Livro: Os Bravos do Mindello
capa do livro |
Sobre
- Relevância: ★☆☆
- Título: Os Bravos do Mindello
- Autor: Faustino da Fonseca (1871-1918)
- Publicação: Lisboa: Liv. Ed. Tavares Cardoso, 1906
Excerto da obra
Cena de romance histórico sobre as guerras liberais portuguesas, em que um jardineiro armado de varapau, para proteger um jovem, bate-se com um grupo de caceteiros enviados pelo morgado.
« Distinguiram por fim ao longe uma figurinha de militar. Era João, vestido de guarda nacional, farda curta de saragoça portuguesa, com botões brancos, gola azul claro, laço azul e branco no chapéu redondo. Do ponto onde estava, o mirante sobranceiro ao pátio, em face ao alpendre da escada, ia vê-lo entrar e, talvez como antigamente, ele viesse falar-lhe, arrependido da imprudência. Pensando assim, seguia-o Maria num olhar de ansiedade, encobrindo-se com as trepadeiras do caniçado, para não lhe dar a confiança de mostrar que o esperava. Vinha já perto, quando notaram dentro movimento desusado. Corria o quinteiro, e meia dúzia de cavadores de enxada, batendo os pés descalços na terra endurecida pelo calor, varapaus ao ombro, falando alto. Desacorrentara o criado dois grandes cães de fila, amarelos, rabo cortado, focinho negro, faces ameaçadoras, que de noite rondavam ganindo e uivando. Ao chegarem ao pátio, ocultaram-se na cocheira homens e cães, e o quinteiro foi esconder-se por traz do postigo, como se quisesse fecha-lo mal entrasse João. – Que é isto, José? – perguntou Maria, suspeitando uma violência. – Ordens do senhor morgado – respondeu ele, rindo alvarmente – não quero saber! Mas Josefa da Esperança, muito nervosa, nem lhe dera tempo à resposta, e ao ver João em frente do mirante, avisou-o: – Não entre, que lhe querem bater! Maria, correndo ao muro, bradou-lhe também: – Foge, foge! Numa grande excitação, gritava a prima: – Aqui d’el-rei! Aqui d’el-rei! Ele recuara ao ouvir os gritos e, vendo aparecer ao postigo a cabeça lanzuda, compreendeu que lhe faziam uma espera. Desembainhou a baioneta, aprumou-se garboso, e avançou muito pálido para a porta, que de dentro fecharam com estrondo. Sentiu então Maria que o amava, vendo-o encarnar o tipo glorioso, cavalheiresco, da imaginação das raparigas, geralmente fixado nos que têm por ferramenta a espada e a lança do cavaleiro andante de outras eras. Dirigia-se-lhe com o coração nas mãos, como ele no pomar, num rubor de sangue, lavada em lágrimas, pondo as mãos: – João, João, não te percas por minha causa! Sem a atender, batia exasperado no portão com o punho da baioneta, bradando querer falar ao senhor Martinho Vasques. Ouvindo ladrar ameaçadores os cães de guarda, virou-se Maria para o pátio. Aos gritos de socorro de D. Josefa, correra de dentro o jardineiro com um grosso varapau cruzado como a espingarda, a ponta á altura dos olhos, fortemente cingido ao corpo. – Querem bater no Joãozinho! – explicou-lhe ao vê-lo. Correu o veterano ao postigo, aferrolhou-o, e berrou aos caceteiros que se fossem embora. – Quem manda aqui é o fidalgo! – respingou o quinteiro, fazendo-se forte à frente do bando. Mas os camponeses, receando as fúrias do velho, mantinham-se indiferentes, apoiados aos bordões, num riso estúpido. – Deixe-me abrir a porta! – insistia o José da Quinta, querendo deitar os cães, segundo as ordens do amo. – Primeiro te racho de meio a meio! -ameaçou mestre Jacinto, encostando-se ao postigo. – A vem-te com estes! – casquinou o quinteiro, abrindo com um pontapé a porta da estrebaria. Saíram ladrando excitados _Marujo_ e _Sultão_, mas conhecendo o jardineiro, não lhe pegaram. – És pior que os cães, que os animais não têm entendimento e não fazem mal só porque os mandam! E o velho rilhando o dente, na fúria que o tornava terrível, avançou, crendo-se em plena batalha, e fez recuar o capataz e o rancho, levando-os de roldão até ao fundo do pátio. Ai, metido em brios, tentou defender-se o mandatário do morgado, mas caiu, lavado em sangue, com uma cacetada na cabeça. » |
Ler livro
Pode ler toda a obra directamente no Projecto Gutenberg
Ver também
- Consulte toda a Bibliografia