Personagens jogadores de varapau na literatura portuguesa

Fonte: Jogo do Pau Português


Em alguns casos, na literatura portuguesa, os personagens são descritos como afamados jogadores de pau, mesmo que os autores não aprofundem mais a vertente de puxador do personagem, é geralmente uma forma utilizada de imprimir valentia, força, coragem e outros valores nesse personagem.

Compilação de personagens feita por Frederico Martins em www.jogodopau.pt


João da Rua

«Estava casada com João da Rua, rapaz muito forte, de maneiras desembaraçadas de quem sabe varrer uma feira com um pau na mão e, com uma foiçe erguida, meter frente a vinte que fossem.»
“Revoada de contos” – Isabel Perfeito de Magalhães e Meneses 1977

Joaquim da Eira

«Joaquim da Eira, um rapagão trigueiro, hercúleo, que andara na tropa, tinha fama de grande jogador de pau e prosápia de conquistador (...)»
“Maré alta: contos” – José Loureiro Botas 1952

Rosária

« (...) nestes seus vinte e dois anos, Rosária era alegre, namorava pelo interesse da vida, porque achava o sol vivificador e a matinal frescura dos campos cheia de exuberâncias. Era uma rapariga de aparência forte, com muitos dotes de masculinidade — trabalhava com vontade, dançava loucamente e jogava o pau como um valentão de feira.»
“Comédia do campo: (cenas do Minho)” 1877

«Gorgeira, hesitava, no fundo temia o Zé, pois dizia-se dele que usava navalha que manejava com destreza, praticara bravuras com ela em Lisboa, sempre fora lesto, bom jogador de pau, e era homem teso, nunca se acobardava».
“Carneiros em transumância:emigrantes clandestinos” Ricardo Gonçalves 1981

O padre cura

« - Boa noite, meus senhores,— entrou dizendo e deitando para baixo a gola de peles, o padre, novo ainda, espadaúdo, cacete nas unhas cigarro nos beiços, e grossas botas tamancos. (…) Era o pratinho do cura meter ferro ao farmacêutico; e este, sabendo isso, não queria responder para não dizerem que dava o cavaco.

O padre cura era o único a quem ele desculpava umas certas graçolas e o único que aceitava na sociedade depois de o saber frequentador da nova. Um pouco por medo, porque o padre tinha génio de varrer uma feira e não raro se fatiava de romarias em que o seu cacete se cruzara com o dos mais pimpões, e um pouco, também, por curiosidade de saber o que se passava no campo inimigo.»
“Ambições” Ana de Castro Osório 1903

O avô da Casa das Pereiras

«Também ao avô da Casa das Pereiras ninguém lhe levava a melhor ao jogo do pau, contavam-no entre os melhores puxadores do concelho.» “A toca do Lobo” Tomaz de Figueiredo 1966

O Manoel da Clara

«De todos os rapazes da aldeia era o Manoel da Clara o mais querido das raparigas.

Fôra sempre um belo rapaz de afugentar rivais, mas, desde que viera da tropa e de lá trouxera aquelle ar desdenhoso de feliz D. João, aprendido no convívio dos camaradas presunçósos e mulheres de vida airada, parece que as enlouquecia.

Acostumado a ajustar a farda, como apertava bem a cinta de lã preta ou carmezim, que parecia trazer espartilho, o démo do rapaz!

Os sapatos com o lustro bem puxado, que pareciam de verniz; o chapéo garbosamente descahido sobre a esquerda; a ponta do cigarro atraz da orelha; e o lenço, com flôres e uma legenda bordadas a côres vivas, a sahir da pequena algibeira da jaqueta, as mais das vezes levada ao hombro; o Manoel era na verdade a nata da rapaziada do logar.

No meio dos outros, com as suas caras rapadas de lôrpas, valentes mas sem a elegancia dos gestos disciplinados pelo exercicio regular, o seu pequeno bigode de cidadão retorcia-se aos domingos com uma petulancia irresistivel.

Nas feiras e romarias, firmado no varapau metido debaixo do braço, toda a vaidade satisfeita a brilhar-lhe nos inquietos olhitos garços, desafiava toda a concorrencia desagradavel. Ás raparigas iam-se-lhes os olhos nelle, e mediam-se com o rancôr de rivalidades latentes.

E valentão!?–como aquilo poucos! E, como sempre, era a superioridade material da força e da coragem o que mais o fazia valer aos olhos de primitivas femeas, oferecendo-se orgulhosamente ao vencedor, ao macho forte e soberbo.

