Artigo: Actas da 1ª Eira Folclórica da Região Caramela: diferenças entre revisões

Fonte: Jogo do Pau Português
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* '''Relevância: ''' ★★★
* '''Relevância: ''' ★★★
* '''Título:''' Actas da 1ª Eira Folclórica da Região Caramela, Lagameças: 2 e 13 de fevereiro 2000
* '''Título:''' Actas da 1ª Eira Folclórica da Região Caramela, Pinhal Novo: 20 e 21 de março 1999
* '''ISBN:''' 9729535817
* '''Autor artigo:''' A. Matos Fortuna (1930-2008)
* '''Autor:''' [[Mestre: Fernando Pires|Mestre Fernando Pires]] com Coord. Aníbal de Sousa
* '''Publicação:''' Rancho Folclórico da Casa do Povo de Pinhal Novo, 2000
* '''Publicação:''' Rancho Folclórico “Os Fazendeiros” das Lagameças, 2001
* '''FORMATO:''' 149 p. : il. ; 21 cm




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'''O uso de paus e varas'''
'''JOGO DO PAU'''


O uso de paus e varas na vida diária das comunidades humanas é óbvio, desde as comunidades mais primitivas às contemporâneas, e, em quase todas as situações de carácter social.
Poderia abrir, ou tentar o desenvolvimento de um subcapítulo a propósito de, como agora se diz, tempos livres ou actividades lúdicas dos caramelos, assunto naturalmente bem adequado na explanação da sua vivência colectiva. Reconheço, no entanto, dificuldade em lhes conseguir focos de particularidade, algo muito própria, por conseguinte. de modo distinto, do que nesse âmbito se pratica na esfera de qualquer outro grupo étnico ou em outra determinada região.


No nosso país, a utilização humana de varas e paus, porque salta à vista em praticamente todas as actividades, não carece de prova. Desde os tempos mais remotos, até aos nossos dias, os paus e varas continuam presentes na vida diária das pessoas.
Uma modalidade desportiva há, no entanto, que marcou fundo a sua prática entre os caramelos da margem esquerda do Tejo: — o jogo do pau, de
características genuinamente portuguesas que encerra um conjunto de predicados que dificilmente ou talvez nenhum outro possa igualar quando se pretende reunir à beleza atlética da competição a agilidade e a destreza de quem o pratica no meio de perigo efectivamente real mas que o jogador hábil sabe ultrapassar. De facto, que extraordinária emoção encerra um assalto de jogo do pau bem disputado! O vigor com que as bordoadas são atiradas, a rapidez com que são defendidas, o arrojo com que se corta um golpe que se poderia tornar mortal, a instantaneidade com que se desvia uma estocada perigosa são fases repletas de singular virilidade e, frequentemente, provocam frémitos de emoção.


Enquanto arma, é também referenciado desde épocas primitivas. Ao longo dos séculos, por todas as civilizações, a sua presença é constante e determinante, nas guerras, motins, revoltas, arruaças várias. No caso concreto de Portugal, foram decisivos em alturas críticas da nossa história.
Erroneamente e com frequência há quem confunda o jogador de pau, o verdadeiro, aquele que conhece na sua profundeza, a "arte e ciência da esgrima nacional" com todas as suas "guardas", "sarilhos", "cortes", "cobertas", "retaguardas", "esperas", etc., com o rufia, provocador e desordeiro cuja actuação se limita a um pseudo desporto desregrado, bruto e selvagem. O jogador de pau, capaz de transformar um cacete em arma terrível é geralmente tão resoluto, ágil, destro e arrojado como correcto e leal. Quase por instinto sente e vive essa noção ética que, aliás os mestres — os autênticos — também ensinam e exemplificam.


