Varrer a feira: diferenças entre revisões

Fonte: Jogo do Pau Português
Sem resumo de edição
(Há 4 edições intermédias do mesmo utilizador que não estão a ser apresentadas)
Linha 1: Linha 1:
== VARRER A FEIRA ==
= VARRER A FEIRA =
''(Jogo das varrimentas e o varrer a Feira)''
''(Jogo das varrimentas e o varrer a Feira)''


== Sobre ==


Quando um jogador se encontra cercado e em grande desvantagem numérica, a única forma de conseguir fugir será mantendo a distância entre os vários adversários. Esta distância é feita com várias pancadas interruptas nos vários adversários, nos vários sentidos até ser possível sair. O objetivo será varrer tudo o que apareça na frente, a varrimenta serve assim de pancada, como defesa de outra pancada, ou pancada direta para bater. Também pode ser chamado de ''Jogo Largo de Feira''.
Quando um jogador se encontra cercado e em grande desvantagem numérica, a única forma de conseguir fugir será mantendo a distância entre os vários adversários. Esta distância é feita com várias pancadas interruptas nos vários adversários, nos vários sentidos até ser possível sair. O objetivo será varrer tudo o que apareça na frente, a varrimenta serve assim de pancada, como defesa de outra pancada, ou pancada direta para bater. Também pode ser chamado de ''Jogo Largo de Feira''.
Linha 9: Linha 10:
Podemos encontrar relatos feitos pelo abade Baçal, relativos a finais do séc. XIX e princípios do séc. XX, uma das quais chegou a durar um dia e uma noite e fez muitos mortos e feridos . Era por vezes verdadeiras batalhas campais. E é neste contexto, que a expressão ''«varrer a feira»'' nasce. Podemos encontrar também, na cultura oral portuguesa, a palavra ''«varrer a feira»'', que significa ''“correr a pau”'' toda a gente que nela se encontra.  Contudo, antes de haver a varrimenta com pau, já se fazia a varrimenta com espada (possivelmente com montante). No Diccionário da Língua Portugueza de 1789, encontramos:<ref>LOPES, Paulo, O Jogo do Pau Português, Escola de Jogo de Pau de Cascais - Stafffighters, 5livros, 2020 ([[Livro: O Jogo do Pau Português (a arte marcial portuguesa com séculos de prática)|mais sobre o livro]])</ref>
Podemos encontrar relatos feitos pelo abade Baçal, relativos a finais do séc. XIX e princípios do séc. XX, uma das quais chegou a durar um dia e uma noite e fez muitos mortos e feridos . Era por vezes verdadeiras batalhas campais. E é neste contexto, que a expressão ''«varrer a feira»'' nasce. Podemos encontrar também, na cultura oral portuguesa, a palavra ''«varrer a feira»'', que significa ''“correr a pau”'' toda a gente que nela se encontra.  Contudo, antes de haver a varrimenta com pau, já se fazia a varrimenta com espada (possivelmente com montante). No Diccionário da Língua Portugueza de 1789, encontramos:<ref>LOPES, Paulo, O Jogo do Pau Português, Escola de Jogo de Pau de Cascais - Stafffighters, 5livros, 2020 ([[Livro: O Jogo do Pau Português (a arte marcial portuguesa com séculos de prática)|mais sobre o livro]])</ref>


'''VARRER''' - v. at. Limpar lixo (…) os golpes de espada varrerão tudo (…)»<ref>António de Moraes Silva, “Diccionário da Língua Portugueza – Lisboa”, Officina de S. T. Ferreira, 1878, p. 510-511</ref>
{| class="wikitable" style="text-align: left; width="100%;"
|-
| style="width: 2000px;" |
«
'''VARRER''' - v. at. Limpar lixo (…) os golpes de espada varrerão tudo (…)»<ref>António de Moraes Silva, “Diccionário da Língua Portugueza – Lisboa”, Officina de S. T. Ferreira, 1878, p. 510-511</ref>
»
|-
|}


Ou, mesmo em 1936:
Ou, mesmo em 1936:


'''VARRER''' - correr a pau toda a gente que nela se encontra<ref>''«Grande enciclopédia portuguesa e brasileira»'' in https://books.google.pt/books?id=h9QEAAAAYAAJ</ref>
{| class="wikitable" style="text-align: left; width="100%;"
|-
| style="width: 2000px;" |
«
'''VARRER''' - correr a pau toda a gente que nela se encontra<ref>''«Grande enciclopédia portuguesa e brasileira»'' in https://books.google.pt/books?id=h9QEAAAAYAAJ</ref>
»
|-
|}


E, em 2017:
E, em 2017:


'''VARRER''' - justificar-se ''varrer a feira'' correr a pau toda a gente''<ref>Correia, Emanuel de Moura, ''«Dicionário prático de locuções e expressões correntes»'' 2017</ref>
{| class="wikitable" style="text-align: left; width="100%;"
|-
| style="width: 2000px;" |
«
'''VARRER''' - justificar-se ''varrer a feira'' correr a pau toda a gente''<ref>Correia, Emanuel de Moura, ''«Dicionário prático de locuções e expressões correntes»'' 2017</ref>
»
|-
|}


== Na literatura ==
== Na literatura ==
Linha 23: Linha 45:
Algumas passagens na literatura.
Algumas passagens na literatura.


