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Livro: Alma Nova

Fonte: Jogo do Pau Português
capa do livro

Sobre

  • Relevância: ★☆☆
  • Título: Alma Nova
  • Autor: Guilherme de Azevedo (1839-1882)
  • Publicação: Lisboa, Sousa & Filho, 1874
  • Formato: 198 páginas


O livro Alma Nova, publicado em 1874, pertencente ao realismo português, embora com fortes traços satíricos e irónicos.

Resumo do excerto da obra

No poema “Velha Farsa”, Guilherme de Azevedo recorre à metáfora do urso que “faz jogo de pau” como representação da degradação simbólica da força popular. O que outrora foi instrumento de resistência, defesa e dignidade — o pau enquanto arma do povo — surge aqui esvaziado, transformado em mero objeto de espetáculo grotesco. Esta imagem reflete criticamente a condição social do povo, domesticado, submisso e reduzido a imitar, de forma caricatural, aquilo que já não pratica nem domina. A referência ao “jogo de pau” transcende o sentido literal, funcionando como alegoria da perda da capacidade de resistência, da alienação social e da conversão da cultura popular combativa em entretenimento para as elites e para o poder instituído.

Poema

« VELHA FARSA

Rufa ao longe um tambor. Dir-se-ia ser o arranco
Dum mundo que desaba; aí vai tudo em tropel!
Vão ver passar na rua um velho saltimbanco
E uma fera que dança atada a um cordel.

O funâmbulos vis, comediantes rotos,
O vosso riso alvar agrada à multidão!
E quando vós passais o arcanjo dos esgotos
Atira-vos a flor que mais encontra à mão!

Lá vai tudo a correr: são as grotescas danças
Duns velhos animais que já foram cruéis
E agora vão sofrendo os risos das crianças
E os apupos da turba a troco de dez réis.

Conta um velho histrião, descabelado e pálido,
Da fera sanguinária o instinto vil e mau,
E vai chicoteando um urso meio inválido
Que lambe as mãos ao povo e faz jogo de páu.

Depois inclina a face e obriga a que lha beije
A fera legendária olhada com pavor:
E uma deusa gentil, vestida de barege,
Anuncia o prodígio a rufo de tambor!

E as mães erguem ao colo uns filhos enfezados
Que nunca tinham visto a luz dos ouropéis:
E acresce à multidão a turba dos soldados,
— ao hilota da cidade o escravo dos quartéis.

E o funâmbulo grita; impõe qual evangelho
A turba extasiada a grande narração.
E sobre um cão enfermo um orangotango velho
Passeia nobremente os gestos de truão.

Correi de toda a parte, aligeirai o passo,
Deixai a grande lida e vinde à rua ver
As prendas duma fera, as galas dum palhaço,
E um arcanjo que sua e pede de beber!

À tua imagem tens, ó povo legendário
No cómico festim que mal podes pagar,
Pois tu ainda és no mundo o velho dromedário
Que a vara do histrião nas praças faz dançar. » (pp. 17-19)

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