Livro: Terras do Demo: diferenças entre revisões

Fonte: Jogo do Pau Português
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* '''Relevância: ''' ★☆☆
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* '''Título:''' A cantadeira. Comedia do Campo.
* '''Título:''' Terras do Demo
* '''Autor:''' Francisco Teixeira de Queiroz (1848-1919)
* '''Autor:''' Aquilino Ribeiro (1885-1963)
* '''Publicação:''' Lisboa A.M. Pereira, 1913
* '''Publicação:''' Lisboa: Livraria Bertrand, 1919 (1ª edição)
* '''Formato:''' 262 Páginas (20 cm)
* '''Formato:''' 316 Páginas




Romance da série ''Comédia do Campo''. Esta série centra-se nos usos e costumes das aldeias minhotas, com a apresentação do seu modo de pensar, da vivência religiosa, das superstições e da sua actuação nos eventos característicos da vida do campo.<ref>https://livreiro-monasticon.blogspot.com/2012/11/queiroz-teixeira-de-cantadeira.html</ref>
Este romance transporta-nos ao coração da geografia sentimental de Aquilino Ribeiro, ou não fosse este o lugar onde nasceu, por onde andou durante uma grande parte da sua juventude e ao qual reiteradamente regressou. O seu profundo conhecimento do espaço e das suas gentes apetrecham-no abundantemente para esta digressão por terras «bárbaras e agrestes» que se foram mantendo »à margem da civilização». Um romance que nos convida à descoberta de um Portugal que, apesar da República em Lisboa, ressuscitava velhos fidalgos e onde a emigração permitia sonhar futuros melhores. Ciganos, almocreves, estalajadeiros, alcoviteiras, padres mulherengos e moças enganadas são algumas das personagens que aqui se cruzam connosco neste universo onde a natureza e, muitas vezes, o diabo ditam as suas leis.
<ref>https://books.google.pt/books?id=RsYfAQAAIAAJ</ref>
 
== Sinopse ==
 
"A serra é agreste, primitiva, mas tem carácter, sem dúvida. Comprazes-te em pintar-lhe as virtudes e encantos sem sombras, e não serei eu que te acoime de parcial. As tintas escuras são para o novelista e tens razão. Decerto que eu, ao chamar-lhe Terras do Demo, não quis designá-las por terras do pecado, porque o pecado seja ali mais grado ou revista aspecto especial que não tenha algures. Nada disso. A serra é portuguesa no bem e no mal. Chamei-lhe assim porque a vida ali é dura, pobrinha, castigada pelo meio natural, sobrecarregada pelo fisco mercê de antigos e inconsiderados erros e abusos, porque em poucas terras como esta é sensível o fadário da existência."<br>
Aquilino Ribeiro


== Excertos da obra ==
== Excertos da obra ==
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Estava aberta a contenda entre os da Cerda e os da Rabiosa. Ninguém podia iludir o propósito, em que uns e outros, tinham vindo, de se pegarem. O conhecido improvisador Santinho, era um velho magro, todo barbeado como clérigo, e calvo como um sacristão. O seu beiço fino e irónico, o seu olho, redondo e vivaz, como que entrava pelas pessoas. Empalideceu sorrindo diante do repto da Rita ; tirou do bolso da vestia um lenço de paninho com que limpou o nariz e os lábios para ganhar tempo; avançou adiante o pé esquerdo e encostou- se à sua vara de marmeleiro, delgada e imprópria para chibancias de bordoada. Depois de tirar longa expiração, respondeu:
(…) -Eh, rapaziada da Seitosa – disse ele -, então que febre vos fazem as vacas?
-Ainda aí apareces, filho de sete curtas!? – increpou o Zé Narciso. – Vais pagar o descaramento…
E à mão tente despediu-lhe o '''lodo''' à nuca. O Brás aparou a pancada no ombro e respondeu-lhe com uma '''chuçada''' valente do sombreiro à arca do peito.