''«João do Couto, se '''varria uma feira''', nem sempre saia com a cabeça ilesa»''<br><small>Camilo Castelo Branco O Degredado</small>
{| class="wikitable" style="text-align: left; width="100%;"
|-
| style="width: 2000px;" |
«
se os tais homens das bandeirolas me tornam a passar por as terras, sempre lhes meço as costas com um marmeleiro, que lá tenho, e que já me serviu para '''varrer a feira''' de Santo Estevão.
»<br>
<small>Júlio Dinis «A morgadinha dos canaviais» de 1868</small>
|-
|}


''«Mas eram farsolas temidos, que se não benziam duas vezes para '''varrer a pau''' uma feira inteira''<br><small>Aquilino Ribeiro – A via sinuosa</small>
{| class="wikitable" style="text-align: left;"
|-
|
«
(...) n'um repente sanguineo de colera ou de ciume , varrer uma feira ou extender á bordoada no fundo de uma azinhaga o canastro de um rival. (...) tanta miseria e tanta porcaria envolvida no conflicto das opiniões oppostas, o melhor jôgo é ainda assim o '''jôgo de varrer'''... Por mais violencia que haja, os bons principios salvam - se sempre.
»<br>
<small>Ramalho Ortigão - «As farpas» de 1871 ([[Livro: Á lareira|ver mais]])</small>
|-
|}


''«se os tais homens das bandeirolas me tornam a passar por as terras, sempre lhes meço as costas com um marmeleiro, que lá tenho, e que já me serviu para '''varrer a feira''' de Santo Estevão''<br><small>Júlio Dinis – A morgadinha dos canaviais</small>
{| class="wikitable" style="text-align: left;"
|-
|
«
Travou-se a lucta; acudiram os das barracas próximas, melteu-se o povo na contenda, houve pancadaria brava, e os dois irmãos '''varreram a feira'''.
»<br>
<small>Júlio César Machado - «Á lareira» de 1872 ([[Livro: Á lareira|ver mais]])</small>
|-
|}


''«como também da mesma laia, capaz de cobiçar a mulher do próximo e '''varrer uma feira a estadulho'''»''<br><small>Miguel Torga – Um reino maravilhoso</small>
{| class="wikitable" style="text-align: left; width="100%;"
|-
| style="width: 2000px;" |
«
João do Couto, se '''varria uma feira''', nem sempre saia com a cabeça ilesa
»<br>
<small>Camilo Castelo Branco – «Novelas do Minho», "O Degredado" de 1875 ([[Livro: Novelas do Minho|ver mais]])</small>
|-
|}
 
{| class="wikitable" style="text-align: left;"
|-
|
«
Sempre os transmontanos tiveram fama de valentes, e não admira. Pão duro, volto á minha, faz homens fortes e robustos. A população rústica de Traz-os-Montes é capaz de, gingando um cacete, '''varrer uma feira'''.
»<br>
<small>Alberto Pimentel - «Ninho de Guincho» de 1903 ([[Livro: Ninho de Guincho|ver mais]])</small>
|-
|}
 
{| class="wikitable" style="text-align: left; width="100%;"
|-
| style="width: 2000px;" |
«
Mas eram farsolas temidos, que se não benziam duas vezes para '''varrer a pau''' uma feira inteira.
»<br>
<small>Aquilino Ribeiro – «A via sinuosa» de 1918</small>
|-
|}
 
{| class="wikitable" style="text-align: left;"
|-
|
«
Salta para o meio deles, malha daqui, torce dali, parecia que estava a '''varrer a festa''' de S. Bento da porta Aberta. Em menos de um fósforo tinha a casa limpa.
»<br>
<small>Miguel Torga - «O senhor Ventura» de 1943 ([[Livro: O senhor Ventura|ver mais]])</small>
|-
|}
 
{| class="wikitable" style="text-align: left; width="100%;"
|-
| style="width: 2000px;" |
«
como também da mesma laia, capaz de cobiçar a mulher do próximo e '''varrer uma feira a estadulho'''
»<br>
<small>Miguel Torga – «Um reino maravilhoso» de 2002 ([[Livro: Um reino maravilhoso|ver mais]])</small>
|-
|}
 
{| class="wikitable" style="text-align: left;"
|-
|
«
(...) n'um repente sanguineo de colera ou de ciume , varrer uma feira ou extender á bordoada no fundo de uma azinhaga o canastro de um rival. (...) tanta miseria e tanta porcaria envolvida no conflicto das opiniões oppostas, o melhor jôgo é ainda assim o '''jôgo de varrer'''... Por mais violencia que haja, os bons principios salvam - se sempre.
»<br>
<small>José Manuel Castro Pinto - «José do Telhado - O Robin dos Bosques Português? Vida e Aventura» de 2002 ([[Livro: José do Telhado|ver mais]])</small>
|-
|}


== Referências ==
== Referências ==

Revisão das 14h37min de 17 de janeiro de 2023

VARRER A FEIRA

(Jogo das varrimentas e o varrer a Feira)

Sobre

Quando um jogador se encontra cercado e em grande desvantagem numérica, a única forma de conseguir fugir será mantendo a distância entre os vários adversários. Esta distância é feita com várias pancadas interruptas nos vários adversários, nos vários sentidos até ser possível sair. O objetivo será varrer tudo o que apareça na frente, a varrimenta serve assim de pancada, como defesa de outra pancada, ou pancada direta para bater. Também pode ser chamado de Jogo Largo de Feira.

