Livro: A Triste Canção do Sul

Fonte: Jogo do Pau Português
capa do livro

Sobre

  • Relevância: ★★☆
  • Título: A Triste Canção do Sul
  • Autor: Alberto Pimentel
  • Publicação: Lisboa: Livraria Central de Gomes de Carvalho, 1904
  • Formato: 320 páginas


1904. Lisboa agitava-se com o Ultimato Inglês e com a polémica dos adiantamentos à Casa Real.

Na rua, as manifestações e a cultura popular misturavam-se, dando origem às letras anarco-sindicalistas no meio fadísticos.

No ano anterior, a História do Fado tinha saído para as estantes, à qual se seguiu A Triste Canção do Sul.

Desta vez foi o historiador académico que ganhou ao jornalista: Pimentel valorizou as citações de outros autores em detrimento da vivacidade do estilo e da narrativa de Pinto de Carvalho. [1]

Excertos da obra

«(...) Não ha senão uma defeza para o modo como elle aggride: o tiro ou a bengala, quando esta seja manejada por um jogador estremamente destro.(...) (p.48) »

Outro eximio cantador do Fado foi o Pitalcante[2], filho do famoso jogador de pau que se chamou José Maria Saloio. [3] (p.48) »

O historiador relata uma história de dois jogadores de pau, o Conde de Vimioso e o seu amigo João Nunes Vizeu:

« (...)as classes populares adoravam o Conde de Vimioso, que as tratava sem preoccupaçoes hierarchicas, e que se distinguia pela exteriorisação de qualidades que muito deslumbram o critério pouco intellectual do povo: a valentia, a coragem, o primor da guitarra e do toureio.(...)

Foi por occasião da feira do Campo Grande.
Dois valentões da província tinham se postado junto ao portão de ferro, que então limitava o Campo Gran- de pelo lado do Lumiar, e não deixavam entrar nem sair ninguém.

A que distancia já ficam hoje estas bravas tunantadas portuguezas, e que mal se podem comprehender agora!

Raça de Hercules, no acerto ou na loucura, quebra- mos: agora estamos a pedir funda. O povo levantou celeuma contra os dois pimpões, mas não ouzava affrontalos, porque algum saloio que investia, recuava ganindo, deslombado.

Com o Conde de Vimioso estavam almoçando n'essa occasião o sr. Miguel Queriol e João Nunes Vizeu. Ouviram o borborinho que vinha da alameda, informaram-se da occorrencia, e não tiveram um momento de hesitação.

Narra o sr. Queriol, sem faltar de si mesmo, mas certamente que não deixou de molhar a sua sopa, porque era muito desembaraçado :

« O conde de Vimioso e José Vizeu apenas tiveram tempo de cada um se munir de bons cajados de marmaleiro, e fazendo frente aos dois varredores de feiras os levaram a tombos até junto da feira, onde os soldados municipaes os receberam contusos e confusos da má sorte que em Lisboa veio offuscar a sua valentia provinciana.»

Todos estes predicados davam prestigio, faziam lenda ao conde no conceito popular. Pode imaginar se a ovação de que elle seria alvo n'aquella manhã do Campo Grande, quando varreu os dois alcides que varriam a feira. (p.173) »

Fado Saloio:

Sou saloio, honro-me d'isso,
P'ra casacas não sou mau;
Os janotas atrevidos
Sei correr a varapau.'

Que andamos no ramerrão
Dizem lá os de Lisboa;
Porém entre nós já sôa
O brado da illustração:
Escolas já cá estão
Fazendo bello serviço;
Eu cá já lenho toutiço
Para entender os jornaes,
Tenho ideias liberaes,
Sou saloio, honro-me d'isso.

Aos comícios vou tambem
E lá sei fallar em barda
Contra quem mo põe albarda,
E nos deixa sem vintém:
É certo que não vou bem
Com quem se me faz marau;
Mas jamais corro a calhau
Quem me sabe respeitar;
Se não vêem cá namorar
P'ra casacas não sou mau.

P'r' as madamas que cá vêem
Com o fim de tomar ares,
Temos modos singulares
E attenções como ninguém;
Nós cantamos muito bem
Os doces fados corridos;
D'amor mil versos sentidos
Sabemos improvisar.
E com elles castigar
Os janotas atrevidos.

E saiba qualquer senhor
Que eu, saloio esperto e girio,
Não soffro manguem co'o eirio
A que tenho tanto amor:
Se vem com ar zombador
Algum janota marau
Fazer o serviço mau
De quem a crença me ataca,
Verá como eu um casaca
Sei correr a varapau
(pp.124-125)

O autor transcreve quatro Fados compostos em calão. Onde em um deles, o cocheiro é o jogador de pau.

No livro Historia do fado são referenciados alguns fadistas de renome, que além de cocheiros eram jogadores de pau. Será daí a ligação do calão jogador de pau para cocheiro?

«(...)houve alguns fadislões de renome. Citaremos (...) o cocheiro António Carapinha e o cocheiro Bitaculas, um batedor e um valente, pai dos actuais cocheiros Bitaculas.(...)»

(...)
Arames é o dinheiro;
Ao vinho chamam briol;
Ao apito um rouxinol;
Jogador de pau, cocheiro;
Um bêbado é um archeiro,
Um gabinardo um gabão,
Dois vinténs um buzilhão,
Avésa' quer dizer lem:
Quem os não percebe bem,
Té perde a mastreação. (...)
(pp.94)

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Ver também

Referências

  1. Sinopse feita pela livraria Wook
  2. Terá chegado a frequentar o Conservatório de Lisboa, sendo o primeiro fadista identificado com formação musical académica. Entusiasta pela tauromaquia, grande aficionado.
  3. O autor referencia o livro Os excêntricos do meu tempo, de Luís Augusto Palmeirim, 1891, p.263