Livro: Contos de Pedro Ivo

Fonte: Jogo do Pau Português
capa do livro

Sobre

  • Relevância: ★☆☆
  • Título: Contos
  • Autor: Pedro Ivo (Carlos Lopes)(1849-1906)
  • Publicação: Porto: Typographia da revista, 1874
  • Formato: 266 páginas


O livro Contos, publicado em 1874, foi o primeiro livro de Pedro Ivo. Foi um notabilíssimo contador de histórias, cujo verdadeiro nome era Carlos Lopes.

Pedro Ivo era um inventor das histórias que as pessoas gostavam de ler, porque nelas se reviam, identificando-se com os personagens. Isto explica o relativo sucesso de que, na sua época, gozou na cidade do Porto. [1]

Excerto da obra

« Serão oito horas da noite. O céo está recamado de estrellas, mas os corpos não projectam sombras, porque o luar só apparece ás nove horas. O sitio incute respeito: é o monte da via-sacra. Se fosse de dia ou o luar brilhasse, poder-se-hiam contar as cruzes que, a partir da capella, erecta no cimo do outeiro, se erguem pelo monte abaixo, numa distancia de vinte passos de umas ás outras.

Numa pequena elevação, sobranceira ao caminho, a cerca de trinta passos do primeiro cruzeiro da via-sacra, guiada a vista pelo brilho do lume de um cigarro, acabava-se por distinguir o vulto de um homem, assentado, com o pau traçado sobre os joelhos. Era o mestre carpinteiro, que esperava alli o visinho, para lhe provar a justiça da sua causa.

Quem lhe podesse ler no cérebro acharia isto: — Muito mal… não… Quinze dias de cama e nada mais… Há-de levar a sua dose, para não tornar a ter o atrevimento de levantar uma cadeira para mim!

E tão certo estava de si, que continuava philosophicamente a fumar o cigarro, esperando o lavrador com a pachorra, com que um pescador de profissão espera horas até que uma truta se lembre de vir brincar com o anzol.

Por fim lá lhe pareceu que ouvia ruido de passos, e ergueu-se. Não se enganara: era o lavrador. Subia este a ladeira apressadamente, estimulado pela lembrança do susto com que a mulher o estava esperando, quando o carpinteiro, de um salto, se achou defronte delle. O lavrador reconheceu-o immediatamente, mas não se deu por achado, e perguntou com voz cuja affectada segurança trahia o sobresalto interior:

— Quem temos por aqui ? O outro, rindo sarcasticamente, respondeu :

—Alguém que vem ver se você e homem para outro!

— E’ vocemecè, sr. José? — redarguiu o lavrador, buscando ganhar tempo para achar sahida áquelle aperto.

— Um seu criado, para o servir com umas azas de pau!… Pôde mandar dizer isto ao seu doutor, a vèr o que elle de la responde! — proseguiu o carpinteiro.

—Elle que ha de dizer? — retorquiu o lavrador, tentando levai o pelo brio.

—Ha-de dizer que nunca pensou que o sr. José viesse esperar um homem que nunca lhe fez mal, e que nem sequer traz um pau como esse para se defender.

— Pois dirá… dirá, sim senhor, mas… enganou-se! … Não traz pau ?… Faz mal, se bem que, nessas mãos de pouco valia!… Mas leva rumor e acabemos com isto, que eu não vim ca para conversar!

E, fincando um pé um pouco mais atraz, ergueu o pau. O lavrador comprehendeu que não havia compaixão a esperar, e, confiando com razão no vigor dos próprios músculos, deu um salto para deante, ao tempo que o adversário erguia o terrível marmelleiro, e estreitou-lhe o corpo com os braços. O carpinteiro, vendo-se abraçado, deixou cahir o pau, já agora inútil, e arcou com o vivinho, murmurando apenas por entre os dentes cerrados :

—Ah! cão, que me embaçaste!

Começou então uma lucta horrivel entre aquelles dois homens, ambos ainda jovens, ambos vigorosos. Depois de alguns minutos de esforços inauditos, para ver qual delles subjugaria o outro, o pé do carpinteiro encontrou uma velha raiz de árvore, que o fez cahir de costas, arrastando na queda o seu contrario. Este, aproveitando a vantagem, desprendeu um dos braços e apertou vigorosamente o pescoço do inimigo, que espumava de furor, sem exahalar um queixume. Não tardou, porém, que uma ideia horrível viesse paralysar o estorço do lavrador. Pareceu-lhe que o vencido tentava metter a mão no bolso, viu-se esfaqueado, passou-lhe deante dos olhos a imagem da mulher e a orphandade dos filhos, ergueu-se e fugiu. » (pp. 237-239)

Ler o livro

Pode ler toda a obra directamente na Internet Archive ou fazer o download do PDF (15.8Mb)

Links externos

Ver também

Referências