S’a minha chieira é grande,
O outro pulou e, trás, trás, só deixou de bater pela cabeça, pelos braços, pelo corpo todo, quando o viu estrumado por terra, a roncar.
a tua é presumpçao;
O Espadagão vinha com uma enxada para lhe britar a cabeça, mas o Cláudio vendeiro deitou-lhe o gadanho e o golpe foi quebrar-se nas costelas:
tira-te p’ra lá herege,
– Conho, em homem no chão não se dá! (…)
que não ouviste o sermão.


— E é verdade que não ouviu ! — confirmou a moleira — Mas a rapariga chegou depois, tio Zé!…
<small>(Página 134)</small>
Réplica da Rita :
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O sermão foi bem bonito,
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ouvi-o o anno passado ;
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se tu ouvistes melhor,
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é qu’estavas precisado.
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Passavam maltas, de '''varapau a estreloiçar contra varapau''', varrendo nas arrecuas do batuque o terreiro coalhado de gentiaga: Viva Lamosa! (…)
<small>(Página 136)</small>
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O cantador:
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Entre eles nem ficava chão para cair um alfinete. E por entre estes e as vareiras, as maltas e ranchos cavalavam. Lá rompia Granjal de '''lodo''' no ar, tau-tau, viva a rusga! (…)


Vens de longe rapariga,
Aí disparava um cavaleiro, todo farófia, chapéu de aba larga, pau de choupa entalado debaixo da perna:
com fama de grande spanto;
‘stá na tua frente um home,
que se chama o Zé Santo.


A cantadeira, logo a seguir:
– Olá, gentes, abram passagem!


Se o teu nome é de santo,
Bem arreada besta, crinas rentes, franjas na retranca, rifadora por de mais. O ar dele era rebentio, com a pinta de rico, e o poviléu apartava-se à banda. Mas desembocava outra malta:
tua cara é de fuinha;
deixa-te de cantigas,
vae resar a ladainha.


A gargalhada foi estridulosa e ampla. O rapazio pendurado nos fortes galhos da carvalheira, aplaudiu com um gritado «viva à Rita!». O valor do gabo fora acrescentado pela expressão gaiata das caras travessas, que apareciam por entre a folhagem. O velho, assim chamado à liça, deu uma sacudidela ao corpo, adiantou mais meio passo, galhardamente, o que fez sorrir a Canária que amava essa contestação, que lhe favorecia os repentes.
– Viva Tabosa!
– Viva!
– Viva até que morra!


Do Zé Santinho:
E arremetia por ali dentro, aos safanões, ó cetrás, em borborinhos de poeira, num zafarrancho de mil demónios. (…)
<small>(Página 241)</small>
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Moça fera e bem parcida,
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olha praquella encosta:
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s’a minha cara é de fuinha,
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essa tua é de lagosta.
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– Foge! Foge! – exclamou a Zabana para Glorinhas diante dum roldão de ''''caceteiros''' em enovelada correria.
O da Mó olhou o cantador com arrogância, apertando na mão o seu '''pau de carvalho argolado'''. O Rinchoso vendo-lhe esse ar de pimponice disse-lhe de soslaio:
 
— Ai ! Nossa Senhora ! que o home deita-se a perder ! . . . Buliram-lhe na madama. . .
 
A Rita, porém, conservou serenidade. Considerando que os dois se tinham entreolhado com rancor, moderou-se:
 
A lagosta é coisa boa,
p’ra quem gosta d’a comer;
tu que gostas mais da pinga,
vae aquella pipa beber.
 
— Isso queria ele, se lho pagassem. Ó da Mó oferece-lha! — disse um rapazola, lá do alto duma carvalheira.
 