Já em épocas medievais se pratica a modalidade em Portugal, sobretudo entre os nobres que se preparavam para a guerra, com armas cujo manejo se assemelhava ao uso do pau, e também o contrário, mas, provam os factos, também em todas as outras classes sociais. E até aos nossos dias o seu uso foi generalizado e continua a ser.
Dois nomes quase legendários da modalidade que toda a região de Pinhal Novo conheceu e admirou podem ser indigitados como paradigmas desse tipo de desportistas: mestres (era assim mesmo que justificadamente definiam) António Moleiro e Domingos Margarido.


Mencionei-os, não ao acaso, mas, com intenção seguindo a ordem alfabética, porque qual deles era, efectivamente, primeiro, nem eu, nem
ninguém, pode afiançar.


'''O Jogo do Pau Português'''
Moleiro que, aliás, se chamava António Gaspar Caçoete, nasceu na Venda do Alcaide, em 5.5.1895. Domingos Henrique Margarido, no Pinhal
Novo, poucos anos antes.


O Jogo do Pau, como o praticamos e entendemos hoje em Portugal remonta ao início do século XIX. Desde então é possível seguir uma trajectória de desenvolvimento da modalidade. Em meados do século XIX, há um método de ensino sistematizado, numa técnica concreta, fruto obviamente de toda uma experiência acumulada.
Pessoalmente, lidei bastante com o primeiro, podendo, assim, comprovar as positivas qualidades humanas que o caracterizaram, por uma
delicadeza e compostura singulares em ambiente social rude levando-o, conforme sublinha um dos seus discípulos da esgrima portuguesa, a não
tratar por tu uma simples criança desconhecida. Relativamente ao segundo, propus, com êxito, a atribuição do seu nome a uma rua de Pinhal
Novo, quando integrei a Comissão Municipal de Toponímia.


Nos finais do século XIX a prática da modalidade estava generalizada pelo país. Dezenas de escolas e mestres estão referenciadas, todas com o seu estilo próprio, num tronco comum.
Ambos se inscrevem nas listas dos mais notáveis jogadores de pau, merecendo por isso, fotografia e súmula biográfica na publicação melhor
corresponde a livro de honra nesse aspecto.


A última geração por motivos próprios, perdeu essa vitalidade, e no fim deste século existem menos escolas e menos mestres em actividade que no seu princípio.
E formaram escola, que, no sentido de prepararem muitos entusiastas, à capacidade de se exibirem em público com competência e denodo, quer projectando a margem esquerda do Tejo a um dos centros regionais em que melhor se jogava no país, que se dividia em dois modos diferenciados de jogo: o do norte e o do sul. O primeiro baseava-se nos impressionantes «sarilhos minhotos» que o tornava mais aparatoso e
artístico constituindo a sua exibição sob esse prisma, espectáculo superior ao jogado no sul. Este chamado de Lisboa ou da Borda de Água
(consoante se reportava à capital, ou à "outra banda" desde a Cova da Piedade a Valdera) atingia mais dureza e violência, pois os ataques eram lançados como braço direito, imprimindo mais rapidez e alcance, enquanto os nortenhos atacavam. quase sempre, com as duas mãos ao mesmo tempo, o que o jogador do Sul apenas fazia na defesa, para tornar mais sólida.


Conquanto em rigor não fosse um jogo exclusivamente de caramelos. a verdade é que na zona de Palmela assim pareceu e como tal foi popularmente considerado. Os dois "catedráticos", a despeito de já nascidos no concelho deveriam, pelos apelidos, ter a proveniência
avoenga d'Entre Vouga e Mondego. A plêiade que lançaram a jogar, excelente quer na quantidade quer na habilitação, era natural e moradora
dos sítios de que Pinhal Novo subiu a capital. Nessa área, aos domingos á tarde, o jogo do pau ocupava lugar de relevo em programas de grande atracção popular.


