Livro: O rancho da carqueja: diferenças entre revisões
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... | '''''O Rancho da Carqueja (Tentativa de romance histórico baseado nos acontecimentos académicos do século passado)''''', baseia-se nos distúrbios desencadeados, em 1720 e 1721, por um grupo de estudantes de Coimbra, que ficou conhecido por ''Rancho da Carqueja''. | ||
Inspirou-se o autor num manuscrito (com “má sintaxe, detestável gramática, nenhuma ortografia e medonha caligrafia”), coevo dos factos, que ele encontrara em 1863, e com base no qual começara a publicar um folhetim no «Comércio de Coimbra». | |||
A ação começa com um ataque dos «carquejeiros» que desbaratou, na Rua das Fangas, o solene préstito que da Universidade seguia para Santa Cruz, comemorar o 1.º de dezembro de 1720. | |||
O nome do bando relaciona-o Barata com a realização das suas reuniões magnas numa casa do Beco da Carqueja, fronteiro à Sé Velha. | |||
O romance foi editado em Coimbra, pela Imprensa Literária, em 1864, e conheceu uma 2.ª edição em 1904, em Lisboa, pela Empresa da História de Portugal. | |||
<ref>Mário Torres em ''Iniciação de caloiros'' em http://www.oponney.pt/coimbra/iniciacao-de-caloiros/</ref> | |||
== Excertos da obra == | == Excertos da obra == | ||
A morte de um alfaiate, numa briga junto à ponte, terá determinado o envio por D. João V de uma força militar, que, em 20 de fevereiro de 1721, cercou Coimbra e capturou a maioria dos membros do grupo. | |||
O autor relata essa briga, onde a mesma é feita com varapaus. | |||
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— Se o alfaiate aparecer, que castigo achas que se lhe deva aplicar? | — Se o alfaiate aparecer, que castigo achas que se lhe deva aplicar?<br> | ||
— Trazes tu a escada celestial? perguntou Jorge Aires, antes de responder. | — Trazes tu a escada celestial? perguntou Jorge Aires, antes de responder.<br> | ||
— Trago, sim. | — Trago, sim.<br> | ||
— Pois, muito bem, O castigo que lhe quero aplicar é simples; há de subir pela escada… | — Pois, muito bem, O castigo que lhe quero aplicar é simples; há de subir pela escada…<br> | ||
— Queres enforca-lo? interrompeu Gonçalves Lobo. | — Queres enforca-lo? interrompeu Gonçalves Lobo.<br> | ||
— Não. | — Não.<br> | ||
— Dizes sempre o que tencionas fazer. | — Dizes sempre o que tencionas fazer.<br> | ||
— Logo o saberás, respondeu Aires. | — Logo o saberás, respondeu Aires.<br> | ||
Neste momento ouviram-se passos de quem descia a Couraça; e, quando o vento o consentia, alguns sons como de voz abafada. | Neste momento ouviram-se passos de quem descia a Couraça; e, quando o vento o consentia, alguns sons como de voz abafada. | ||
— Ai vêm nossos irmãos, disse Jorge Aires. | — Ai vêm nossos irmãos, disse Jorge Aires.<br> | ||
— Parece-me que sim, respondeu Gonçalves Lobo. | — Parece-me que sim, respondeu Gonçalves Lobo.<br> | ||
E, para se certificar, assobiou. Não responderam ao assobio. Os dois estudantes admiraram isso, e a ideia de que não eram os Carquejeiros penetrou em suas mentes. | E, para se certificar, assobiou. Não responderam ao assobio. Os dois estudantes admiraram isso, e a ideia de que não eram os Carquejeiros penetrou em suas mentes. | ||
— Não são eles. | — Não são eles.<br> | ||
— Assim o parece. | — Assim o parece.<br> | ||
Convém esperar e guardar silencio. E os dois, separando-se, cozeram-se com as paredes do arco, um de cada lado. O tropel de passos aproximava-se. | Convém esperar e guardar silencio. E os dois, separando-se, cozeram-se com as paredes do arco, um de cada lado. O tropel de passos aproximava-se. | ||
— Ó Aires! disse a meia voz Gonçalves Lobo. | — Ó Aires! disse a meia voz Gonçalves Lobo.<br> | ||
— O que é? | — O que é?<br> | ||
— A que horas prometeu vir o Pescada? | — A que horas prometeu vir o Pescada?<br> | ||
— Ás dez. | — Ás dez.<br> | ||
— Então são eles. Estão para bater dez horas. | — Então são eles. Estão para bater dez horas.<br> | ||
— Não são, não; porque se o foram teriam respondido ao teu assobio. | — Não são, não; porque se o foram teriam respondido ao teu assobio.<br> | ||
— Seja o que for. Eles não devem tardar. | — Seja o que for. Eles não devem tardar.<br> | ||
Calaram-se. Já se começavam a divisar os sujeitos que vinham. | Calaram-se. Já se começavam a divisar os sujeitos que vinham. | ||
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E o grupo ia passando. | E o grupo ia passando. | ||