O calor era intenso. Apesar de ser ainda Agosto, as folhas já cahiam das árvores, tontas como pássaros congestionados, e as landes soltavam-se dos cascabulhos, mirrados pelo sol ardente. Principiavam os ânimos de se acirrar, havia parcialidades: uns pela Canária, garbosa, cheia de vida e mordente; outros pelo Santinho velho, pilado, mas agressivo, soltando cantigas de ponta acerada. Os da Cerda, com o da Mó à frente e os instrumentos mudos, aplaudiam com estrondo a sua cantadeira; os da Rabiosa, e mais os seus parciais mostravam-se provocadores, com modos atrevidos, em volta do seu campeão. Gastos muitos remoques, a Rita, excitada pelo namorado e já um tanto menos cordata, atirou esta bisca aos contrários:
 
O’ homes da Rabiosa,
mais cá os do Penedo;
tirande p’ra lá os '''paus'''
qu’os da Cerda não tem medo.
 
— Responde-lhe teso, Zé! Eles querem função?… Responde teso! — incitou o Rinchoso.
 
Medo sim, quem no tivera,
de tão valentes pimpões ;
são fracos homes de cara,
vão-se a terra a safanões.
 
Aqui foram elas! O Chico cresceu arrogante, pálido de cólera, para o misero cantador; mas encontrou pela frente o Rinchoso, que lhe disse, entrepondo-se:
 
— Eh! seu home, qué lá isso! Aqui ha gente! Não é co’ele, é comigo.
Fez-se terreiro; alargou-se a arena para o combate, pelo súbito desaparecimento do mulherio e dalguns velhos e crianças. O '''lodão ferrado do Rinchoso encontrou-se no ar com o carvalho argolado do da Mó'''. Outros '''paus''' se ergueram, sentindo-se os primeiros estalidos, duns nos outros, semelhantes a matracas na quaresma. Parecia uma emaranhada floresta de árvores novas estonadas e sem folhas, '''varejadas''' por ventos desencontrados.
 
Eram numerosos os da luta, os mesmos que vinham doutras desordens, por andarem de rixa, havia muito tempo. A atmosfera pesada deste dia abrasador, cujas labaredas brancas subiam arquejantes, da terra em fogo, estava riscada de listas movediças. As mulheres apavoradas, corriam pelo largo, agora desembaraçado de gente pelos que tinham fugido para os caminhos laterais e para a encosta do monte, gritando: «Ai! milagroso S. Roque, valei-lhes, que se matam!» As irmãs que tinham na contenda seus irmãos, as filhas que lá viam seus pães e as casadas que não puderam reter os maridos, todas juntas, formavam clamor choroso com palavras de suplica a santos e santas da corte do céu: <Nossa Senhora dos Aflictos, acudi-nos!» «S. Christovão, que sois valente, apartai-os!» «Jesus de Misericórdia, tende piedade !>... Uma, que era mais fervorosa, ajoelhara no meio do adro, exortando: «Milagroso S. Roque, que nos livrastes da peste, descei do vosso altar e vinde aqui com o vosso cãozinho para lhes morder nas pernas!»
 
O sangue já tingia as testas, as roucas ameaças acompanhando as '''pauladas'', formavam um como sussurro de palavras que saísse da boca dum gigante. A área do combate, sempre movediça como superfície de mar agitado, parecia uma eira de malhos erguidos, que não caiam sobre as brancas espigas, mas sobre os corpos dos malhadores. Esbofava a cólera, mas não gemia a dor. Era uma confusão enorme em todo o terreiro da romaria. Os barraqueiros temiam pelas suas barracas de frágil lona. Os vendedores de rosários e veneras fugiam com os tabuleiros para dentro da egreja. As que apregoavam comidas punham-se adiante das suas bancas, receosas do destino das vitualhas. Quando viam aquele aglomerado de homens em cólera evolucionarem para o seu lado, como um penedo rolante, erguiam as mãos suplices, pedindo misericórdia : «Ai, Jesus! que será de nós!» Os que nada tinham a recear, diziam nervosos, entre si, comentando o acontecimento:
 
— São os da Cerda, com os da Rabiosa !<br>
— São os da Rabiosa, com os da Cerda !
 
