Artigo: O Seculo Ilustrado - Jogo do Pau - Desporto Nacional 1952'

Fonte: Jogo do Pau Português
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Sobre

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  • Título: Jogo do Pau - Desporto Nacional
  • Autor: José Luís Ribeiro
  • Publicação: Jornal «O Século Ilustrado» de 5 janeiro de 1952

Resumo

Artur dos Santos em Lisboa

O artigo aborda o tema do jogo do pau, uma forma tradicional de combate portuguesa, com raízes nos antigos tempos de lutas corpo a corpo. Os portugueses deram expressão e beleza a essa forma de combater, que exige vista apurada, agilidade, destemor, energia e decisão. Diferente da esgrima, no jogo do pau não são permitidas luvas, couraças ou capacetes.

O jogo do pau é considerado um exercício físico muito proveitoso, envolvendo uma ginástica ativa com movimentos diversos, seguindo preceitos antigos. Existem três escolas de jogo do pau: a do Minho, com pontuadas e sarilhos; a de Lisboa, com cortes e recortes; e a do Ribatejo, com lances de ligeireza e golpes de vista. Durante o jogo, são utilizadas técnicas de guarda, sarilhos, pontuadas, rebates, cortes e recortes, executados com energia nos golpes, defesa segura e resposta pronta.

No passado, os quintais de Lisboa eram locais de encontro para a prática da esgrima com varas, onde os jogadores demonstravam as suas habilidades. Com o passar do tempo e o afastamento dos mestres, essas escolas foram gradualmente desaparecendo. O Ginásio Clube Português, fundado em 1877, foi uma das primeiras coletividades desportivas a incluir o jogo do pau no seu programa, com mestres como Pedro Augusto da Silva e Artur dos Santos.

O mestre Artur dos Santos, considerado um excelente jogador e professor de jogo do pau, ensinou a arte por 36 anos no Ginásio Clube Português e na Escola Academica. Ele também participou de outros desportos, como natação, ciclismo e corridas de beneficência. Sua residência é descrita como um museu de recordações, repleto de medalhas, troféus, diplomas e objetos de arte.

Em 1952, com 77 anos, Artur dos Santos continuava a lecionar ginástica em colégios particulares, demonstrando energia e dedicação ao cuidar do seu próprio físico com método e inteligência.

Em resumo, o artigo descreve o jogo do pau como uma forma tradicional de combate portuguesa, destacando a importância dos mestres e a influência do Ginásio Clube Português na preservação dessa prática ao longo dos anos. Artur dos Santos é mencionado como um renomeado professor e praticante do jogo do pau, que contribuiu significativamente para a disseminação e preservação dessa arte marcial.

Carlos Relvas no Ribatejo

No artigo é apresentada a figura de Carlos Relvas, um goleganense de destaque e polivalente temperamento, que deixou um legado notável em diversos empreendimentos. Ele se destacou como equitador e toureiro equestre, sendo responsável pela criação das selas ainda utilizadas por artistas hoje em dia. Além disso, Relvas era um amador admirável que se dedicava à fotografia, conquistando prêmios e honrarias em várias exposições internacionais.

Relvas trouxe vários jogadores notáveis para a região de Golegã. Um deles foi Antonio Penela, conhecido por seu jogo com as duas mãos no estilo minhoto. Conta-se que em uma ocasião, durante uma lição, Relvas tentou dominar Penela, mas este rapidamente assumiu uma posição de superioridade, o que desagradou o fervoroso oponente. Apesar de Penela não ter uma grande estatura, dizem os antigos goleganenses que o viram jogar que ele era valente e destemido, não se intimidando com adversários de grande porte. Penela deixou sua marca no jogo do pau e teve excelentes discípulos, como Joaquim Pinto e José de Sousa Cecílio, pai de Patrício Cecílio, também um hábil jogador de pau.

