Lisboa. Também tem sido poucos os estudos que se lhe referem, sendo de destacar a obra "O JOGO DO PAU de Frederico Hopffer.

No século XIX acentuamse e cultivam-se as diferenças entre as provincias onde esta esgrima de varapaus se mantivera ou onde ganhara novos alentos, criando-se escolas e instalando-as em instituições de prestigio como o Ginásio Clube Português, o Lisboa Ginásio Clube ou a Casa Pia (onde tem pontificado o Mestre Russo), isto no caso de Lisboa. Há várias associações onde se pratica no Norte.

Duma maneira geral o Jogo do Pau praticava-se em todo o espaço continental do nosso país e, pelo menos, na Ilha Terceira nos Açores, mas sobressaem, presentemente, três regiões demarcadas, chamemos-lhe assim: a do Norte, minhota mas estendendo-se a Trás-os-Montes e inclusivamente à raia galega, a do Ribatejo, ribatejana ou pataieira, e a de Lisboa, saloia ou estremenha, em que se insere a nossa Alta Estremadura. Isto, porém, não quer dizer que a nossa velha arte marcial esteja esquecida noutras provincias ou espacos nacionais. Sei, por informação do Dr. Adélio Amaro, aturado investigador da nossa Cultura, que na Ilha Terceira há em funcionamento uma "oficina" do Jogo no Museu Militar, tendo sido publicado, nesta formosíssima Ilha onde as Tradições são plenamente revividas, um valioso livro sobre o assunto. “O Jogo do Pau na Terceira" (edição de 1992 apoiada pela Câmara de Angra do Heroismo) de Paulo de Avila de Melo. Do Algarve também tenho notícias sobre a existência de praticantes da modalidade, faltando-me, porém, apurar se têm "escola" própria ou se inserem noutra que seria, talvez, a de Lisboa.

Na nossa região a sobrevivência do Jogo do Pau deve-se ao Rancho Folclórico Rosas do Lena, da Rebolaria, que ante o facto dos nossos velhos jogadores já terem desaparecido do número dos vivos ou se encontrarem incapazes de o transmitir, isto na década de 70 do século XX, foi rea prender a surpreendente esgrima na escola do Mestre Nuno Russo da Casa Pia de Lisboa.

Na primeira lição do Jogo do Pau aprende-se a escolher o varapau que se adeque à altura do praticante, desde o chão até ao lábio superior, evidentemente a madeira de que é feito sendo considerada a do lódão a melhor, na falta desta a de carvalho, de marmeleiro e inclusivamente a de eucalipto de recente usança. O Varapau tem de ser cuidadosamente alisado e ter o mesmo diâmetro de ponta à ponta. Para se mantermacia e resistente de forma a não se quebrar, sobretudo a madeira de eucalipto, deve ficar algumas horas, antes de cada jogo, de molho.

A forma de pegar o varapau constitui a segunda liçao, sempre no extremo e não a meio. Pegado a meio ou com as mãos muito avançadas, a derrota do jogador é pronta e dolorosa.

A maneira de colocar os pés assemelha-se à da esgrima das armas brancas, mantendo-se os passos curtos e firmes nas diversas posições.

Nas primeiras aulas é isto que tem de aprender: a postura do corpo, o jogo dos pés, a firmeza dos passos, a atenção concentrada no adversário, a escolha do varapau, a forma de o pegar, nada que desvie a atenção, o respeito pelas regras. A existência de público a assistir, o que é normal nas exibições do Rosas do Lena, torna frequentemente difícil concentrar a atenção, o que só se consegue com muito treino.

Segue-se a aprendizagem das várias posições e das pancadas, começando-se pela guarda de espera, posição, como o nome indica, em que com o varapau em riste se espera a pancada do adversário. Depois, a arrepiada, pancada que é dada de baixo para cima: a parada, defesa de cada pancada do adversário tentando descobrir sempre de onde virà e como sera, o rebate em que o varapau descreve um círculo sobre a cabeça do jogador: a pontuada que é uma pancada desferida com a ponta do pau: o sarilho que combina várias evoluções do varapau; etc..

Escusado será dizer que os varapaus não podem ser ferrados, a não ser, possivelmente, se fossem utilizados em guerras, como consta que aconteceu durante as Invasões Francesas, em que os nossos camponeses, sem outras armas, atacaram à paulada os invasores...

Uma das figuras mais curiosas desta arte marcial é o chamado varre-feiras, lutador que sozinho enfrenta vários adversários. Contam-se proezas deste genero do famigerado bandoleiro oitocentistas José do Telhado e doutros que deixaram nome pela habilidade do manejo do varapau e pela valentia que revelavam, vários que tiveram a honra de figurarem romances de Camilo Castelo Branco, de Aquilino Ribeiro e doutros grandes vultos das Letras.

A escola do jogo do pau do Rancho Rosas do Lena apresenta normalmente, nas suas exibições, três posições que eram habituais nas lutas a sério que se desencadeavam nas festas, nas feiras e nas esperas nocturnas: um jogador contra um adversário, o apartador que intervinha entre dois lutadores apartando-os e o varre-feiras que se defendia de vários adversários levando, muitas vezes, a melhor; defendia e atacava utilizando a pancada de sarilho. E, casos houve em que dois jogadores amigos, costas com costas, enfrentavam um número considerável de inimigos.

A propósito do jogo do pau, a excelente "Revista da Armada", no seu número de Setembro de 1985 (data errada, foi em agosto de 1984), se a minha memória não falha, e pela pena do comandante Melo e Sousa, depois de nomear os beneficios para o corpo e para o espirito na prática da modalidade, referindo elogiosamente a iniciativa do Corpo de Fuzileiros de a retomar, dizia:

É pois necessário não deixar morrer esta arte, este desporto ticamente nacional. A todos os bons portugueses se lança este alerta, muito especialmente àqueles que gostam do exercicio fisico em geral e também a todos aqueles que têm a cargo a difusão do desporto no nosso País.

Além dos livros que se indicam no texto, há um do Dr. Ernesto Veiga de Oliveira, que foi autor entre outras obras preciosas de "Instrumentos Musicais populares Portugueses", "O jogo do Pau em Portugal" essencial para o conhecimento da nossa arte marcial.

A fotografia que se publica foi tirada há anos no “Mercado do Século XIX", na nossa Praça Mouzinho de Albuquerque, aos jogadores do Rosas do Lena.

Uma nota final: publicou o "Jornal de Notícias de 3 de Abril do corrente ano, que se deslocaram aos Estados Unidos dois membros do Centro Cultural e Recreativo da Juventude de Cepaes, concelho de Fafe e distrito de Braga, os srs. Pedro Silva e Oscar Cunha, que, convidados pela organização americana Immersion Labs Foundation, ali foram revelar o Jogo do Pau num certame em que estiveram representadas tradições de vários países das Américas, da Europa e do Oriente. A associação a que pertencem tem tido notável actividade na prática e divulgação da nossa arte marcial.

Segundo informação vinda a lume em Maio de 1988, se estou certo na data, no jornal "Voz das Misericórdias, está sedeada no Ateneu Comercial de Lisboa, outra prestigiada agremiação que se preocupa com a manutenção e divulgação da nossa varias vezes centenária arte marcial, a Associação Portuguesa do Jogo do Pau.


José Travacos Santos
Apontamentos sobre a Historia da Batalha (197) »


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