O clamor da gente chorosa, que era muita, crescia como rajada de vento forte e em breve chegou à residência do abade, perto da igreja, onde o jantar dos padres e dos músicos da festa, corria bem comido, bem bebido e bem falado, numa grande satisfação. Todos se levantaram, vindo á janela averiguar, por detrás uns dos outros, numa pinha de gente. Pelo que lhes dizia o sacristão, falando-lhes do caminho, reconheceram ser o caso sério, cientes como eram da rivalidade antiga das duas freguesias, por causa das suas musicas e agora por causa da cantadeira.
 
Desceram logo, dirigindo-se ao largo, no intuito de apaziguar a desordem. Nem todos, porém, acompanharam o abade, que ia correndo (quanto lho permitia a sua obesidade) com o guarda-pó branco a flutuar, como camisa ao vento. O mestre de cerimonias, o magricelas do padre José Maria Beltrão, foi desses prudentes, dizendo para o Pitança, que o convidava a segui-los:
 
— Não vou, que meu pai não faz outro como eu. Nosso Senhor deu-me uma cabeça para ter juízo e não para que ma quebrassem.
 
Ao que o pregador retorquiu azedo:
 
— Também que havia você de vir cá fazer ? ! Só com o movimento dos '''paus''' ia-se pelos ares.
 
O mestre de cerimonias engrilando-se, respondeu:
 
— O quê, padre João, o quê?! Onde me vê, já estive para matar um homem com um tiro.
 
— Mas não matou… Lerias… Caldinhos e breviário, padre Zé.
 
E lá foi para secundar o abade nos seus esforços de pacificação. Juntaram-se a eles mais pessoas gradas: — o morgado da Torre; o major reformado da Devesa: o fidalgo da Tranca, agora trôpego, mas que em novo levantava um carro de milho pela traseira com uma só mão; o brasileiro de Refuinho, e, finalmente, o regedor com a sua autoridade para prender. Encontraram-se no adro e foram em magote e resolutos, para a desordem, o abade gordo, roliço, fazendo gestos de longe, que lhe levantavam as abas do casaco branco. A ação simultânea desta gente de paz não foi atendida ; a bulha continuava enraivecida. Então eles vociferavam: o militar, repuxando salientemente a farta pera, guturava palavras pouco claras, pensando numa boa descarga, sobre aqueles malandros ; o morgado da Torre e o brasileiro, ameaçavam de nunca mais emprestarem dinheiro a uma tal sócia; o padre Pitança, acenando com o lenço d’Alcobaça, achava uma pouca vergonha fazerem isto em dia de S. Roque, que era todo paz e bondade ; o velho da Tranca, esse, encostado a um muro, por não poder andar, dizia colérico e saudoso:
 
— Ah! no meu tempo! Se fora no meu tempo, eu só, com um bom estadulho varria-os a todos…
 
O regedor, que se aproximara mais que os outros, vendo-se desobedecido, gritava pelos seus cabos, alguns dos quais andavam na contenda. Apesar disso bradava:
 
— Sou autoridade! Vão todos para a cadeia! Quem manda aqui?!...
 
O abade, animado com este exemplo de coragem, chegou-se mais para ser ouvido e suplicante dizia:
 
— Eh! rapazes! No dia do meu orago!… Olhem que S. Roque…
 
E como uma '''paulada quasi o atingisse''', murmurou, retirando-se:
 
— Arre! que são brutos e malcriados! Ao que o pregador obtemperou:
 
— Estão cegos! E o que é!
 