'''Raízes do Jogo do Pau'''
Sem intuito de uma lista exaustiva, ou sequer longa, mas só quase a título de exemplo, pode-se mencionar, entre outros excelentes jogadores
da região: Custódio Neves, que formou uma vasta série de bons praticantes da modalidade, sobretudo quando mestre Moleiro se retirou da actividade instituíndo mesmo, uma equipa feminina que jogava com desembaraço e perfeição; Casimiro e António Maia, respectivamente pai e filho, do Lau; António Neto, de Valdera e Manuel Moleiro, também de Valdera e neto do grande senhor da esgrima portuguesa na região; Herculano Lagarto, hoje motorista da Empresa «Belos» que logoem criança começou a jogar; Luciano Maia, da Palhota, Cristino Balseiro, do Vale da Vila; Jaime das Neves, de Lagameças; José Padaço e Sérgio de Oliveira. Ambos de Cajados; António Pidal e Cassiano dos Santos, do Lau; Joaquim e António Algarvio, irmãos, de Lagameças; Joaquim Rocha e Manuel Jorge do Vale da Vila; Vaspasiano dos Santos c José Lourenço, de Rio Frio, Se por aqui me fico, não é por falta de nomes ou de mérito dos que, muitos mais poderia nomear, mas tão somente por longa já ir a lista de habilíssimos caramelos do concelho de Palmela que com arte, ciência e técnica cultivavam a modalidade de esgrima nacional, porquanto as outras três (espada, floreste e sabre) nasceram no estrangeiro a partir dos ócios, da nobreza medieval. O jogo do pau é enraizadamente português e popular. No entanto, o rei D. Carlos não teve dúvidas em o escolher como um dos seus desportos preferidos, ultrapassando a simples posição de espectador, jogando-o a sério com todas as regras e exigências.


Muitos autores apontam o Norte de Portugal, por razões culturais e etnográficas, (entre outras), como o berço do Jogo do Pau Português, enquanto outros, entendem que o Jogo do Pau, na sua vertente desportiva, foi desenvolvido e estudado nos meios urbanos, em especial Lisboa e Porto, por bons ginastas, especialmente conhecedores de outras modalidades que poderiam trazer um acréscimo de qualidade como a esgrima.
Não sei se alguma vez Domingos Margarido e António Moleiro cruzaram as suas varas de lodo (que também podiam ser de castanho ou,
mesmo de oliveira) em jogo frente a frente.


Ao certo é que está generalizado desde finais do século XIX em todo o país e em todas as camadas sociais.
Diz-se, e li em dissertação de mestrado universitário, que ambos um dia se dispuseram em enfrentar mas sob uma condição: previamente,
assinavam um perdoamento de morte com aprovação da autoridade competente. Quer dizer: se um morresse no despique o sobrevivente (se
o houvesse), de antemão e por expressa disposição do falecido, ficava isento de toda e qualquer responsabilidade...


Desde essa época, pelo menos, por toda a região caramela se joga e se treina com método, se contacta e se combina encontros com outras Escolas, no sentido de trocar experiências, estudar e resolver os aspectos técnicos e éticos que são próprios da modalidade.


A. Matos Fortuna, Memórias da Agricultura é Ruralidade do Concelho de Palmela, Câmara Municipal de Palmela, 1997.
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'''O Jogo do Sul'''
== Ler o artigo ==


No início do século XX muitos jogadores e mestres de Lisboa e de outras regiões do país frequentavam regularmente a margem sul do Tejo. Outros, porque viviam exclusivamente do ensino do Jogo do Pau, por aqui paravam, esperando ser contratados e arranjar alunos. Muitos dos habitantes locais, eram naturais de outras regiões do país, trazendo as suas técnicas e tradições. Esta amálgama de contactos e de troca de experiências, fez nascer um novo estilo de jogo, com o seu próprio método de ensino, com princípio, meio e fim, aquilo que se pode definir como uma escola de Jogo do Pau, absolutamente original, e, em rigor, do mais puro jogo do pau português, assumindo-se como os rivais de Lisboetas e Nortenhos, ou outros, e com respeito, termos a pretensão, (nem que seja só isso), de sermos melhores.
Separata da com o artigo "Jogo do Pau"<br>
Pode ver toda a monografia [https://jogodopau.wiki/images/0/0f/Actas_da_1%C2%AA_Eira_Folcl%C3%B3rica_da_Regi%C3%A3o_Caramela.pdf aqui].


