Artigo: revista FLAMA 1968
Sobre
- Relevância: ★★★
- Título: Dois homens… à paulada? ...SIM, mas desportivamente. É o Jogo do Pau
- Autor: Revista FLAMA
- Publicação: Revista FLAMA, nº 1082, ano XXV, 29 novembro 1968
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« Nas feiras, onde os valentões varriam (e varrem) à paulada grandes ajuntamentos quando os ânimos se exaltavam, nasceu o jogo do pau, hoje quase desconhecido do nosso público apesar de genuinamente portugués. É um espectáculo fascinante, vertiginoso em velocidade, emoção e dureza. Chamam-lhe a esgrima nacional, pela semelhança com aquela, semelhança de técnica, de ritual, de objectivos, de destreaa. Mais espectacular, роrém, dada a sua ruralidade e violencia, o jogo do pau adquiriu passes e rimos de dança em fúria, cada vez mais acelerada e impressionante. Os dois homens de branco (pode haver simultáneamente vários grupos em jogo) agigantam-se e mecanizam-se no seu ritual de pancadas, cruzamentos, desvios, ataques, recuos... DECLÍNIO Os tempos áureos do jogo do pau decorreram na década dos vinte. Us gentlemens de então andavam de bengala - que além da função estética era também um eficiente meio de defesa. Talvez por isso, os interessados em aprender a manejar o varapau se multiplicaram, formando grupos e disputando partidas com toda a regularidade. Na altura, chegou a ser um desporto tão popular como hoje o futebol, pois também arrastava igualmente multidões aos quintais onde era disputado, em partidas emocionantíssimas que duravam horas. Alguns jogadores foram celebridades há três décadas. Deles, o mais conhecido e hábil, é o mestre António Nunes Caçador, que hoje dá aulas no Ateneu Comercial de Lisboa, onde se iniciou em 1922, sendo uma das maiores autoridades no assunto. Apenas meia dúzia de entusiastas ainda se dedicam à modalidade. Em rigor, não se sabe qual a origem do jogo. Apareceu no Minho e na zona de Lisboa com caracteristicas diferentes e mais como manifestação «bélicas» do que como desporto. Só depois, na capital, indivíduos interessados nas suas possibilidades desportivas começaram a estabelecer-lhe regras, a organizá-lo, a estudá-lo. O primeiro desses mestres for José Maria da Silveira (O Sadoio), conhecida figura da boémia lisboeta, que, devido ao seu feitio alegre e brigão, se tornou num tipo caracteristico da sua época. Fundou a Escola de Lisboa, assim chamada pelas suas características pessoais. Ao contrário do que se possa pensar, este desporto não era só característico do povo, pois entre os seus praticantes contavam-se grandes individualidades, como o penúltimo soberano portugués, o infance D. Afonso e Ramalho Ortigão. O autor de «As Farpas» fazia certa vez uma demonstração de jogo do pau com o jornalista Sousa Reis e, sem querer, deu-lhe uma bordoada na cabeça. Algumas horas depois, perguntaram a Ramalho: — Que disse o pobre Sousa Reis do triste acidente? - Até agora - respondeu o escritor - ainda não disse nada. VESTUARIOS E VARAPAUS... Primitivamente, os jogadores do pau não envergavam vestuário especial. A partir de 1890, porém, quando as equipas de ginástica começaram a desenvolver-se e a realizar sessões públicas, houve linecessidade de o criar, para que a modalidade pudesse figurar nos programas. Começou por ser constituido por sapato e calça preta, camisa branca de mangas compridas e gravata — hoje, está simplificado: calça branca, sapato branco e camisola de meia manga. - ... Quanto às varas a empregar - explica-nos Nunes Caçador, autor de Jogo do Pau (Esgrima Nacional) usam-se de marmeleiro, freixo, castanho, junco e lódão, mas as melhores e mais usadas são incontestàvelmente as últimas pela sua resistência, flexibilidade, macieza e beleza natural. São desta qualidade as que se usam nas festas públicas. Quanto ao seu feitio, devem ser feitas de tal maneira, que uma das extremidades seja levemente mais grossa que a outra, e por consequência quase igual dos dois lados. Quanto ao peso e altura acho que o máximo que devem ter são peso - 550 gramas e comprimento 1.52 metros. Para mim, o melhor método para as conservar é passar-lhes uma forte camada de vaselina grossa e covolve-la em papel de jornal, atando-se em molhos muito bem apertudos. Duram, assim, muitos anos sem secarem. Quando quisermos servir-nos de-las, passamo-las com uma porção de serradura de alto a baixo e então a vaselina sai e a vara aparece completamente nova na sua cor e aspecto flexível. ESGRIMA SEGURA, ELEGANTE, PERFEITA E RICA No Ateneu Comercial de Lisboa e no Ginásio Clube Português funcionam ainda equipas de jogadores entre os quais se contam jovens. No primeiro, havia em 1967, 16 inscritos e no segundo 10. «...A nossa esgrima não é qualquer coisa do pau a bater no pau (continua Nunes Caçador) mas, sim, uma esgrima segura, elegante, perfeita e rica em vários aspectos do seu todo. É pena que ela de há anos para cá, tenha andado tão mal compreendida, mas, a que deve? Certamente não é ao público mas sim à falta de praticantes. Ainda ha duas casas pelo menos em Lisboa, que mantêm desinteressadamente a esgrima nacional, o Ateneu Comercial de Lisboa e o Ginásio Clube Português. O resto das casas desportivas que pudiam manter uma escola de jogo do pau não a têm. Todavia se este jogo é pedido várias vezes para fazer parte das festas desportivas é porque tem ainda algum interesse.» Esta esperança melancólica de António Nunes Caçador revive agora ao saber-se que Jogo do Pau foi escolhida por uma estação da TV de Tóquio para representar Portugal na Feira Mundial do Japão (que se realiza em Osaka, em 1970) devido ao seu carácter tipico amador. » |
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