Livro: O rancho da carqueja

Fonte: Jogo do Pau Português
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capa do livro

Sobre

  • Relevância: ★☆☆
  • Título: O rancho da carqueja: tentativa de romance historico, baseado nos acontecimentos academicos do seculo dezoito
  • Autor: António Francisco Barata (1836-1910)
  • Publicação: Coimbra: Imprensa Litteraria, 1 edição 1867
  • Formato: 195 páginas


O Rancho da Carqueja (Tentativa de romance histórico baseado nos acontecimentos académicos do século passado), baseia-se nos distúrbios desencadeados, em 1720 e 1721, por um grupo de estudantes de Coimbra, que ficou conhecido por Rancho da Carqueja.

Inspirou-se o autor num manuscrito (com “má sintaxe, detestável gramática, nenhuma ortografia e medonha caligrafia”), coevo dos factos, que ele encontrara em 1863, e com base no qual começara a publicar um folhetim no «Comércio de Coimbra».

A ação começa com um ataque dos «carquejeiros» que desbaratou, na Rua das Fangas, o solene préstito que da Universidade seguia para Santa Cruz, comemorar o 1.º de dezembro de 1720.

O nome do bando relaciona-o Barata com a realização das suas reuniões magnas numa casa do Beco da Carqueja, fronteiro à Sé Velha.

O romance foi editado em Coimbra, pela Imprensa Literária, em 1864, e conheceu uma 2.ª edição em 1904, em Lisboa, pela Empresa da História de Portugal. [1]

Excertos da obra

A morte de um alfaiate, numa briga junto à ponte, terá determinado o envio por D. João V de uma força militar, que, em 20 de fevereiro de 1721, cercou Coimbra e capturou a maioria dos membros do grupo.

O autor relata essa briga, onde a mesma é feita com varapaus.

— Se o alfaiate aparecer, que castigo achas que se lhe deva aplicar?
— Trazes tu a escada celestial? perguntou Jorge Aires, antes de responder.
— Trago, sim.
— Pois, muito bem, O castigo que lhe quero aplicar é simples; há de subir pela escada…
— Queres enforca-lo? interrompeu Gonçalves Lobo.
— Não.
— Dizes sempre o que tencionas fazer.
— Logo o saberás, respondeu Aires.

Neste momento ouviram-se passos de quem descia a Couraça; e, quando o vento o consentia, alguns sons como de voz abafada.

— Ai vêm nossos irmãos, disse Jorge Aires.
— Parece-me que sim, respondeu Gonçalves Lobo.

E, para se certificar, assobiou. Não responderam ao assobio. Os dois estudantes admiraram isso, e a ideia de que não eram os Carquejeiros penetrou em suas mentes.

— Não são eles.
— Assim o parece.

Convém esperar e guardar silencio. E os dois, separando-se, cozeram-se com as paredes do arco, um de cada lado. O tropel de passos aproximava-se.

— Ó Aires! disse a meia voz Gonçalves Lobo.
— O que é?
— A que horas prometeu vir o Pescada?
— Ás dez.
— Então são eles. Estão para bater dez horas.
— Não são, não; porque se o foram teriam respondido ao teu assobio.
— Seja o que for. Eles não devem tardar.

Calaram-se. Já se começavam a divisar os sujeitos que vinham.

Caminhavam para a Ponte. Eram quatro: um, no meio de dois que o arrastavam á força, estrebuchava e soltava uns sons abafados e surdos, porque o quarto sujeito de traz dos três, tinha e apertava um lenço que servia de mordaça na boca do preso.

— Anda, maroto; lançaste me ao chafariz da Feira, pois ao rio te lançarei eu!

E o grupo ia passando.

— Ó Lobo, disse em voz baixa Jorge Aires; que será isto?
— Aos futricas! bradou com voz de stentor Gonçalves Lobo, respondendo assim a Jorge Aires.
— Já! disse este. E, armados de cajados que traziam, deram sobre os quatro.

O que sustinha a mordaça foi a terra à primeira pancada que lhe atirou à cabeça o estudante Jorge Aires.

— Coragem! amigos! bradou o preso logo que pôde falar, que outro não era senão José da Silva Coutinho.

Gonçalves Lobo repetia pancadas rijas no sujeito que ouvira falar debaixo do arco, e conhecera ser o alfaiate Peixoto.

À terceira cajadada João Peixoto largou o estudante Silva Coutinho, que se desembaraçou facilmente do outro que o agarrava, dando-lhe um valente murro no estômago; e, correndo a Gonçalves Lobo, lançou-lhe as mãos ao pau, torceu-lho rapidamente e conseguiu tirar lho, mandando logo à cabeça dele uma pancada forte.

Lobo evitou a pancada na cabeça; mas com uma força bruta havia sido ela despedida! Não deu na cabeça de Lobo, mas batendo-lhe no braço esquerdo impossibilitou-o de qualquer movimento, pela dor enorme que lhe causou.

João Peixoto teria morto a Gonçalves Lobo se Jorge Aires não acudisse a aparar as pancadas tremendas do desesperado futrica.

José da Silva Coutinho lutava braço a braço com o outro sujeito que não conhecia, e que por ultimo o largou. E num chuveiro de murros que os dois se davam, ninguém podia ao certo dizer qual deles seria o vencedor.

O sujeito que primeiro fora a terra com a pancada de Jorge Aires, ou estava morto ou sem sentidos; Gonçalves Lobo, com um braço quebrado, assentara-se gemendo com dores enormes, e Francisco Jorge Aires batia-se fortemente com o alfaiate João Peixoto, redobrando um e outro perícia e destreza.

Um assobio prolongado se ouviu neste instante.

Aires sentiu-o, mas não pôde corresponder porque, se se distraísse um segundo, estava desarmado, e quem sabe o que seria?!…

Gonçalves Lobo, apesar das dores agudas que sentia, pôde ainda responder ao assobio.

Jorge folgou quando o ouviu; e, ou fosse porque estimasse a aproximação de seus irmãos diabólicos, ou porque não quisesse aos olhos deles passar por fraco, ou menos destro no jogo do pau do que um futrica ignorante e bruto, começou a mandar ao alfaiate pancadas mais desconhecidas dele, certeiras e firmes.

João Peixoto foi-as aparando, até que perto de si viu três estudantes armados de varapaus. Então, ou fosse porque se amedrontasse, ou porque não soubesse defender-se já de Francisco Jorge Aires, deixou sair o pau das mãos, que voou até cair no rio, e entregou-se à descrição, desanimando completamente.

Os estudantes, que chegaram, correram ao futrica, e, te-lo-iam morto, se Jorge Aires não gritasse:

— Alto! amigos! Poupe-se, que tem bom pulso! (pág.147-151)

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Ver também

Referências

  1. Mário Torres em Iniciação de caloiros em http://www.oponney.pt/coimbra/iniciacao-de-caloiros/