Suporte técnico e método de treino para grupos de estudo de Jogo do Pau e outros artistas marciais interessados - Mestre Luis Preto

Fonte: Jogo do Pau Português
Revisão em 16h03min de 19 de maio de 2023 por Wikijpp (discussão | contribs)
(dif) ← Revisão anterior | Revisão atual (dif) | Revisão seguinte → (dif)


Introdução

Suporte técnico e método de treino para grupos de estudo de Jogo do Pau e outros artistas marciais interessados, publicado em 2007 pelo Mestre Luis Preto.

Para aqueles que já possuem contacto com o Jogo do Pau esta é uma ferramenta adicional que poderá ajudar a melhorar o vosso treino e para aqueles novos nesta arte pode ser a ignição para o inicio de um grupo de estudo com os vossos amigos e o princípio de uma divertida aventura "marcial".

Sobre o Jogo do Pau

O Jogo do Pau é o sistema de defesa português com varapaus.

Foi inicialmente desenvolvido pelo uso de varas longas pelo facto das pessoas que viviam em ambientes rurais terem sempre à mão, na sequência do seu dia a dia, uma vara para servir de cajado.

No final do século XIX começaram-se a desenvolver as grandes cidades industriais o que levou ao surgimento da distinção entre um jogo do pau mais rural e um mais urbano. O primeiro centrado em situações de combate em inferioridade numérica para cenários de auto-defesa, enquanto que o outro se focou mais em combates de um contra um, por recriação, e mais tarde o sistema foi transferido para bengala e bastão.

O Mestre Nuno Curvello Russo, ainda vivo, a ensinar, praticar, e considerado o lutador mais eficaz das ultimas gerações, viajou por todo o Portugal e conseguiu reunir as técnicas mais eficazes de cada escola num programa técnico. Mais tarde o Mestre Nuno Russo realizou vários estudos de biomecânica na Faculdade de Motricidade Humana com o objectivo de aperfeiçoar a eficácia da técnica (força e velocidade) e ao mesmo tempo melhorar a sua eficiência (reduzir a energia necessária para realizar os movimentos)

Esta arte é praticada com varapau (1,55m) / bastão (0.8m) maioritariamente de marmeleiro ou lodão. Das duas extremidades do pau ou bastão, uma delas tem o diâmetro maior que a outra (como um taco de baseboll). Desta forma, a arma tem uma resistência adicional nas defesas e ganha maior velocidade nos ataques em rotação.

O treino é dividido entre combate de um contra um e em cenários de inferioridade numérica, estando os seus conteúdos organizados num programa técnico que é formado por 4 níveis (amarelo, verde, vermelho e preto), também existe a cor roxa, mas é o símbolo usado pelo Mestre mais antigo ainda vivo.

Tecnica: A pega da vara

O Jogo do Pau tem vindo a sofrer muitas alterações que derivam das alterações pelas quais a própria sociedade também passou.

Tal como a vara (longa) tem sido usada em zonas rurais para ajudar nas caminhadas, e dai, usada para defesa, também se desenvolveram vários estilos para possibilitar o combate sob diferentes condições (espaços apertados, em campo aberto, atirando areia para os olhos do adversário, etc.).

Os ataques em campo aberto consistem em segurar a vara numa extremidade e bater no adversário com a outra extremidade, para tirar vantagem do comprimento total da vara. Por outro lado, em locais mais apertados, segura-se a vara a meio (tendo assim duas extremidades da vara para bater no adversário) de forma a ajustar a amplitude de movimentos às limitações do espaço.

Entretanto, com a evolução da sociedade para cidades mais industriais, as pessoas deixaram de andar com varas longas diariamente, e passaram a usar bengalas e bastões.

Isto levou à especialização da arte em ataques de longa distância (executados em rotação completa) e à escolha do comprimento da arma dependente do ambiente onde se gere o conflito.

Portanto, e tendo já constatado anteriormente:

  • A vara tem uma das extremidades com maior diâmetro (mais pesada) que a outra;
  • A extremidade mais pesada é colocada à frente;
  • Os ataques são maioritariamente executados com a amplitude de rotação máxima (circulo completo);

Isto significa que, colocar a mão dominante atrás, onde a rotação terá o seu centro, aumenta o controlo sobre a vara.