Outro mestre que respondeu ao chamado de Carlos Relvas foi Joaquim Baú, de Marco de Canavezes, um jogador formidável que, apesar de ter oitenta anos de idade, demonstrava uma habilidade digna de um jovem. José António Marvila também se destacou na Golegã a convite de Relvas, sendo conhecido por seu jogo com as duas mãos, enquanto Relvas utilizava apenas uma, como na esgrima de florete. Na época, comentava-se que Marvila representava o sistema antigo, enquanto Relvas representava o moderno. Relvas não se contentava apenas em dominar a técnica do jogo; ele também se dedicava a preservar relíquias do passado, como um pau de lodo, oferecido a ele por João da Silva Maltez, um famoso jogador e lavrador artista que chegou a se confrontar com o igualmente renomado Pedro Augusto da Silva.

Artigo

« ARTUR DOS SANTOS, NO GLORIOSO GINÁSIO CLUBE PORTUGUÊS, FOI O MESTRE QUE LECCIONOU VARIAS GERAÇÕES DE VALENTES RAPAZES, E O RIBATEJO TEVE EM CARLOS RELVAS O ENTUSIASTA PROPUGNADOR DA ESGRIMA LUSITANA

O jogo com a vara em punho deve ter sido inspirado pelo que se praticava nos velhos tempos das lutas corpo a corpo, em que os lanceiros se viam na necessidade de apear-se, constituindo, portanto, uma reminiscência dos processos adoptados no campo de batalha. Supomos que assim seją, todavia, duma certeza há que partir: é que foram os portugueses que deram expressão e beleza a esta forma de combater, para que é necessário muita vista, agilidade, destemor, energia e decisão. Ignora-se o moral do adversário e nos assaltos não se pode usar luvas, couraça a cobrir o peito, nem tampouco capacete, como sucede na esgrima de florete, sabre e espada.

O jogo do pau é um dos exercícios físicos de mais proveitoso resultado, que significa uma ginástica muito activa, dotada de movimentos de característica diversa e na observância absoluta de velhos preceitos, para o que é indispensável possuir muito «olho e pé» - no dizer de velhos mestres. É claro que os seus efeitos são tanto mais proveitosos quanto equilibrada for a orientação tomada na prática de tal desporto, que possui raízes bem portuguesas.

Os processos do jogo do pau compreendem três escolas: a do Minho, com as suas pontuadas e sarilhos; a de Lisboa, com os cortes e recortes; e a do Ribatejo, com os seus lances de ligeireza e golpes de vista. O conjunto destes processos abrange, nas fases animadas do jogo, guardas, sarilhos, pontuadas, rebates cortes e recortes, tudo executado com energia na pancada, na segurança da defesa e na resposta pronta.

No exercício da esgrima lusitana em antigas eras, cruzavam-se as varas em vários recantos da velha Lisboa, nalguns quintais da Graça, Bairro Alto, Lapa, Taipas, Largo da Achada, São Ciro, sendo o mais antigo de que há notícia o do Retiro da Pipa à Rotunda - no desaparecido Vale do Pereiro. Era-mos rapaz e muito nos divertiam as visitas nas tardes de domingo, aos quintais onde o referido desporto atraia adeptos entusiastas, e aí notámos os grandes Jogadores que num acto propositado permitiam O brilho dos adversários, para depois no momento oportuno, os colocar em respeito, tal era a superioridade dos seus conhecimentos.

Com a morte ou afastamento voluntário dos mestres do jogo do pau que davam as suas lições nos quintais, estas escolas iam acabando gradualmente, e a formosa esgrima lusitana era integrada no programa de colectividades desportivas a primeira das quais foi o prestigioso Ginásio Clube Português, fundado em 1877, que depois teve como primeiro dirigente do ensino Pedro Augusto da Silva; seguiu-se Lisboa Ginásio Clube, inaugurado em 1917 na Travessa do Borralho aos Anjos com o professor da especialidade, António Lapa; e também o Ateneu Comercial de Lisboa onde no ensino do jogo do pau se salientaram Jorge de Sousa discípulo de Frederico Hopffer, Domingos Miguel e António Caçador.

