Lenda do Combate da Inês Negra

Fonte: Jogo do Pau Português
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Sobre

Ainda no contexto da crise de sucessão de 1383-1385, dois anos após a batalha de Aljubarrota, havia no país algumas povoações ocupadas que resistiam ferozmente às investidas dos portugueses, mantendo-se fiéis a Castela.

Era o caso de Melgaço, cujo castelo era governado por um alcaide castelhano Álvaro Paez de Souto Maior. Nessa qualidade, o castelo de Melgaço sofreu em 1388 o assédio das forças portuguesas. A campanha caracterizou-se por uma série de assaltos e escaramuças, onde se defrontaram a nobreza, encastelada nos muros da vila e as classes populares, fora de muros, no chamado arraial .

Inês Negra (segundo o Conde de Sabugosa – seria uma mulher de cabelo negro, encrespado, pele escura e curtida pelo sol, corpo musculado, olhos cor de fogo, e um rosto magro com bigode) juntou-se ao exército, mas, segundo alguns narradores, as duas fações nunca chegaram a defrontar-se.

A batalha travou-se entre Inês Negra e uma sua inimiga de longa data, a "Arrenegada", que sendo portuguesa de nascimento, tinha optado por apoiar os castelhanos (daí o nome de arrenegada).

A lenda diz que a "Arrenegada" desafiou Inês Negra do alto das muralhas, propondo que a contenda fosse resolvida entre ambas com o acordo do exército castelhano.

D. João I assistiu espantado à resposta de Inês Negra que dizia aceitar o desafio e ambos os exércitos concordaram com este duelo.

Não se sabe ao certo como é que foi construída a narrativa da lenda nem a origem do nome "Inês Negra". A lenda é contada de diferentes maneiras e com mais ou menos pormenores, mas essencialmente encon-tramos duas versões mais credíveis. [1]

O duelo

Duelo de varapau

Uma das versões da lenda dita que o duelo se inicia com varapaus e que estes se partiriam, levando o duelo a continuar às «unhadas, às dentadas e arrancando cabelos». Como relata Álvaro Capelo:

« A “arrenegada” saiu por um postigo da fortaleza, avançando com um nodoso bordão. Foi estrondosa a gritaria do povo ao avistar a “arrenegada”. Foi logo impetuoso o primeiro embate das justadoras. O choque foi tremendo, e num instante, os bordões quebraram-se. Agora, sem armas, atirando-se uma à outra com rancor, rasgavam reci-procamente as carnes com as unhas e os dentes. » [2]

Leite de Vasconcelos, não nos diz que armas foram usadas, mas partiram-se:

« Inês Negra (a desafiada) aceitou o repto e dirigiu-se logo para o ponto designado, que era a meia distância do arraial da vila. Já lá estava a arrenegada, (como então se dizia) e o combate começou encarniçado, terrível e desesperado, como duas viragos, ferindo-se com as mãos, unhas e dentes, depois de partirem as armas de que vieram munidas (ignorando-se que armas fossem). A agre-ssora ficou debaixo e teve de retirar para a vila, corrida, ferida e quase sem cabelo, «levando nos focinhos muitas nódoas das punhadas da de fora», que ficou vitoriosa. » [3]

Duelo de espada, seguido de forquilha e varapau

Outra versão, mais popular, dita que Inês Negra, defrontou a sua inimiga de espada na mão. Onde as duas mulheres atacavam e defendiam com toda a sua força, até que a “Arrenegada” traidora, com um golpe fortíssimo, faz saltar a espada das mãos de Inês. Esta furiosa tirou uma forquilha da mão de um camponês e fez-se à luta, procurando atingir a “Arrenegada” nas pernas. Sentindo-se em desvantagem, devido ao peso excessivo da espada, esta atirou-a fora e pegou num varapau que quebrou com fúria nas costas de Inês. Louca de fúria e de dor, Inês Negra largou a forquilha e atirou-se com unhas e dentes à sua oponente, rolando ambas no chão empoeirado.

A vitória de Inês

No meio da confusão de gritos e poeirada, um grito de dor gelou a assistência, que não conseguia perceber qual das duas vencera.

Foi então que a "Arrenegada" se levantou e fugiu para o castelo, completamente humilhada pela Inês Negra que exibia nas mãos ensanguentadas madeixas da cabeleira da inimiga.

Levantou-se logo ali um clamor geral de vitória por parte dos portugueses, a mulher vitoriosa subiu então às muralhas e pronunciou as palavras:

«- Mas vencemos-te!
Tornaste ao nosso poder. És do rei de Portugal!»

No dia seguinte, os castelhanos abandonaram Melgaço e D. João I quis recompensar a heroína, mas esta respondeu que estava plenamente recompensada pela sova que tinha dado à sua inimiga.

Fatos históricos escritos

Em termos de relatos históricos, as únicas citações escritas que existem são de dois cronistas, Fernão Lopes, nas Crónica do Rei D. João I, em 1443, e de Duarte Nunes de Leão, que coloriu esta história com detalhes literários em 1610.

Fernão Lopes conta na sua Crónica de D. João I que:

« E em esse dia escaramuçaram duas mulheres bravas, uma da vila e outra do arraial, e andaram ambas aos cabelos e venceu a do arraial, como mais costumada a andar na guerra. »[4]

Homenagens

  • Actualmente, a lenda da heroína portuguesa é recordada diante de uma das portas da cerca da antiga vila medieval, em Melgaço, por uma estátua evocativa e figurativa, em bronze sobre pedestal de granito, realizada pelo escultor José Rodrigues. Inaugurada a 10 de Junho de 1995, é um marco na localidade minhota.
  • Na área da toponímia, o seu nome foi atribuído à principal alameda no centro histórico da vila de Melgaço, próximo de uma das muralhas principais do castelo, onde terá ocorrido a batalha.[5]

Galeria de imagens

Vídeos

Vídeo criado pela C.M Melgaço

Links externos

Ver também

Referências

  1. LOPES, Paulo, O Jogo do Pau Português, 5livros, 2020 (sobre o livro)
  2. Álvaro Capelo, “Lendas do Vale do Minho Valença”, Associação de Municípios do Vale do Minho, 2002, p. 60-61
  3. José Leite de Vasconcelos, “Contos Populares e Lendas II”, Coimbra, por ordem da universidade, 1966, p. 688
  4. Fernão Lopes, “Crónica de D. João I, 3ª parte”, 1443
  5. https://pt.wikipedia.org/wiki/Lenda_da_In%C3%AAs_Negra