Livro: As duas fiandeiras: romance de costumes populares

Fonte: Jogo do Pau Português
capa do livro

Sobre

  • Relevância: ★☆☆
  • Título: As duas fiandeiras: romance de costumes populares
  • Autor: Francisco Gomes de Amorim (1827-1891)
  • Publicação: Lisboa: Empreza Horas Romanticas, 1881
  • Formato: 390 páginas


A dedicatória da obra, evocação da paisagem amazônica, e a geografia da narrativa, a Avelomar natal, configuram as duas pátrias às quais o autor dizia pertencer. Retratados com fidelidade e verossimilhança, os tipos humanos que povoam As Duas Fiandeiras vêm ao encontro da caracterização regionalista nos quadros do realismo-naturalismo, ao mesmo tempo em que respondem pela idealização de uma ruralidade mítico-simbólica, com a qual se inicia a narrativa: “Ainda lá não chegaram os esplendores e os vícios da civilização, que ilustra e corrompe tudo (...)”. [1]

Excertos da obra

Capitulo VII - Amores de carpinteiro

O excerto descreve a relação entre três personagens, Ana, Rosa e Joaquim, em uma pequena vila. Ana é descrita como jovial e brincalhona, enquanto Rosa é mais reservada e usa o poder do olhar para se comunicar. Joaquim, que jogava o pau como mestre, está apaixonado por Rosa, mas não tem coragem de mostrar suas preferências na frente de Ana. A relação entre eles se torna familiar, e as duas moças são queridas pelos moradores da vila. Joaquim é o único rapaz que se aproxima delas, mas outros jovens também desejam conquistar Ana ou Rosa. Alguns tentam punir Joaquim por sua preferência pelas fiandeiras, namorando Maria Rosmaninha.

Ana, jovial e chasqueadora, tomara a precaução de não gracejar com ele. Rosa conservava-se grave, falando pouco, rindo raras vezes, e empregando mais o império e fascinação do olhar, que sabia ser auxiliar poderoso, do que as palavras, que podiam tornar-se imprudentes. Joaquim amava já a fiandeira mais nova; porém não se atrevia, diante da outra, a mostrar preferências; e confessava a si próprio que não hesitaria em casar com Rosa, se Ana ali não estivesse.

Bastaram poucos dias para se estabelecer familiaridade e confiança entre os três. As raparigas iam-se tornando queridas de todas as pessoas da terra, não lhes faltando presentes dos lavradores abastados, nem convites para os serões das melhores casas. Os rapazes cruzavam-lhes por diante da porta, com ares de frangãos em frente de celeiro fechado; e os mais ricos desejavam oferecer a Ana Estela a sua mão e as suas juntas de bois; mas faltava-lhes ousadia para tanto. A assiduidade de Joaquim Bento fora logo notada; e não se sabendo a qual das duas ele requestava, mantiveram-se os outros a distância, e na expectativa; porque o carpinteiro tinha o seu tanto de bulhento, e jogava o pau como mestre. Alguns, que afirmavam não lhe ter medo, em vez de se apresentarem como pretendentes às fiandeiras, trataram de namorar Maria Rosmaninha, persuadidos de que assim o puniam de ter a preferência daquelas. (pp.78-79)

Capitulo VIII - A romaria de Balazar

Neste trecho encontramos uma conversa entre vários personagens que se encontram em uma romaria. Os personagens discutem sobre a possibilidade de uma briga entre dois grupos, um liderado por Pedro Laundes e outro por Joaquim Bento. O primo de Laundes é aconselhado a trazer um pau para se defender caso a briga comece. Durante a conversa, o mestre José alfaiate se junta ao grupo com um pé torcido, mas aparentemente esquece a lesão quando corta um grande pedaço de pau para usar como arma. O trecho também menciona Maria Rosmaninha e Ana Estela, que parecem estar em um grupo separado.