Passando em revista os nomes dos jogadores e mestres famosos, mais uns que reza a tradição e outros que conhecemos contam-se o Domingos Salreu, um jogador de elite. José Gonçalves Dias, O «95», José Maria da Silveira «Saloio», um reformador da técnica; Pedro Augusto da Silva, Artur dos Santos, António Emídio de Sousa, Baptista Abelheira, Pereira das Taipas, que tinha a sua escola num quintal da Rua das Tainas; o Varejão, O Pimpão, o Pisão, João Confeiteiro, Brasete, Domingos Alves, Francisco Calhariz, Frederico Hopffer - autor dum excelente compêndio da arte do manejo do pau - Arnaldo Ressano Garcia, dr. César de Melo, dr. Moura Pinheiro, Dr. Salazar Carreira, Campos Jor. Humberto Caldas, etc.

A JUVENTUDE LISBOETA DEVE A ARTUR DOS SANTOS INESTIMÁVEIS SERVIÇOS EM MATÉRIA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

O Ginásio Clube Português, de tradições brilhantíssimas e tantas vezes glorificado pelos altos serviços prestados à educação desportiva da mocidade, e, por conseguinte ao rejuvenescimento da raça, na realização do seu amplo e patriótico objectivo instituiu, em 1890 a classe de jogo de pau que ali teve o seu primeiro mestre Pedro Augusto da Silva discípulo e depois auxiliar do célebre José Maria Saloio. Por morte daquele mestre, seguiu-se na tarefa do ensino do famoso desporto nacional Artur dos Santos, que já desfrutava de uma auréola de excelente jogador, pessoa activa e sabedora, quando frequentava a classe do seu antecessor. O referido mestre, que triunfou em assaltos memoráveis, na frente de público entendido, foi professor de jogo de pau durante 36 anos, no Ginásio Clube e na Escola Academica, ao tempo instalada nas Escadinhas do Duque. Praticou o desporto náutico peso e alteres, ciclismo e foi moço de forcado amador, componente admirável dos grupos dos afamados desportistas Filipe Taylor, Alberto de Albuquerque, Simão Ferreira, Pedro de Oliveira e Jose Calazans. Eram todas de beneficência as corridas em que colaborou, incluindo as realizadas no Campo Pequeno, da organização do Clube Tauromáquico Português, patrocinadas pela falecida rainha D. Amélia de Orleans e a favor da Assistência Nacional dos Tuberculosos quando esta instituição começava desenvolvendo a sua acção humanitária.

A residência do antigo mestre, que foi um atleta de uma compleição física extraordinária. Constitui um autêntico museu de recordações nas vitrinas, paredes e prateleiras acumulam-se muitas medalhas entre elas a de cavaleiro da Ordem de Cristo - salvas de prata galhardetes, «moñas», taças, diplomas, objectos de arte e até um pau de lodo encastoado a prata brinde dos seus discípulos.

Foi naquele ambiente muito carinhoso para quem como nós, viveu muitos dos factos que aqueles objectos documentam - que há semanas cavaqueamos com o mestre Artur dos Santos que, minado de saudades evocou os espectáculos de ginástica no circo Piatti que funcionou onde depois construida a sede da Assistência Nacional aos Tuberculosos na Ribeira Nove; no Real Coliseu da rua da Palma no mesmo local onde foi levantada a Garagem Lis; no Coliseu dos Recreios; e, egregados a estes os efectuados no Palácio de Cristal do Porto, e noutras cidades. Em todos o nosso velho e admirado amigo fez brilhante figura como actuante, em competições sérias, viciantes e arriscadas. Grande número de saraus no Coliseu dos Recreios, alguns Ginásio Clube e na Escola Academica, em que o referido professor apresentava suas classes sempre afinadíssimas, lá tinha a nossa presença. Também recordamos s exibição sensacional de Jogo de pau em que se puseram frente a frente os seus discipulos dr. José Pontes, Dário Canas; João Rodrigues, Futcher Figueiredo, João Capristano, José Perdigão, etc.

Artur dos Santos, paladino fulgurante do desporto nacional, conta hoje 77 anos e ainda lecciona ginástica nalguns colégios particulares cumprindo com apreciável energia, porque sempre cuidou do físico com método e inteligência.

