Artigo: Revista Beija Flor - Jogo do Pau - Arte Marcial e Desporto - 1999

Fonte: Jogo do Pau Português
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Sobre

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  • Título: Jogo do Pau - Arte Marcial e Desporto
  • Autor: António Coelho Teixeira
  • Publicação: Revista «Beijaflor» nº 10 de novembro/dezembro 1999

Resumo

O artigo aborda o uso histórico e simbólico do pau como companheiro de viagem e arma de defesa. Ao longo do tempo, o pau evoluiu de uma simples ferramenta de defesa para um instrumento de arte marcial e atividade recreativa. Ainda hoje, algumas tribos africanas praticam combates de pau, com diferentes níveis de controle e perigo. Existem grandes variações nas técnicas e evolução dessas práticas ao redor do mundo, especialmente na África.

Durante a era dos "Descobrimentos", os portugueses levaram essa prática para as ilhas e as incorporaram às tradições locais, como nas Ilhas Canárias. A arte marcial do pau português também se difundiu no Brasil, na África e na Índia. O pau desempenhou um papel importante na formação de cavaleiros na Idade Média, ensinando-lhes os fundamentos da defesa antes de aprenderem a lutar com espadas.

O pau tem sido associado a símbolos de poder, equilíbrio e iluminação ao longo da história. Era usado como instrumento de medida pelos construtores e tinha significados simbólicos em várias culturas. No monge, representava uma arma disfarçada, enquanto no Oriente era um símbolo de transcendência e sabedoria. Em Portugal, o pau era parte integrante da indumentária dos camponeses em todas as regiões, sendo também associado à tradição celta.

Indica ainda, que o pau tradicional português é uma técnica sofisticada de bastão cônico, conhecido como varapau ou cajado, com cerca de 1,50 m de comprimento. As madeiras usadas incluem castanheiro, carvalho, marmeleiro e, especialmente, o lódão, devido à sua resistência e flexibilidade excepcionais.

Artigo

« Desde os tempos mais remotos, o homem utilizou o pau como companheiro dos seus caminhos e como arma de protecção. Com o tempo, de simples elemento de defesa que era, transformou-se, aqui e ali, num instrumento de arte marcial e num elemento de prática lúdica. Hoje ainda, existem tribos africanas que praticam combates de pau, mais ou menos controlados, mas com diferentes evoluções, o que conduz a combates, ou simplesmente treinos, mais ou menos perigosos, nalguns casos, por vezes mesmo mortais. As diferenças são, por vezes, enormes entre as evoluções destas técnicas. De facto, existem práticas do pau que, através do mundo, quase que não evoluíram durante séculos, talvez mesmo milénios, particularmente em África.

O pau no passado: companheiro e símbolo

As diferenças de evolução residem sempre na qualidade da defesa (a descoberta em nós de ângulos necessários do pau para uma defesa justa, isto é, as posições correctas das mãos), no trabalho das pernas e na avaliação exacta das distâncias, para dar lugar a uma esquiva perfeita no momento exacto. É o desenvolvimento da atenção, da concentração, mas também da antecipação às reacções do adversário, que pode permitir uma segurança nos contra-ataques, no momento justo. O Jogo do pau é, então, uma dança, um verdadeiro yoga dinâmico. Com efeito, se as emoções e o mental estiverem controlados, estamos em presença de uma verdadeira "via" marcial, cuja finalidade é a abertura face ao desconhecido — as reacções do adversário -, para o desenvolvimento da nossa postura, da nossa energia e da nossa capacidade de «prever» as decisões e movimentos do adversário.

No antigo Egipto, vários baixos-relevos apresentam cenas de combates desportivos com vários tipos de paus. Estão representados, em túmulos que datam do terceiro milénio antes de J.-C., personagens a lutar ou a fazer competições com os paus.

Podemos mesmo dizer que todos os países conheceram, com maior ou menor intensidade, «jogos de pau», artes desenvolvidas para que o homem do campo, da montanha, tivesse a possibilidade de amplificar a sua capacidade de defesa face ao meio hostil, aos animais selvagens e ao próprio homem. Nas cidades, esta «arma» serviu frequentemente de instrumento para o desenvolvimento dos reflexos, da coordenação motora, da capacidade de autodefesa e da resistência física.

Os nomes dados a este tipo de artes são evidentemente muito diferentes uns dos outros; por vezes, o sentido é simplesmente o de «pau»: é o lathé da Índia (um pau de bambu), o jang-bong da Coreia ou o bo do Japão e do Okinawa, com as suas variedades: han-bo, jo, tan-bo, paus de dimensões diferentes.