Adicionalmente, mesmo ao defender, quando as varas batem uma na outra, é a mão de trás que tem que estabilizar a vara, se não a vara vai oscilar na mão da frente, tornando a defesa fraca e eventualmente fazendo o ataque deslizar até à mão da frente de quem está a defender.

Finalmente, a mão não dominante é colocada na frente, com aproximadamente a distancia dos ombros, para ser possível defender de forma imediata, se necessário. Quando se ataca, a mão da frente aproxima-se da mão de trás (mas mantendo sempre uma pequena distância) voltando à posição anterior (distância dos ombros) quando se passa de um ataque para uma defesa.

Com o bastão, só é usada uma mão na arma (a mão dominante) segurando o bastão na extremidade mais fina.

Primeira nota sobre Técnica

Muito é dito, e apropriadamente, sobre técnica.

No entanto, é muito comum ouvir opiniões e pontos de vista diferentes sobre técnica, em parte porque poucos explicam à partida o que querem dizer com técnica.

No meu entender isto deve ser a primeira coisa a clarificar para garantir que todos falamos a mesma língua, interpretamos as ideias uns dos outros objectivamente e em ultima análise, comecemos a chegar a um consenso.

Como eu gosto de manter as coisas simples, podemos simplesmente dizer que a técnica é a palavra usada quando nos referimos a acções motoras que realizamos em cenários específicos (acções realizadas com a intenção de chegar a um objectivo dentro do contexto).

No entanto, quando alguém produz um movimento, quais são (ou quais devem ser) as suas intenções ao fazer-lo? (e assim determinando como a técnica é produzida).

1- Acho que a maioria, se não todos, responderia imediatamente que o objectivo da técnica é possibilitar que se obtenha sucesso na tarefa que se tem em mãos, sendo assim considerado eficaz.

Também concordo com assumirmos que o corpo se deve mover de forma a permitir uma grande eficácia, que está dependente de se desenvolver uma boa habilidade (pontaria etc..) ou uma maior força (desenvolver mais força no mesmo espaço de tempo, ou diminuir o tempo necessário para desenvolver essa força) dependendo da natureza das acções.

2- No entanto, uma segunda e terceira finalidades também se devem manifestar no desenvolvimento do nosso reportório técnico: Atrasar o início da fadiga e reduzir as hipóteses de lesão.

a) Comparem dois indivíduos a fazerem levantamentos Um deles realiza os movimentos usando apenas os braços, enquanto o outro começa por se agachar ligeiramente para superar a inércia do peso. Se ambos realizarem este movimento até à exaustão, qual deles iria sofrer primeiro uma redução na velocidade dos movimentos (e em ultima analise parar)?

Naturalmente será o que utiliza apenas os braços, negligenciando quer a força das pernas quer a componente elástica do movimento que o agachar proporciona.

Portanto, todas as técnicas devem procurar a melhor maneira possível de coordenar os diferentes componentes do corpo. Esta estratégia pode ajudar a melhorar a eficácia desde o primeiro movimento, mas, mesmo não sendo esse o caso, vai baixar a energia necessária para funcionar e assim melhorar a eficácia mesmo depois de 10 ou mais acções, assim como prolongar o trabalho.

b) Agora, imagine um jogador de basquetebol sempre a cair sobre o mesmo pé a seguir a cada salto.

Depois de cerca de 20 saltos por sessão 100 por semana, 400 por mês, etc... , toda a pressão extra a cair sobre um joelho vai, mais que provavelmente causar uma lesão, e quando isso acontecer, a maioria das pessoas vai simplesmente dizer que foi azar. Apesar de algumas lesões serem piores do que outras, é minha opinião que todas devem ser evitadas se possível.

Portanto, este tipo de conhecimento funcional do corpo humano também deve entrar em consideração quando se estuda as bases técnicas de uma actividade.

Com estes princípios estabelecidos, temos agora a capacidade de iniciar uma discussão dos pontos técnicos específicos do Jogo do Pau e de métodos de treino.

Desenvolvimento técnico: Princípios de ensino

Nos artigos anteriores constatei que os objectivos dos elementos técnicos de uma dada actividade são os de permitir aos seus praticantes:

  • Eficácia (Obter resultados);
  • Eficiência (Maximizar a aplicação da força e posição do corpo para realizar força, de forma a despender o mínimo de energia possível);
  • Realizar acções harmoniosas que não vão contra o alinhamento natural do corpo, reduzindo assim a possibilidade de lesões por repetição.