Poderemos, com efeito, falar de uma Escola do Sul, da Borda d’ Água, do Ribatejo, caramela, e outras. Em minha opinião podemos e devemos. E nessa ordem de ideias, com rigor será caramela, no sentido que neste contexto atribuímos a esse termo.
De todas as Escolas que rivalizaram na nossa região, duas se distinguem em termos técnicos, que alguns dos seus discípulos tentam manter. Devido a percursos e aprendizagens diferentes essas Escolas são simbolizadas nos seus principais mestres: [[Mestre: António Moleiro|António Moleiro]] e [[Mestre: Domingos Henrique Margarido|Domingos Margarido]]. Ambos caramelos, um de Pinhal Novo e o outro de Valdera. Foi em torno destes dois símbolos do Jogo do Pau Português que aprendem dezenas de jovens, do Penteado a Águas de Moura, de Palmela a Pegões. Os discípulos destes mestres formaram novos núcleos em praticamente todas as localidades da região.
O trabalho destes primeiros mestres, que estão referenciados documentalmente, de recolher e estudar todas as técnicas e estilos conhecidos, contactando regularmente com outras escolas e outros jogadores, permitiu que tudo pudesse ser sistematizado por duas figuras ímpares do Jogo do Pau Português, os Mestres [[Mestre: José Ribeiro Chula|José Ribeiro Chula]] e [[Mestre: Silvino Melro|Silvino Melro]]. Em torno destas escolas assenta todo o saber do Jogo do Pau, Caramelo, do Sul, da Borda d’ Água, ou outra. Após a morte destes Mestres o Jogo do Pau na nossa região entrou em declínio.
'''Como jogamos'''
O Jogo do Pau que se pratica na Escola de Jogo do Pau de Alhos Vedros é o mais puro Jogo do Pau Português. Todo o método de ensino e de jogo é o que aprendi com o Mestre [[Mestre: José Ribeiro Chula|José Ribeiro Chula]], tanto nos aspectos técnicos e competitivos como nos éticos e desportivos. O método com que o Mestre me ensinou é rigorosamente o mesmo que aplico com os meus alunos, nada alterei ou modifiquei. Mas aceito todas as sugestões dos meus alunos desde que sensatas e bem intencionadas.
Cada demonstração técnica de Jogo do Pau, feita por esta Escola, é reviver uma época, com garantia de qualidade e verdade no jogo aplicado e na tradição a que se refere.
Pessoalmente tive oportunidade de conhecer e ter lições de quase todos os Mestres antigos que jogaram na nossa região, conheço e exemplifico as “entradas” e “cortesias” de todas elas, assim como algumas das virtudes desses estilos, mas, com o devido respeito e amizade, continuo a pensar que a minha escola, ou, aquela que mestre José Ribeiro Chula sintetizou, é a mais evoluída e competitiva de todas elas. Por isso, queremos manter o espírito legado pelos nossos Mestres, de continuar a aprender, vendo e jogando com todos os jogadores de todas as Escolas, procurando neles o que de melhor tiverem e se possível enriquecendo a nossa técnica, em ambientes de convívio e de amizade.
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== Galeria de imagens ==
<embed width="100%">https://jogodopau.wiki/pdf/read/?file=images/0/0f/Actas_da_1%C2%AA_Eira_Folcl%C3%B3rica_da_Regi%C3%A3o_Caramela.pdf</embed>


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Image:Jogo_do_pau_Alhos_Vedros_1.jpg
Image:Jogo_do_pau_–_Alhos_Vedros_2.jpg
</gallery>


== Ver também ==
== Ver também ==


* Sobre o [[Mestre: Fernando Pires|Mestre Fernando Pires]]
* Consulte toda a [[Bibliografia]]
* Consulte toda a [[Bibliografia]]