A Europa não foi excepção, e esta arte marcial, no passado, desenvolveu-se em França (ainda com a actual cane), em Inglaterra, em Itália (que conserva ainda a Paranza) e em Portugal, sem nos esquecermos das Ilhas Atlânticas, como os Açores e as Canárias.

Os Portugueses, durante a expansão dos "Descobrimentos", do século XIV ao XVI, levaram a sua antiga prática do pau a essas ilhas e, por vezes, cruzaram-na e adicionaram-na às práticas indígenas (como nas Ilhas Canárias). Eles também a difundiram no Brasil, em África e na Índia (temos indicações de que, ao sul de Goa, se pratica o jogo do pau português).

O pau, na Idade Média, foi também um elemento muito importante na formação do cavaleiro, principalmente na fase preparatória, a do escudeiro. O jovem companheiro aprendia a trabalhar o pau, o tiro ao arco e, só depois, a lança e a espada. Combater com uma espada, sem ter estudado o pau é, na nossa opinião, um absurdo, pois é necessário «bater» para aprender os ângulos de defesa reais, e, para isso, o pau é o substituto ideal da espada. Em verdade, o pau é uma arma de percussão e a espada uma arma de corte; treinar com espadas afiadas era pura e simplesmente destruí-las, ou então, mero treino de distância e esquiva. Sem a protecção das mãos, o pau era mais difícil de trabalhar; uma outra razão, é que o pau era ideal para o treino dos jovens, nos ângulos correctos das guardas.

Para além do mais, o pau continua a ser um símbolo importante de poder, equilíbrio e mesmo de "suporte" de iluminação; é a razão do ceptro dos faraós, do bastão do marechal ou do vice-rei das Índias, da batuta dos chefes de orquestra ou da varinha mágica das fadas. Ele foi — e continua a ser — o pau do companheiro construtor (instrumento de medida), como foi outrora o iitus do áugure romano e o rudis do gladiador.

Para o monge, ele representava a arma ideal, pois não era subentendido como tal, mas como o auxiliar das longas caminhadas. Bem manipulado, o pau podia confrontar-se com todas as outras armas de curta distância. Apresenta mesmo vantagens de distância e permite ferir grave, ligeiramente ou mesmo nada. No Oriente, era também o símbolo do «canal central» (sushumna), o bastão de Brahma, que conduz à transcendência dos opostos, à iluminação ou sabedoria. No Ocidente, está presente no nono Arcano maior do Tarot, o Eremita, com o seu bastão de apoio numa mão, e a candeia para iluminar o caminho, na outra. Outra imagem interessante do Ocidente é a de Juno Lucina, deusa romana, a mãe que dá a luz (lucina), e que deu o seu nome ao mês da luz, do solstício do verão, Junho; ela, também, era representada com um pau..

O pau tradicional português

Em Portugal, até ao nosso século, o pau era mais do que um elemento de prática lúdica; fazia também parte da indumentária dos camponeses em todas as regiões do país.

O pau foi o é ainda o «companheiro» dos pastores das montanhas do norte e do centro de Portugal, como dos saloios da Estremadura, como ainda, por exemplo, dos campinos das lezírias do Ribatejo ou dos agricultores do Alentejo e Algarve.

Admite-se que a arte do pau em Portugal remonta à tradição celta ou celtibérica, porque, tal como o triplo salto e o hockey faziam parte dos jogos celtas do passado, esta arte instalou-se principalmente no Norte, região céltica por excelência, onde se encontra também as danças de pau, dos pauliteiros de Miranda, tipicamente célticas.

É interessante verificar que pau significava também em língua celta «aldeia».

Hoje, as pessoas mais idosas falam dos seus familiares que jogavam ao pau. Isto é verdade, mas raramente estas pessoas foram verdadeiros «jogadores pau», uma vez que não o trabalharam numa escola, ou com a regularidade necessária para conhecer um estilo. Eles usavam e manipulavam o pau, mas não eram verdadeiros jogadores de pau.

Em Portugal desenvolveu-se uma técnica muito sofisticada de pau cónico — o varapau ou cajado -, com um comprimento de 1,50 m. As madeiras são ramos de castanheiro, de carvalho, de marmeleiro, ou outras, conforme as regiões, mas o pau português foi quase sempre fabricado a partir de ramos de lódão, devido à sua resistência e excepcionais elasticidade e plasticidade; mesmo o som das pancadas é diferente e "mais bonito". Adoptando uma forma de falar oriental, podemos dizer que esta arte é um jogo do "elemento madeira (ou vento)" e isto mostra a relação dos elementos espiralados dos paus, quando eles estavam nos ramos das árvores, com os movimentos executados nas pancadas. »

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Referências