Agora, focando-nos num ponto (eficácia), eu considero que as nossas acções servem para aplicar força com o objectivo de promover o movimento do nosso próprio corpo, de outros objectos, etc..

Portanto, podemos ter uma tarefa em que aplicamos força contra um objecto que, das duas uma, não altera a sua configuração, ou faz-lo de uma forma previsível (Como o solo quando corremos numa pista sem obstáculos), ou, no outro lado do espectro, aplicamos força a um objecto que altera a sua configuração, e por vezes, com uma vasta gama de variações (intersectar o ataque do adversário e atingir um adversário em movimento).

Dito isto, eu considero que no Jogo do Pau as técnicas de ataque e defesa envolvem uma capacidade de controlo interno dos nossos próprios movimentos para poder realizar acções que maximizem o desenvolvimento da força, mas também é preciso desenvolver coordenação externa do espaço (posicionamento) e gestão do tempo com o adversário.

Portanto, (para quem está a começar) todo o treino deve ser especifico, o que quer dizer que não devem haver ataques sem alvos, defesas sem ataques, ou passos e deslocamentos sem objectivos de gestão espacial (distâncias) ofensivos ou defensivos.

Para mim este tipo de treino é o mais agradável e divertido, mas também o mais eficaz a desenvolver capacidades de combate, e não só pelas razões acima apontadas.

A minha filosofia (desenvolvida por experiência prática mas também pela leitura e estudos na área das perspectivas ecológicas do corpo humano) é a de que nós não somos robôs, mas pessoas, que em certos contextos, passamos por emoções que nos estabelecem objectivos (tarefas/eventos - acções emocionais e não meras acções bio-mecânicas). Isto quer dizer que, em vez de pensarmos no nosso corpo enquanto realizamos tarefas do dia a dia, nós pensamos simplesmente nos objectivos que pretendemos atingir (apanhar as chaves do carro que alguem nos atira, atar os atacadores, etc..) e o nosso corpo, conhecendo-se a si próprio e focando-se nesse objectivo, actua.

Portanto, considerando que tem que haver uma ligação (significado / propósito) entre os movimentos do nosso corpo e o objecto que irá "receber" a nossas acções, não vejo outra forma de desenvolver este "software" que não seja incorporar isso nos nossos exercícios de treino (como é prática comum em outras actividades, como o ténis e os estudantes de técnicas de submissão, que não aprendem a bater na bola ou a atirar os seus adversários, apenas imaginando-os, e muito menos, esquecendo-se deles, e a focarem-se na forma como executam os movimentos, de forma não ajustada).

Para aqueles que ainda não foram desencorajados por estes primeiros artigos mais teóricos e filosóficos, os meus parabéns e obrigado. Agora vamos começar-nos divertir com coisas mais práticas, vamos olhar para os ataques.

Descrição dos ataques em rotação

Para aprender os ataques em rotação do lado da mão dominante[1], podemos começar por aprender como posicionar a vara para cada um dos ataques.

Ao mesmo tempo, a vara deve ser posicionada de forma a permitir o ataque em rotação que desejarmos:

Arrepiado (diagonal ascendente)

Isto significa que, para o ataque obliquo ascendente (Arrepiado), as mãos são levantadas à altura do maxilar com a vara apontada para cima e para dentro (como o telhado de uma casa).
Redondo (horizontal)

Para o ataque horizontal (Redondo) as mãos são levantadas um pouco acima da cabeça com a vara paralela ao chão.
Rebate (vertical descendente)

Para o ataque vertical descendente (Rebate), a ponta da frente da vara é deixada cair para trás (quase a apontar para o chão) ao mesmo tempo que as mão são colocadas acima da cabeça.
Enviesado (diagonal descendente)

E finalmente, para os ataques oblíquos descendentes (Enviesados), são conjugados os dois últimos ataques, sendo a vara apontada só um pouco para baixo (com a extremidade frontal à altura dos ombros).

A partir destas posições, a mão da frente deve pôr a vara em movimento de rotação, dando-lhe uma pequena tração (relaxando depois disso, visto que a vara deve rodar segundo a mão dominante, que está colocada atrás na vara, como centro da rotação). Os mesmos princípios (posicionamento de braços e da arma) são aplicados aos ataques no lado não dominante.