Revisão das 17h44min de 15 de maio de 2024

capa

Sobre

  • Relevância: ★★★
  • Título: Actas da 1ª Eira Folclórica da Região Caramela, Pinhal Novo: 20 e 21 de março 1999
  • Autor artigo: A. Matos Fortuna (1930-2008)
  • Publicação: Rancho Folclórico da Casa do Povo de Pinhal Novo, 2000


Artigo

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JOGO DO PAU

Poderia abrir, ou tentar o desenvolvimento de um subcapítulo a propósito de, como agora se diz, tempos livres ou actividades lúdicas dos caramelos, assunto naturalmente bem adequado na explanação da sua vivência colectiva. Reconheço, no entanto, dificuldade em lhes conseguir focos de particularidade, algo muito própria, por conseguinte. de modo distinto, do que nesse âmbito se pratica na esfera de qualquer outro grupo étnico ou em outra determinada região.

Uma modalidade desportiva há, no entanto, que marcou fundo a sua prática entre os caramelos da margem esquerda do Tejo: — o jogo do pau, de características genuinamente portuguesas que encerra um conjunto de predicados que dificilmente ou talvez nenhum outro possa igualar quando se pretende reunir à beleza atlética da competição a agilidade e a destreza de quem o pratica no meio de perigo efectivamente real mas que o jogador hábil sabe ultrapassar. De facto, que extraordinária emoção encerra um assalto de jogo do pau bem disputado! O vigor com que as bordoadas são atiradas, a rapidez com que são defendidas, o arrojo com que se corta um golpe que se poderia tornar mortal, a instantaneidade com que se desvia uma estocada perigosa são fases repletas de singular virilidade e, frequentemente, provocam frémitos de emoção.

Erroneamente e com frequência há quem confunda o jogador de pau, o verdadeiro, aquele que conhece na sua profundeza, a "arte e ciência da esgrima nacional" com todas as suas "guardas", "sarilhos", "cortes", "cobertas", "retaguardas", "esperas", etc., com o rufia, provocador e desordeiro cuja actuação se limita a um pseudo desporto desregrado, bruto e selvagem. O jogador de pau, capaz de transformar um cacete em arma terrível é geralmente tão resoluto, ágil, destro e arrojado como correcto e leal. Quase por instinto sente e vive essa noção ética que, aliás os mestres — os autênticos — também ensinam e exemplificam.

Dois nomes quase legendários da modalidade que toda a região de Pinhal Novo conheceu e admirou podem ser indigitados como paradigmas desse tipo de desportistas: mestres (era assim mesmo que justificadamente definiam) António Moleiro e Domingos Margarido.

Mencionei-os, não ao acaso, mas, com intenção seguindo a ordem alfabética, porque qual deles era, efectivamente, primeiro, nem eu, nem ninguém, pode afiançar.

Moleiro que, aliás, se chamava António Gaspar Caçoete, nasceu na Venda do Alcaide, em 5.5.1895. Domingos Henrique Margarido, no Pinhal Novo, poucos anos antes.

Pessoalmente, lidei bastante com o primeiro, podendo, assim, comprovar as positivas qualidades humanas que o caracterizaram, por uma delicadeza e compostura singulares em ambiente social rude levando-o, conforme sublinha um dos seus discípulos da esgrima portuguesa, a não tratar por tu uma simples criança desconhecida. Relativamente ao segundo, propus, com êxito, a atribuição do seu nome a uma rua de Pinhal Novo, quando integrei a Comissão Municipal de Toponímia.

Ambos se inscrevem nas listas dos mais notáveis jogadores de pau, merecendo por isso, fotografia e súmula biográfica na publicação melhor corresponde a livro de honra nesse aspecto.

