Stick Fighting e o Jogo do Pau Português
STICK FIGHTING E O JOGO DO PAU
Texto escrito por Paulo Lopes
Introdução
O termo "stick fighting" refere-se, de forma ampla, às artes marciais que utilizam bastões ou paus simples como instrumentos de combate. Esta prática, presente em praticamente todas as culturas humanas, assume formas distintas conforme o contexto histórico, social e técnico de cada região. No entanto, apesar da diversidade formal, o stick fighting partilha elementos essenciais como a destreza técnica, o controlo da distância, a capacidade defensiva e ofensiva, e o simbolismo ritual ou cultural associado ao uso do bastão.
O que é Stick Fighting?
"Stick fighting" é um termo genérico que designa os sistemas de combate com bastões longos, retos e sem ponta, empunhados com as mãos, normalmente feitos de madeira. A prática pode utilizar desde cajados, bengalas, bordões ou bastões de caminhada, até às versões mais modernas como bastões policiais. Embora muitas destas artes tenham origem em técnicas de autodefesa, outras desenvolveram-se como desporto, ritual de iniciação ou forma de treino para armas mais perigosas.[1]
Artes marciais com bastões no mundo
Entre os sistemas mais conhecidos de stick fighting a nível global estão:
- Eskrima/Arnis/Kali (Filipinas): artes marciais complexas com bastões leves (olisi), técnicas de mão vazia e uso progressivo de armas.
- Silambam (sul da Índia): sistema dravídico de combate com bastão longo, com técnicas giratórias e circulares.
- Kendo e Jojutsu (Japão): sistemas formais de treino com espada de bambu (shinai) e bastão (jo), com origem em técnicas de samurais.
- Juego del Garrote (Venezuela) e Palo (Brasil): práticas sul-americanas com influências africanas e ibéricas.
- Shillelagh (Irlanda): arte marcial tradicional com bastão curto, com componente ritualista e defensiva.
- Canne de combat e bâton français (França): disciplinas modernas e históricas de combate com bastão, com abordagens desportivas e de autodefesa.
- Quarterstaff (Inglaterra): uso de bastão longo em combate medieval e posterior adaptação desportiva.
Stick Fighting na Europa
Na Europa, o stick fighting tem uma longa tradição como forma de treino marcial e manifestação folclórica. Vários tratados de armas dos séculos XVI a XIX incluem o uso de bastão como substituto de espadas, alabardas ou montantes. Alguns exemplos europeus incluem:
- Scherma di bastone (Itália): descrita por Giuseppe Cerri no séc. XIX, influenciada pela esgrima clássica italiana.
- La canne (França): sistema competitivo moderno, derivado de técnicas militares e civis.
- Bartitsu (Reino Unido): sistema inglês de autodefesa que inclui bastão, jiu-jitsu e boxe.
- Singles’ stick (Reino Unido): usado para treinar sabres de cavalaria, chegou a ser modalidade olímpica em 1904.
O Jogo do Pau no contexto do Stick Fighting
O Jogo do Pau Português insere-se plenamente neste universo do stick fighting, sendo uma das expressões mais antigas e sistematizadas da Europa ainda praticadas. Com origem nas zonas rurais do norte de Portugal, foi inicialmente um sistema de defesa pessoal e afirmação social, antes de se consolidar como arte marcial com métodos, linhagens e mestres.
O que distingue o Jogo do Pau é o uso de um varapau longo (1,50 a 1,80 metros), empunhado com uma mão na extremidade e a outra a cerca de 20 cm de distância, permitindo um estilo fluido, dinâmico e técnico. Tal como em sistemas filipinos ou indianos, trabalha-se a distância, o timing, a esquiva e a precisão, mas com uma estética própria e fortemente marcada pela oralidade e pelo contexto comunitário.
Ao contrário de muitos sistemas que se urbanizaram, o Jogo do Pau manteve uma forte ligação às festas, romarias e rivalidades locais, tendo atravessado os séculos como prática viva. Com o tempo, foi integrado em escolas, ginásios e federações, preservando ainda assim a sua identidade rústica e o saber transmitido entre gerações.
Combate contra Múltiplos Adversários
Uma das características mais distintas do Jogo do Pau Português no panorama internacional do stick fighting é o seu treino sistemático para combate contra múltiplos oponentes. Esta vertente técnica, muitas vezes ausente ou apenas sugerida noutras artes marciais com pau/bastão, constitui um dos pilares mais sofisticados da prática portuguesa.
Desde os treinos tradicionais em círculo até às simulações de emboscada, o praticante de Jogo do Pau é ensinado desde cedo a manter mobilidade constante, a ler vários agressores em simultâneo e a usar o espaço como recurso tático. A prioridade não é apenas desferir golpes, mas sobretudo controlar o ritmo, a distância e os ângulos de entrada e saída, preservando a integridade física em contexto de inferioridade numérica.
Este tipo de treino, muitas vezes chamado "de roda", tem origem nas realidades vividas nas zonas rurais, onde disputas familiares, rivalidades entre aldeias e confrontos em feiras podiam envolver múltiplos indivíduos. Para além disso, há também registos do uso do varapau em ações de guerrilha popular, como durante as Invasões Francesas (1807–1810), onde pequenos grupos de camponeses enfrentavam colunas de soldados.
A maioria das outras artes marciais com bastão foca-se predominantemente no combate individual. Embora existam exceções pontuais, como algumas variações do Silambam ou do Eskrima, o Jogo do Pau é talvez o único sistema europeu que manteve vivo, de forma sistematizada, o treino para enfrentar vários oponentes em simultâneo.
Considerações Finais
O stick fighting é um património universal, mas o Jogo do Pau representa uma das suas formas mais singulares. Comparado com sistemas asiáticos ou africanos, distingue-se pela sua organização espontânea, vertente comunitária e relação com a honra rural portuguesa. Em comum com outros sistemas está a capacidade de transformar um objecto simples numa arma eficaz, e o seu papel como ferramenta de formação física, mental e cultural.
Integrar o Jogo do Pau no panorama internacional das artes marciais de bastão é essencial para compreendê-lo em toda a sua amplitude e para valorizar a riqueza do património imaterial português no contexto global.