Livro: Quissama – O Império dos Capoeiras

Fonte: Jogo do Pau Português
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capa do livro

Sobre

  • Relevância: ★★☆
  • Título: Quissama – O Império dos Capoeiras
  • Autor: Maicon Tenfen, ilustrações Rubens Belli
  • Publicação: Editora Biruta, 2014
  • Formato: 308 pág. (14,8 x 21 cm)


O livro Quissama – O Império dos Capoeiras é uma tradução e compilação de um manuscrito de Daniel Woodruff (1832-1910), escrito no Rio de Janeiro, em dezembro de 1868.

O moleque Vitorino Quissama foge da senzala para procurar a mãe desaparecida. Recorre ao viajante Daniel Woodruff, ex‑agente da Scotland Yard que pode ajudá‑lo em sua missão. Transitando entre os salões da corte e as precárias moradias dos cortiços, a dupla terá de enfrentar os perigos e as injustiças de uma sociedade sustentada pelo trabalho escravo.[1]

Durante este percuso, Daniel Woodruff conhece o português minhoto Miguel Coutinho Soares, também conhecido como o Miguelzinho da Viúva. Um excelente Jogador de Pau, e de faca.

Excerto da obra

« (...) Sob a sombra das mangueiras, encontrei o português Miguel Coutinho Soares' a entreter-se com seus exercícios matinais. Era marido da dona da pensão — um marido 27 anos mais jovem! — e por isso ficou conhecido na vizinhança como o Miguelzinho da Viúva. Não se importava que lhe fizessem chacotas, desde que isso acontecesse longe dos seus ouvidos. Nunca se metia nos negócios da esposa, mas também não trabalhava, preferindo passar os dias a perambular em sua charrete estofada. Vestia-se com apuro, encerava o bigode, repartia o cabelo ao meio e caminhava com uma planejada pose de fidalgo lusitano. Apesar da elegância, tinha fama de fadista e baderneiro. Parece que fugiu de Portugal porque respondia a sete processos simultâneos por desacato à autoridade e perturbação da ordem pública. Andava sempre armado com uma navalha Rodgers e possuía incrível habilidade numa técnica de combate que os portugueses chamavam de jogo do varapau. Consistia em movimentar bastões ao redor do corpo, a fim de criar uma zona de proteção, e inesperadamente atacar os inimigos com pancadas circulares ou estocadas de longo alcance. A mesma curiosidade que eu tinha em relação aos capoeiras me levou a questionar Miguel sobre os princípios da sua arte. Tornamonos amigos, a ele ensinei alguma coisa do savate e do canne francês, e com ele aprendi a manejar um porrete de petrópolis, uma das armas prediletas da bandidagem fluminense. No que diz respeito ao refinamento dos golpes de bastão, não havia sistema mais elaborado que o jogo do varapau. Possuía séculos de existência, nascera no norte de Portugal, entre os pastores e os camponeses que passaram a usar seus cajados em situações de perigo, e chegou ao Brasil pelas mãos de imigrantes como Miguel. Ele se exercitava todas as manhãs — “para não perder o requebro”, dizia — e a cada dia se tornava mais destro com seus bastões de carvalho. Quando cheguei ao quintal, executava uma sequência de movimentos tão velozes e ritmados que, em vez de enxergar a arma, eu apenas ouvia os zunidos que ela produzia no ar. — Bravo! — aplaudi. — Daqui a pouco não precisas mais correr da polícia! Antes de dar por mim, Miguel terminou de rodopiar o bastão e, num golpe desferido contra um galho de mangueira, fez com que uma das frutas se despedaçasse em dezenas de estilhaços amarelados.
(...)
Sem o menor aviso, Miguel se aproximou e, boleando o bastão mais uma vez, tratou de projetá-lo em direção a mim. A madeira parou a uma polegada de espicaçar o meu crânio. Senti o deslocamento de ar contra os meus cabelos, mas não me mexi, com exceção de uma breve piscadela, porque sabia que o português estava testando o meu sangue frio. — Isso se chama controle! — gabou-se ele. — Nada mal. Pena que sejas indefeso com as mãos vazias. — E eu sou homem de me afastar das armas? Bem sabes que sempre levo a bengala aos meus passeios. (...) »

Ver também

Referências