E formaram escola, que, no sentido de prepararem muitos entusiastas, à capacidade de se exibirem em público com competência e denodo, quer projectando a margem esquerda do Tejo a um dos centros regionais em que melhor se jogava no país, que se dividia em dois modos diferenciados de jogo: o do norte e o do sul. O primeiro baseava-se nos impressionantes «sarilhos minhotos» que o tornava mais aparatoso e artístico constituindo a sua exibição sob esse prisma, espectáculo superior ao jogado no sul. Este chamado de Lisboa ou da Borda de Água (consoante se reportava à capital, ou à "outra banda" desde a Cova da Piedade a Valdera) atingia mais dureza e violência, pois os ataques eram lançados como braço direito, imprimindo mais rapidez e alcance, enquanto os nortenhos atacavam. quase sempre, com as duas mãos ao mesmo tempo, o que o jogador do Sul apenas fazia na defesa, para tornar mais sólida.

Conquanto em rigor não fosse um jogo exclusivamente de caramelos. a verdade é que na zona de Palmela assim pareceu e como tal foi popularmente considerado. Os dois "catedráticos", a despeito de já nascidos no concelho deveriam, pelos apelidos, ter a proveniência avoenga d'Entre Vouga e Mondego. A plêiade que lançaram a jogar, excelente quer na quantidade quer na habilitação, era natural e moradora dos sítios de que Pinhal Novo subiu a capital. Nessa área, aos domingos á tarde, o jogo do pau ocupava lugar de relevo em programas de grande atracção popular.

Sem intuito de uma lista exaustiva, ou sequer longa, mas só quase a título de exemplo, pode-se mencionar, entre outros excelentes jogadores da região: Custódio Neves, que formou uma vasta série de bons praticantes da modalidade, sobretudo quando mestre Moleiro se retirou da actividade instituíndo mesmo, uma equipa feminina que jogava com desembaraço e perfeição; Casimiro e António Maia, respectivamente pai e filho, do Lau; António Neto, de Valdera e Manuel Moleiro, também de Valdera e neto do grande senhor da esgrima portuguesa na região; Herculano Lagarto, hoje motorista da Empresa «Belos» que logoem criança começou a jogar; Luciano Maia, da Palhota, Cristino Balseiro, do Vale da Vila; Jaime das Neves, de Lagameças; José Padaço e Sérgio de Oliveira. Ambos de Cajados; António Pidal e Cassiano dos Santos, do Lau; Joaquim e António Algarvio, irmãos, de Lagameças; Joaquim Rocha e Manuel Jorge do Vale da Vila; Vaspasiano dos Santos c José Lourenço, de Rio Frio, Se por aqui me fico, não é por falta de nomes ou de mérito dos que, muitos mais poderia nomear, mas tão somente por longa já ir a lista de habilíssimos caramelos do concelho de Palmela que com arte, ciência e técnica cultivavam a modalidade de esgrima nacional, porquanto as outras três (espada, floreste e sabre) nasceram no estrangeiro a partir dos ócios, da nobreza medieval. O jogo do pau é enraizadamente português e popular. No entanto, o rei D. Carlos não teve dúvidas em o escolher como um dos seus desportos preferidos, ultrapassando a simples posição de espectador, jogando-o a sério com todas as regras e exigências.

Não sei se alguma vez Domingos Margarido e António Moleiro cruzaram as suas varas de lodo (que também podiam ser de castanho ou, mesmo de oliveira) em jogo frente a frente.

Diz-se, e li em dissertação de mestrado universitário, que ambos um dia se dispuseram em enfrentar mas sob uma condição: previamente, assinavam um perdoamento de morte com aprovação da autoridade competente. Quer dizer: se um morresse no despique o sobrevivente (se o houvesse), de antemão e por expressa disposição do falecido, ficava isento de toda e qualquer responsabilidade...


A. Matos Fortuna, Memórias da Agricultura é Ruralidade do Concelho de Palmela, Câmara Municipal de Palmela, 1997. »

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Separata da com o artigo "Jogo do Pau"
Pode ver toda a monografia aqui.



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