— Ó Lobo, disse em voz baixa Jorge Aires; que será isto? | — Ó Lobo, disse em voz baixa Jorge Aires; que será isto?<br> | ||
— Aos futricas! bradou com voz de stentor Gonçalves Lobo, respondendo assim a Jorge Aires. | — Aos futricas! bradou com voz de stentor Gonçalves Lobo, respondendo assim a Jorge Aires.<br> | ||
— Já! disse este. E, armados de cajados que traziam, deram sobre os quatro. | — Já! disse este. E, '''armados de cajados''' que traziam, deram sobre os quatro. | ||
O que sustinha a mordaça foi a terra à primeira pancada que lhe atirou à cabeça o estudante Jorge Aires. | O que sustinha a mordaça foi a terra à '''primeira pancada''' que lhe atirou à cabeça o estudante Jorge Aires. | ||
— Coragem! amigos! bradou o preso logo que pôde falar, que outro não era senão José da Silva Coutinho. | — Coragem! amigos! bradou o preso logo que pôde falar, que outro não era senão José da Silva Coutinho. | ||
Gonçalves Lobo repetia pancadas rijas no sujeito que ouvira falar debaixo do arco, e conhecera ser o alfaiate Peixoto. | Gonçalves Lobo repetia '''pancadas rijas''' no sujeito que ouvira falar debaixo do arco, e conhecera ser o alfaiate Peixoto. | ||
À terceira cajadada João Peixoto largou o estudante Silva Coutinho, que se desembaraçou facilmente do outro que o agarrava, dando-lhe um valente murro no estômago ; e, correndo a Gonçalves Lobo, lançou-lhe as mãos ao pau, torceu-lho rapidamente e conseguiu tirar lho, mandando logo à cabeça dele uma pancada forte. | À terceira cajadada João Peixoto largou o estudante Silva Coutinho, que se desembaraçou facilmente do outro que o agarrava, dando-lhe um valente murro no estômago; e, correndo a Gonçalves Lobo, lançou-lhe as mãos ao pau, torceu-lho rapidamente e conseguiu tirar lho, mandando logo à cabeça dele uma pancada forte. | ||
Lobo evitou a pancada na cabeça; mas com uma força bruta havia sido ela despedida! Não deu na cabeça de Lobo, mas batendo-lhe no braço esquerdo impossibilitou-o de qualquer movimento, pela dor enorme que lhe causou. | Lobo evitou a pancada na cabeça; mas com uma força bruta havia sido ela despedida! Não deu na cabeça de Lobo, mas batendo-lhe no braço esquerdo impossibilitou-o de qualquer movimento, pela dor enorme que lhe causou. | ||
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Gonçalves Lobo, apesar das dores agudas que sentia, pôde ainda responder ao assobio. | Gonçalves Lobo, apesar das dores agudas que sentia, pôde ainda responder ao assobio. | ||
Jorge folgou quando o ouviu ; e, ou fosse porque estimasse a aproximação de seus irmãos diabólicos, ou porque não quisesse aos olhos deles passar por fraco, ou menos destro no jogo do pau do que um futrica ignorante e bruto, começou a mandar ao alfaiate pancadas mais desconhecidas dele, certeiras e firmes. | Jorge folgou quando o ouviu; e, ou fosse porque estimasse a aproximação de seus irmãos diabólicos, ou porque não quisesse aos olhos deles passar por fraco, ou menos destro no '''jogo do pau''' do que um futrica ignorante e bruto, começou a mandar ao alfaiate pancadas mais desconhecidas dele, certeiras e firmes. | ||
João Peixoto foi-as aparando, até que perto de si viu três estudantes armados de varapaus. Então, ou fosse porque se amedrontasse, ou porque não soubesse defender-se já de Francisco Jorge Aires, deixou sair o pau das mãos, que voou até cair no rio, e entregou-se à descrição, desanimando completamente. | João Peixoto foi-as aparando, até que perto de si viu três estudantes '''armados de varapaus'''. Então, ou fosse porque se amedrontasse, ou porque não soubesse defender-se já de Francisco Jorge Aires, deixou sair o pau das mãos, que voou até cair no rio, e entregou-se à descrição, desanimando completamente. | ||
Os estudantes, que chegaram, correram ao futrica, e, te-lo-iam morto, se Jorge Aires não gritasse: | Os estudantes, que chegaram, correram ao futrica, e, te-lo-iam morto, se Jorge Aires não gritasse: |
Edição atual desde as 17h21min de 11 de abril de 2021
Sobre
- Relevância: ★☆☆
- Título: O rancho da carqueja: tentativa de romance historico, baseado nos acontecimentos academicos do seculo dezoito
- Autor: António Francisco Barata (1836-1910)
- Publicação: Coimbra: Imprensa Litteraria, 1 edição 1867
- Formato: 195 páginas
O Rancho da Carqueja (Tentativa de romance histórico baseado nos acontecimentos académicos do século passado), baseia-se nos distúrbios desencadeados, em 1720 e 1721, por um grupo de estudantes de Coimbra, que ficou conhecido por Rancho da Carqueja.