— O primo José não traz pau? Foi esquecimento de todos os dialhos! Para estas festas não se vem de vergastinha.
— Cuidas que a cousa dará de si?
— Boa dúvida! O Bento azedou-se por o Pedro conversar a Rosmaninha. Eles ambos são homens; porém o Joaquim joga melhor. O que vale ao primo de Laundes é não se escaldar tanto. Se a pancadaria começa, é a valer. Toda a rapaziada de Laundes e Torroso está na romaria e acode logo pelo Pedro, contra os de Avelomar.
— Isso é assim, Manuel; mas, pela direita razão, quem a tem é o Pedro; porque o Bento não quis a Rosmaninha, segundo me consta.
— É verdade. E eu cá ponho-me ao lado do de Laundes, embora se diga que não defendo os da minha terra.
— Aqui não há terra; há a gente fazer o que é direito. Em chegando ao arraial, compro logo cajado…
— É preciso que os haja lá, à venda.
— Sim?… Empresta cá a tua navalha — pelo seguro… E vai andando devagar; é um instante, enquanto arranjo qualquer vara de carvalho. Verde, trabalha-se depressa; e não é pior para abrir caminho, se for necessário.
— Carvalho, castanho, ou espinheiro. . . por ai há deles em barda. Pega a navalha e avia-te. O Joaquim vem de casaca, e traz pau! Basta ver isso, para se tomar sentido. Aquilo é grimpador, como pimpão de feira! Não lhe quero mal; porém, nunca engracei muito com gente briguenta e amiga de barulhos. Anda depressa, que eu vou indo devagarinho.

Manuel juntou-se ao rancho; e José alfaiate cortou tão gigante varejão, que poderia, em caso de necessidade, servir para verga de vela de catraia; e foi seguindo os outros, ao mesmo tempo que ia descascando e alisando o pau, Joaquim tornara-se casmurro, desde a fonte dos Namorados. Ana e Rosa também não davam palavra. O seu bando reuniu-se ao do Lameiro, não por simpatia, mas por um desses acasos, tantas vezes funestos, que, em vez de afastar, aproxima os indivíduos que se não amam.

Pedro Laundes travou conversação em verso com Maria Rosmaninha. Joaquim bem desejaria ouvi-los, ou interromper-lhes o dialogo, provocando Pedro; porém não se atrevia a fazê-lo na presença das fiandeiras; e bem percebia que já tinha causado a frieza delas, com a questão de ao pé da fonte.

Roía, pois, silenciosamente o seu despeito, quando viu aproximar-se, coxeando e abordoando-se ao grande varapau verde, o mestre José alfaiate.

— Que é isso? Foi cortar pau novo?
—É verdade; torci o pé; e se não trouxesse a navalha, estava bem arranjado.

Todos se interessaram muito por saber como tinha sido a torcedura, e se lhe doía.

— Dói como todos os demónios. Fui a saltar aquele valado das silvas, adiante da fonte, e vai, senão quando, escorrego, o zás!
— Caiu?
— No lameiro… que… por baixo… entendes?
— No lameiro? Não tem nenhum salpico de lama!
— Sim?… pois ai é que está o mal.
— Gomo?
— Quis equilibrar-me, vou contra as malditas pedras, e fiquei…
— Com o pé torcido. — acudiu Manuel Fernandes.
— Exactamente.— tornou o alfaiate, agradecendo-lhe com os olhos o auxilio.
— E custa-lhe muito a andar?— perguntou Ana Estela.
— Hum… nem por isso. Ao principio, sim; cuidei que ficava ali. Mas, depois que cortei o pau, já vai passando a dor.

Dizendo isto, esqueceu-se completamente de que estava com o pé torcido, e saltou uma poça, sem auxiliar-se do pau. Só Joaquim Bento fez reparo nesse descuido, e começou a estudar-lhe os movimentos. Dai a minutos, viu-o entregar sorrateiramente a navalha a Manuel do Lameiro. (pp.89-92)

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