NO RIBATEJO, CARLOS RELVAS FOI UM GRANDE DIVULGADOR DO JOGO DO PAU, QUE DEIXOU ALI FORTES VESTÍGIOS

No Ribatejo — província recheada de pujantes e ricos costumes de característica bem portuguesa - encontramos uma outra figura de rácico e altivo recorte: o goleganense Carlos Relvas, temperamento polifacético, que deixou um glorioso nome em todos os empreendimentos que sonhara. Distinguiu-se ele com relevante prestigio, como equitador e toureiro equestre, sendo da sua invenção as selas que os artistas ainda hoje, adoptor; também como admirável amador cultivou a fotografia, que lhe proporcionou prémios e honrarias em várias exposições internacionais.

Fez vários convites. O primeiro que ele trouxe para a Golegã foi o nortenho Antonio Penela nabilissimo no jogo com as duas mãos, segundo a maneira minhota. Conta-se que uma vez, no calor das lições e destro como era Relvas tentou dominar o Penela mas este, num golpe rápido, passou a uma situação de superioridade que não agradou ao fogoso contendor, é claro, O Penela não possuia grande estatura - afirmam-nos velhos goleganenses que ainda o viram jogar - mas era valentissimo, não temendo os homens de grande estatura. Podiam ser altos como torres! Numa romaria, relata-se nas conversas dos antigos eram muitos homens contra ele, mas só com pedras o atingiram, porque à paulada jamais lhe lhe tocaram. Antonio Penela, deixou escrita a térmica do seu jogo, e um grupo de excelentes discípulos, como Joaquim Pinto e José de Sousa Cecílio - pai de Patrício Cecilio, também esgrimista do pau, e dos bons.

Outro mestre acorreu à chamada de Carlos Relvas: Joaquim Baú, de Marco de Canavezes, que era um tremendo jogador que não obstante a sua avançada idade de oitenta anos, figurava como um novo, no-lo afirmou por ocasião do S. Martinho um velho servidor da casa Relvas. Mais um famoso jogador surgiu na Golegã a convite de Carlos Relvas: foi José António Marvila, senhor de grandes conhecimentos, jogava ele com as duas mãos - como era preceito da sua escola - e Relvas utilizava apenas uma como se tratasse de esgrima de florete. E comentava-se, na Colegã, nesse tempo que Marvila representava o sistema antigo, e Relvas o moderno. O famoso goleganense não se contentava com estar senhor da técnica do jogo;

Uma reliquia do passado nos nos foi presente há pouco, na Golegã, por Carlos Gonçalves, um jogador dos tempos idos possuidor de um pau de lodo, de Carlos Relvas, que lhe foi ofertado por João da Silva Maltez, feitor daquele, considerado lavrador artista e celebre jogador, que chegou a bater-se com o não menos famoso, Pedro Augusto da Silva.

O pau de lodo ou de marmeleiro foi a arma predilecta de muitos portugueses de sólida e pura cepa, como aquela figura do verdadeiro toureiro a cavalo - igualmente muito nosso - que levava sempre no seu carro, um pau dos que vergam e não partem e constituía a sua uma inseparável. E quando uma senhora lhe perguntou certo dia o que era aquilo, respondeu: É o meu revólver. - Então pode matar? - observou a dama - Sim - concluiu o artista - pode matar sem fazer barulho!

Igualmente conhecemos eclesiástico que paroquiava para os lados do Cartaxo que nunca se separava dum pau que víamos atado ao quadro da sua bicicleta. E também nos recordamos dum home da lavoura ribatejana - um homem às direitas - que fosse para onde fosse acompanhava-o sempre uma vara-pau que ele dizia ser a «escova» que tirava o pó do pêlo de qualquer cão que lhe saltasse ao caminho para lhe morder!..

Hoje pouco se fala do jogo do pau, que era considerado o favorito nos velhos tempos, e é de lastimar que se deixe perder um desporto genuinamente português, de raízes tão populares, uma esgrima de agilidade, vigor, e nobresa. »

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