Quem valeu para acabar a briga, em que já havia muitos feridos, foi a Canária com um estratagema. Sem temor de que lhe rachassem a cabeça, animosa e dedicada, meteu-se por entre os contendores, com os braços erguidos, o que lhe deixara em evidencia os magníficos seios. Falando em voz rogativa aos seus amigos da Cerda, pediu-lhes:
 
— Eh! moços, alto ai! Agora é comigo! A culpa foi minha, que puxei pelo home. Quebrem-me a cabeça, se quiserem, mas acabem.
 
Este pequeno nada, pelo denodo e novidade, amoleceu a fúria dos contendedores. Os golpes principiaram a ser menos puxados e incertos. Alguns velhos lavradores, homens respeitados e prudentes, aproveitaram o ensejo, prendendo pelo tronco os seus amigos, inutilisando-os para o combate. Os ânimos mais exaltados, os braços mais valentes abrandavam, e a desordem, como uma trovoada que se distancia, foi minorando, achando-se em breve reduzida a alguns protestos e injurias avulsas. Então é que o abade, acompanhado do regedor, poderam fazer valer a sua autoridade, falando em tom repreensivo, porém conciliador. O guarda-pó branco do sacerdote adejava-lhe em volta do corpo volumoso, como duas asas de gaivota. Limpava do cachaço o suor abundante com o lenço vermelho, e, ao retirar-se, para deixar bem nítida a sua reprovação por aquele ato no dia da sua festa, disse:
 
— A culpa não à vossa, não! A culpa é daquelas… E apontou as pipas de vinho que estavam tranquilas e mudas à sombra das carvalheiras.


A Canária puxando para si o Chico da , levou-o para distancia dos grupos limpando-lhe o rosto cheio de sangue:
Eram as maltas do Granjal e da Vila da Ponte que se acometiam, naquela sua inveterada rixa de povos fronteiriços e forçudos. Emborcando tarimbas do negócio e trilhando os dorminhões, acossado pelo '''estreloiçar dos paus''', o poviléu '''varreu''' às bandas.


— O que eu fui fazer, moço! Estás mesmo um Santo Cristo chagado !...
Glorinhas e a Zabana meteram para a porta do santuário, em que uma onda medrosa se atropelava. A espaldas delas, retiniam pragas, gemidos e gritos de aqui-d’el-rei. Mas acudia a tropa e os desordeiros tresmalhavam a pés de cavalo. Curioso, o povo refluía sobre o lugar da refrega, que durara o tempo dum credo. Escabujava no chão homem ferido, se não morto, e vozes de mulher gemiam, testemunhando a justiça do céu e da terra. (…)
<small>(Página 257)</small>
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== Links externos ==
== Links externos ==


* Sobre o autor "Francisco Teixeira de Queiroz" na [https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Teixeira_de_Queir%C3%B3s Wikipédia]
* [https://www.google.com/search?q=livro+Terras+do+Demo&tbm=shop Procurar livro no Google Shop para compra]
* [https://pt.wikipedia.org/wiki/Aquilino_Ribeiro Aquilino Ribeiro – Wikipédia]
* [https://jogodopau.wiki/images/9/9d/Etnografia_de_AquilinoRibeiro.pdf Etnografia de Aquilino Ribeiro por ''José Manuel Sobral''‎]


== Referências ==
== Referências ==

Edição atual desde as 12h36min de 8 de janeiro de 2023

capa do livro

Sobre

  • Relevância: ★☆☆
  • Título: Terras do Demo
  • Autor: Aquilino Ribeiro (1885-1963)
  • Publicação: Lisboa: Livraria Bertrand, 1919 (1ª edição)
  • Formato: 316 Páginas


Este romance transporta-nos ao coração da geografia sentimental de Aquilino Ribeiro, ou não fosse este o lugar onde nasceu, por onde andou durante uma grande parte da sua juventude e ao qual reiteradamente regressou. O seu profundo conhecimento do espaço e das suas gentes apetrecham-no abundantemente para esta digressão por terras «bárbaras e agrestes» que se foram mantendo »à margem da civilização». Um romance que nos convida à descoberta de um Portugal que, apesar da República em Lisboa, ressuscitava velhos fidalgos e onde a emigração permitia sonhar futuros melhores. Ciganos, almocreves, estalajadeiros, alcoviteiras, padres mulherengos e moças enganadas são algumas das personagens que aqui se cruzam connosco neste universo onde a natureza e, muitas vezes, o diabo ditam as suas leis. [1]