Quando o Manoel, com um rapido piparote atirava para a nuca o chapéo móle de largas abas, dava um passo atraz, fazia girar o varapau em sarilho sobre a cabeça, e torcia a bôca espumante num esgare de raiva… podiam fugir delle!

Contavam-se na aldeia as valentias do Manoel com o mesmo entusiasmo e ufanía com que se contariam as de um heroi da historia, um heroi autêntico, de que a tradição nos deixasse o nome e a memoria de largos feitos.

Uma vez era todo o povo de Infias que se juntara para o desafiar, raivosos por uma questão de mulheres de que o Manoel era afortunado protogonista, e que elle _enfiara_ pela serra abaixo–que até parecia que o vento os levava.

- Ó Manoel, lembras-te?…
- E daquella vez na romaria da Senhora dos Verdes?…
- E na feira, quando foi da compra dos meus bois?!…

As perguntas, as respostas, as diferentes versões e comentarios, envolviam o Manoel num côro de louvôres, que elle recebia mal disfarçando a vaidade num meio sorriso modesto emquanto ia enrolando o cigarro entre os dedos fortes onde brilhava um anel de cobra, o encanto e a inveja dos mais rapazes.»
“Quatro novelas” – Anna de Castro Osório (1908)

sr. António Bocca Negra

«O que Pechincha não sabia era quem era o sr Antonio Bocca Negra. Era uma espécie d’animal muito pouco para inimigo. Era um Hércules mas em vez de valentia tinha brutalidade. Alto robusto patriarcha da sua tribu fazia se respeitar como o primeiro. Todos tremiam d’elle, era amigo da mulher e dos filhos mas só se fazia a sua vontade. Era fanático em pontos d’honra e adorava os frades e os conventos. Chamava a estes liberaes os phelisteus mas altar e throno tinha os no coração. Em fim era um carvalho velho que não dobrava. Era chamado por arbitro em muitas questões e a sua opinião era uma escriptura. Muitas vezes diziam:- Foi uma providencia que a este homem lhe desse para bem, aliás com aquelle génio já tinha mortes ás costas! – Apezar d’isso quando se via mettido n’uma desordem, dava bordoada a valer. Um dia sósinho varreu uma feira com um varapau escapando-se sem ninguém lhe poder tocar nem com um dedo.

Era esse o Minotauro com quem tinha que se haver o fransino e debil Pechincha.»
“Memórias da mocidade” – Francisco Soares Franco Júnior (1867)

Pescador Pedro

«Mas como todos estimavam o rapaz pelas suas excellentes qualidades, não iam os gracejos até ao ponto de o offender, o que elle tambem não supportaria porque era valente e bom jogador de pau»
“Frutos de vário sabor” – F. Games de Amorim (1868)

Tibério

«Não haver romaria, não se festejava santo, não havia feira grande em que Tibério não armasse, fazendo zunir na atmosfera carregada de poeiras e de sol o varapau ferrado de que andava sempre munido»
“Mosaicos : Contos e encontros” – Carmen de Figueiredo (1980)

O Esgalhado

«O Esgalhado é um rapaz trigueiro, mais alto que baixo, fino e sucado de carnes, bem lançado, tirado das canelas. Tem no rosto perfeito, que a patine do sol e do vento recrestou, dois olhos vivos, muito vivos, destes que olham a direito, com insistência, quási impertinentes. E sobre o lábio um buço leve de guias arrebitadas. Pulsa-lhe a agilidade no corpo musculoso. Nado e criado lá pela Beira marítima, entre a Estrela e o Mar, conjuga em si as duas graças portuguesas — a serranil e a marinheira. (...) Com que olhes hão de olhá-lo as moças da sua terra!… Adivinha-se ali um jogador de pau. Um destes faias da aldeia, lestos e atrevidos, que armam o reboliço numa feira. E como é seco, esbelto, ardido, airoso, não lhe vai mal, por minha fé, aquele nome de Esgalhado. Enfim um destes puros sangues lusitanos, já tão raros, estatuado pela força da terra e pelo sonho ardente das mulheres, e cuja maquette devia figurar num museu étnico»
“Memórias da grande guerra” – Jaime Cortesão 1919

Francisco

«(...) tinha Maria os seus vinte e três annos —em que n’uma romaria se en- controu com um gentil rapaz de Santa Eulália de Barrosas, e sentiu, pela primeira vez, palpitar o coração com desusada força. Era Francisco o mais guapo moço, jovial cantador ao desafio, destemido jogador de páu, e habilidoso carpinteiro, de todas aquellas cercanias. Sò tinha um defeito… Era um mãos-largas, vintém ganho —vintém gasto!»
“Contos” – Pedro Ivo 1874