Antigamente, era nas feiras e nas romarias que os desacatos entre vizinhos e até aldeias inteiras eram resolvidos, e na sua grande maioria, à paulada. Está patente na frase que era muito frequente ouvir-se: «discutiremos isso na romaria!».

Podemos encontrar relatos feitos pelo abade Baçal, relativos a finais do séc. XIX e princípios do séc. XX, uma das quais chegou a durar um dia e uma noite e fez muitos mortos e feridos . Era por vezes verdadeiras batalhas campais. E é neste contexto, que a expressão «varrer a feira» nasce. Podemos encontrar também, na cultura oral portuguesa, a palavra «varrer a feira», que significa “correr a pau” toda a gente que nela se encontra. Contudo, antes de haver a varrimenta com pau, já se fazia a varrimenta com espada (possivelmente com montante). No Diccionário da Língua Portugueza de 1789, encontramos:[1]

« VARRER - v. at. Limpar lixo (…) os golpes de espada varrerão tudo (…)»[2] »

Ou, mesmo em 1936:

« VARRER - correr a pau toda a gente que nela se encontra[3] »

E, em 2017:

« VARRER - justificar-se varrer a feira correr a pau toda a gente[4] »

Na literatura

Algumas passagens na literatura.

« se os tais homens das bandeirolas me tornam a passar por as terras, sempre lhes meço as costas com um marmeleiro, que lá tenho, e que já me serviu para varrer a feira de Santo Estevão. »
Júlio Dinis – «A morgadinha dos canaviais» de 1868

« (...) n'um repente sanguineo de colera ou de ciume , varrer uma feira ou extender á bordoada no fundo de uma azinhaga o canastro de um rival. (...) tanta miseria e tanta porcaria envolvida no conflicto das opiniões oppostas, o melhor jôgo é ainda assim o jôgo de varrer... Por mais violencia que haja, os bons principios salvam - se sempre. »
Ramalho Ortigão - «As farpas» de 1871 (ver mais)

« Travou-se a lucta; acudiram os das barracas próximas, melteu-se o povo na contenda, houve pancadaria brava, e os dois irmãos varreram a feira. »
Júlio César Machado - «Á lareira» de 1872 (ver mais)

« João do Couto, se varria uma feira, nem sempre saia com a cabeça ilesa »
Camilo Castelo Branco – «Novelas do Minho», "O Degredado" de 1875 (ver mais)

« Sempre os transmontanos tiveram fama de valentes, e não admira. Pão duro, volto á minha, faz homens fortes e robustos. A população rústica de Traz-os-Montes é capaz de, gingando um cacete, varrer uma feira. »
Alberto Pimentel - «Ninho de Guincho» de 1903 (ver mais)

« Mas eram farsolas temidos, que se não benziam duas vezes para varrer a pau uma feira inteira. »
Aquilino Ribeiro – «A via sinuosa» de 1918

« Salta para o meio deles, malha daqui, torce dali, parecia que estava a varrer a festa de S. Bento da porta Aberta. Em menos de um fósforo tinha a casa limpa. »
Miguel Torga - «O senhor Ventura» de 1943 (ver mais)

« como também da mesma laia, capaz de cobiçar a mulher do próximo e varrer uma feira a estadulho »
Miguel Torga – «Um reino maravilhoso» de 2002 (ver mais)

« (...) n'um repente sanguineo de colera ou de ciume , varrer uma feira ou extender á bordoada no fundo de uma azinhaga o canastro de um rival. (...) tanta miseria e tanta porcaria envolvida no conflicto das opiniões oppostas, o melhor jôgo é ainda assim o jôgo de varrer... Por mais violencia que haja, os bons principios salvam - se sempre. »
José Manuel Castro Pinto - «José do Telhado - O Robin dos Bosques Português? Vida e Aventura» de 2002 (ver mais)

Referências

  1. LOPES, Paulo, O Jogo do Pau Português, Escola de Jogo de Pau de Cascais - Stafffighters, 5livros, 2020 (mais sobre o livro)
  2. António de Moraes Silva, “Diccionário da Língua Portugueza – Lisboa”, Officina de S. T. Ferreira, 1878, p. 510-511
  3. «Grande enciclopédia portuguesa e brasileira» in https://books.google.pt/books?id=h9QEAAAAYAAJ
  4. Correia, Emanuel de Moura, «Dicionário prático de locuções e expressões correntes» 2017