Sinopse

"A serra é agreste, primitiva, mas tem carácter, sem dúvida. Comprazes-te em pintar-lhe as virtudes e encantos sem sombras, e não serei eu que te acoime de parcial. As tintas escuras são para o novelista e tens razão. Decerto que eu, ao chamar-lhe Terras do Demo, não quis designá-las por terras do pecado, porque o pecado seja ali mais grado ou revista aspecto especial que não tenha algures. Nada disso. A serra é portuguesa no bem e no mal. Chamei-lhe assim porque a vida ali é dura, pobrinha, castigada pelo meio natural, sobrecarregada pelo fisco mercê de antigos e inconsiderados erros e abusos, porque em poucas terras como esta é sensível o fadário da existência."
Aquilino Ribeiro

Excertos da obra

« (…) -Eh, rapaziada da Seitosa – disse ele -, então que febre vos fazem as vacas? -Ainda aí apareces, filho de sete curtas!? – increpou o Zé Narciso. – Vais pagar o descaramento… E à mão tente despediu-lhe o lodo à nuca. O Brás aparou a pancada no ombro e respondeu-lhe com uma chuçada valente do sombreiro à arca do peito.

O outro pulou e, trás, trás, só deixou de bater pela cabeça, pelos braços, pelo corpo todo, quando o viu estrumado por terra, a roncar. O Espadagão vinha com uma enxada para lhe britar a cabeça, mas o Cláudio vendeiro deitou-lhe o gadanho e o golpe foi quebrar-se nas costelas: – Conho, em homem no chão não se dá! (…)

(Página 134) »

« Passavam maltas, de varapau a estreloiçar contra varapau, varrendo nas arrecuas do batuque o terreiro coalhado de gentiaga: Viva Lamosa! (…) (Página 136) »

« Entre eles nem ficava chão para cair um alfinete. E por entre estes e as vareiras, as maltas e ranchos cavalavam. Lá rompia Granjal de lodo no ar, tau-tau, viva a rusga! (…)

Aí disparava um cavaleiro, todo farófia, chapéu de aba larga, pau de choupa entalado debaixo da perna:

– Olá, gentes, abram passagem!

Bem arreada besta, crinas rentes, franjas na retranca, rifadora por de mais. O ar dele era rebentio, com a pinta de rico, e o poviléu apartava-se à banda. Mas lá desembocava outra malta:

– Viva Tabosa! – Viva! – Viva até que morra!

E arremetia por ali dentro, aos safanões, ó cetrás, em borborinhos de poeira, num zafarrancho de mil demónios. (…) (Página 241) »

« – Foge! Foge! – exclamou a Zabana para Glorinhas diante dum roldão de 'caceteiros em enovelada correria.

Eram as maltas do Granjal e da Vila da Ponte que se acometiam, naquela sua inveterada rixa de povos fronteiriços e forçudos. Emborcando tarimbas do negócio e trilhando os dorminhões, acossado pelo estreloiçar dos paus, o poviléu varreu às bandas.

Glorinhas e a Zabana meteram para a porta do santuário, em que uma onda medrosa se atropelava. A espaldas delas, retiniam pragas, gemidos e gritos de aqui-d’el-rei. Mas acudia a tropa e os desordeiros tresmalhavam a pés de cavalo. Curioso, o povo refluía sobre o lugar da refrega, que durara o tempo dum credo. Escabujava no chão homem ferido, se não morto, e vozes de mulher gemiam, testemunhando a justiça do céu e da terra. (…) (Página 257) »

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