Inspirou-se o autor num manuscrito (com “má sintaxe, detestável gramática, nenhuma ortografia e medonha caligrafia”), coevo dos factos, que ele encontrara em 1863, e com base no qual começara a publicar um folhetim no «Comércio de Coimbra».
A ação começa com um ataque dos «carquejeiros» que desbaratou, na Rua das Fangas, o solene préstito que da Universidade seguia para Santa Cruz, comemorar o 1.º de dezembro de 1720.
O nome do bando relaciona-o Barata com a realização das suas reuniões magnas numa casa do Beco da Carqueja, fronteiro à Sé Velha.
O romance foi editado em Coimbra, pela Imprensa Literária, em 1864, e conheceu uma 2.ª edição em 1904, em Lisboa, pela Empresa da História de Portugal. [1]
Excertos da obra
A morte de um alfaiate, numa briga junto à ponte, terá determinado o envio por D. João V de uma força militar, que, em 20 de fevereiro de 1721, cercou Coimbra e capturou a maioria dos membros do grupo.
O autor relata essa briga, onde a mesma é feita com varapaus.
— Se o alfaiate aparecer, que castigo achas que se lhe deva aplicar? Neste momento ouviram-se passos de quem descia a Couraça; e, quando o vento o consentia, alguns sons como de voz abafada. — Ai vêm nossos irmãos, disse Jorge Aires. E, para se certificar, assobiou. Não responderam ao assobio. Os dois estudantes admiraram isso, e a ideia de que não eram os Carquejeiros penetrou em suas mentes. — Não são eles. Convém esperar e guardar silencio. E os dois, separando-se, cozeram-se com as paredes do arco, um de cada lado. O tropel de passos aproximava-se. — Ó Aires! disse a meia voz Gonçalves Lobo. Calaram-se. Já se começavam a divisar os sujeitos que vinham. Caminhavam para a Ponte. Eram quatro: um, no meio de dois que o arrastavam á força, estrebuchava e soltava uns sons abafados e surdos, porque o quarto sujeito de traz dos três, tinha e apertava um lenço que servia de mordaça na boca do preso. — Anda, maroto; lançaste me ao chafariz da Feira, pois ao rio te lançarei eu! E o grupo ia passando. — Ó Lobo, disse em voz baixa Jorge Aires; que será isto? O que sustinha a mordaça foi a terra à primeira pancada que lhe atirou à cabeça o estudante Jorge Aires. — Coragem! amigos! bradou o preso logo que pôde falar, que outro não era senão José da Silva Coutinho. Gonçalves Lobo repetia pancadas rijas no sujeito que ouvira falar debaixo do arco, e conhecera ser o alfaiate Peixoto. À terceira cajadada João Peixoto largou o estudante Silva Coutinho, que se desembaraçou facilmente do outro que o agarrava, dando-lhe um valente murro no estômago; e, correndo a Gonçalves Lobo, lançou-lhe as mãos ao pau, torceu-lho rapidamente e conseguiu tirar lho, mandando logo à cabeça dele uma pancada forte. Lobo evitou a pancada na cabeça; mas com uma força bruta havia sido ela despedida! Não deu na cabeça de Lobo, mas batendo-lhe no braço esquerdo impossibilitou-o de qualquer movimento, pela dor enorme que lhe causou. João Peixoto teria morto a Gonçalves Lobo se Jorge Aires não acudisse a aparar as pancadas tremendas do desesperado futrica. José da Silva Coutinho lutava braço a braço com o outro sujeito que não conhecia, e que por ultimo o largou. E num chuveiro de murros que os dois se davam, ninguém podia ao certo dizer qual deles seria o vencedor. O sujeito que primeiro fora a terra com a pancada de Jorge Aires, ou estava morto ou sem sentidos; Gonçalves Lobo, com um braço quebrado, assentara-se gemendo com dores enormes, e Francisco Jorge Aires batia-se fortemente com o alfaiate João Peixoto, redobrando um e outro perícia e destreza. Um assobio prolongado se ouviu neste instante. Aires sentiu-o, mas não pôde corresponder porque, se se distraísse um segundo, estava desarmado, e quem sabe o que seria?!… Gonçalves Lobo, apesar das dores agudas que sentia, pôde ainda responder ao assobio. Jorge folgou quando o ouviu; e, ou fosse porque estimasse a aproximação de seus irmãos diabólicos, ou porque não quisesse aos olhos deles passar por fraco, ou menos destro no jogo do pau do que um futrica ignorante e bruto, começou a mandar ao alfaiate pancadas mais desconhecidas dele, certeiras e firmes. João Peixoto foi-as aparando, até que perto de si viu três estudantes armados de varapaus. Então, ou fosse porque se amedrontasse, ou porque não soubesse defender-se já de Francisco Jorge Aires, deixou sair o pau das mãos, que voou até cair no rio, e entregou-se à descrição, desanimando completamente. Os estudantes, que chegaram, correram ao futrica, e, te-lo-iam morto, se Jorge Aires não gritasse: — Alto! amigos! Poupe-se, que tem bom pulso! (pág.147-151) |
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Referências
- ↑ Mário Torres em Iniciação de caloiros em http://www.oponney.pt/coimbra/iniciacao-de-caloiros/