Aprender os ataques: Primeiro Passo

Para começar a aprender os ataques, recomendo começar por segurar a vara com as mãos juntas (não as sobrepondo e com a mão dominante atrás e na extremidade mais fina da vara) e colocando-os por cima da cabeça (as mãos e a vara, com a vara a apontar directamente para cima).

A partir desta posição, deixar cair a vara para a frente e para baixo de um dos lados (primeiro do lado dominante) e, depois de algumas repetições, fazer o mesmo do outro lado. Isto irá promover o movimento circular da vara, em que ela se desloca para baixo na segunda parte do movimento quando se dirige para a frente (ataque descendente).

Depois de praticarmos este exercício em ambos os lados, vamos voltar à posição inicial, mas desta vez, deixar cais a vara para trás. Isto irá produzir um movimento circular que atira a vara para cima quando esta vai para a frente (um ataque ascendente).

Atenção que nestes dois primeiros exercícios os braços são mantidos flectidos ao longo de todo o movimento, ou seja, não se estica os braços para a frente na segunda metade do circulo quando a vara vai para a frente, visto que são apenas exercícios para termos uma noção de como se executam acções da vara em rotação e não ataques reais.

Aprender os ataques: Segundo passo

Agora, colocando os alunos em pares, um deles usará a vara como alvo para o seu parceiro poder praticar os ataques.

Isto é feito da seguinte forma:

- A pessoa que estiver a segurar a vara como alvo, segura nela com uma mão em cada extremidade. -Seguidamente a vara será colocada em 7 posições diferentes como mostramos na imagem(repetir as posições 2, 3 e 4 do lado oposto).

- A pessoa que estiver a realizar os ataques deve segurar na vara e esticar os braços deixando as mãos quase juntas, posicionando-se de forma a ficar a uma distância do alvo que lhe toque com a extremidade da sua vara (sensivelmente a um palmo da extremidade da vara). Isto significa que a distância não deve ser medida pela guarda de espera, porque se não, no ataque, ficaria muito perto do alvo e teria que encolher os ombros ou acertar no alvo com o meio da vara em vez de com a extremidade. -Seguidamente, quem estiver a atacar deve fazer pontaria ao meio da vara do adversário com um ataque perpendicular (relativamente à vara do adversário), realizando assim um ataque vertical descendente (rebate), horizontal (redondo), obliquo descendente (enviesado) ou obliquo descendente (arrepiado), para cada uma das posições dos desenhos acima.

Este exercício criará uma situação em que, de acordo com a posição do alvo, será solicitado um tipo de ataque diferente, fazendo assim com que o atacante tenha que iniciar o ataque em rotação do lado oposto do alvo e simultaneamente orientando a ponta da vara na direcção desejada para o ataque. Assim, isto irá permitir aos praticantes a execução dos ataques, ao mesmo tempo que percebem a sua aplicação e os realizam de uma forma natural, o que resultará em eficácia em combate.

Não se comportem como Robôs a executar acções biomecânicas.'
(agindo a pensar na posição do vosso corpo e da vara)

Sejam actores.
(Pessoas que numa situação especifica, passam por emoções que produzem resultados)

Concentrem-se no ambiente externo (o vosso adversário), pensem nas tarefas / objectivos, e deixem o corpo agir, quase por instinto. Finalmente, como se colocam no inicio do exercício, na posição de ataque correcta, realizem os exercícios sem darem mais passos. Usem este treino para se focarem nos ataques enquanto se familiarizam com a distância de ataque (que é maior do que a da guarda de espera) numa situação estática. No próximo passo, aprenderão a realizar os movimentos de pés.

PS: Quando realizarem o mesmo exercício mas com um bastão, aconselho que quem estiver a receber os golpes, utilize sempre uma vara, por razões de segurança. De futuro também apresentarei mais diferenças entre os ataques com vara e os ataques com bastão.

Observações

  1. Vou usar imagens que simulam um executante destro. No entanto, para uma pessoa canhota os princípios são os mesmo mas do lado oposto. Começando em guarda de espera, com a vara no lado dominante, apontando para a frente à altura da cintura e com as mãos separadas pela distância dos ombros, os ataques são iniciados com o levantar dos braços e deixando a mão da frente aproximar-se ligeiramente da mão dominante (deixando uma distância de um ou dois punhos entre elas)