Livro: O Malhadinhas: diferenças entre revisões
| (Há 33 edições intermédias do mesmo utilizador que não estão a ser apresentadas) | |||
| Linha 10: | Linha 10: | ||
== Sobre == | == Sobre == | ||
* '''Autor:''' Aquilino Ribeiro | * '''Relevância: ''' ★★☆ | ||
* '''Título:''' O Malhadinhas | |||
* '''Autor:''' Aquilino Ribeiro (1885-1963) | |||
* '''Publicação:''' 1ª publicação na Coletânea ''A Estrada de Santiago'', em 1922 | * '''Publicação:''' 1ª publicação na Coletânea ''A Estrada de Santiago'', em 1922 | ||
... | Inicialmente incluído em Estrada de Santiago (1922), '''''O Malhadinhas''''' acabaria por se tornar numa das mais conhecidas obras de ''Aquilino Ribeiro'' quando foi publicado em volume autónomo em 1958 (o autor acrescentar-lhe-ia a novela Mina de Diamantes). Em forma de monólogo, a obra conta-nos a história de um almocreve, ''[[o Malhadinhas]]'', um serrano rústico, grosseiro e matreiro, que não tem quaisquer problemas em usar a «faquinha» que traz à cintura para corrigir o que entende por injusto. Defendendo-se à navalhada e golpes de pau (e por vezes a tiro) dos inimigos com que se vai deparando ao longo dos caminhos e da vida, ''O Malhadinhas'' presenteia-nos com uma série de episódios picarescos, num tom coloquial repleto de expressões idiomáticas, trazendo-nos o retrato de um Portugal esquecido. | ||
== Interpretação analítica == | |||
O artigo "[[Doc: Turismo Cultural - Património Literário Português do Jogo do Pau na oferta de novas experiências turísticas|Turismo Cultural - Património Literário Português do Jogo do Pau na oferta de novas experiências turísticas]]" dá-nos uma análise literária do Jogo do Pau português, reunindo um corpus de quatro romances que melhor retratam esta arte tradicional e o contexto sociocultural em que se desenvolveu. Através de uma abordagem analítica e interpretativa, o estudo procura identificar de que forma a literatura portuguesa representou o universo rural, as práticas de defesa e as expressões simbólicas associadas ao Jogo do Pau, evidenciando o seu valor enquanto património imaterial e elemento identitário da cultura popular. | |||
'''Aquilino Ribeiro(1958), Bertrand Editora, 1ª edição: Setembro 2011, Malhadinhas capítulos: Capítulo 2, pág. 31 até 33.''' | |||
Aquilino Ribeiro nasceu na Beira Alta, concelho de Sernancelhe, em 1885, e morreu em Lisboa, em 1963. Em setembro de 2007, por votação geral da Assembleia da República, o seu corpo foi conservado no Panteão Nacional. | |||
O Malhadinhas foi uma das mais conhecidas obras de Aquilino Ribeiro. Em forma de monólogo, a obra conta-nos a história de um almocreve, o Malhadinhas, oriundo de profundas serras, que, pela descrição, nos transporta até à Beira Alta. Matreiro, sem problemas em usar a «faquinha» que traz sempre consigo, defende-se à navalhada e a golpes de pau dos inimigos com que se vai deparando ao longo dos caminhos e da vida. | |||
O Malhadinhas transporta-nos a um Portugal quase esquecido, nas suas vivências, sociabilidades e tradições, dentre as quais o Jogo do Pau (Ribeiro, 2011). | |||
“A ensarilhar a racha com tanta gana e fantasia que nem doido varrido a perseguir mosquitos à paulada. E, com grande alarde, desafiava o mais pintado para o jogo do pau, a perder ou ganhar uma moeda. (...) — Isto é um varredor de feiras temível. Está para nascer o primeiro que lhe faça sombra.” (Ribeiro, 2011: pp. 31) | |||
“— Pois seja lá como quiser. Tem um pau? — Tenho um pau. (...) O pau dele era um nadinha mais alto que o meu, o meu um pouco mais grosso que o dele, segunda desvantagem nisto de florear gentilezas. Mas tão-pouco aceitei se tirassem à sorte os paus ou se igualassem, arranjando outros ou cortando no maior. Riscou campo o valentão, por prosápia, que tal não é de moda, e logo se plantou em posição de parar, pau a escorregar para a perna esquerda, mãos à devida altura.” (Ribeiro, 2011: pp. 32–33) | |||
== Excertos da obra == | == Excertos da obra == | ||
Segundo o livro, [[O Malhadinhas]] foi discípulo do Chico Pedreiro, de Ermesinde (que, diz-se, com o pau parava as pedradas que dois homens lhe atiravam). | |||
{| class="wikitable" style="text-align: left;" | |||
|- | |||
| | |||
« | |||
E Deus fale na alma do Chico Pedreiro, de Ermesinde, que veio da sua terra para a nossa erguer paredes e, começava eu a espigar, ia para trás do cemitério ensinar-me a jogar o pau! Apanhei muita negra nas mäos e nos braços, mas, honra lhe seja, aprendi o manejo todo. | |||
Graças a ele e à presença de Rita, que me incutia vontade de ser homem, pude varrer aquela desfeita com brio! O Chico Pedreiro era a alma | |||
dum jogador! Dois homens a atirar-lhe pedras, as pedras a choverem umas atrás das outras por cima dele, e ele parava-as só com o pau. | |||
» | |||
|- | |||
|} | |||
Mas, também nos diz que teve como mestre o maior jogador do Minho. Seria a tecnica Minhota, ou do Porto e o mestre andava a varrer feiras no Minho? | |||
{| class="wikitable" style="text-align: left;" | |||
|- | |||
| | |||
« | |||
E, notei, täo imprevisto lhe era que, se quisesse aos primeiros passes despachá-lo com uma pontoada, fazia-o täo certo como ter sido meu mestre nesta arte o maior jogador do Minho. Já os olhos de Rita se alegravam e me pareciam estorninhos a saltaricar num jardim. (...) | |||
» | |||
|- | |||
|} | |||
Defendendo-se à navalhada e golpes de pau (e por vezes a tiro) dos inimigos com que se foi deparando ao longo dos caminhos e da vida, Malhadinhas confessa: | Defendendo-se à navalhada e golpes de pau (e por vezes a tiro) dos inimigos com que se foi deparando ao longo dos caminhos e da vida, Malhadinhas confessa: | ||
| Linha 34: | Linha 77: | ||
Iniciado o jogo entre os dois, rodeados pela população, Malhadinhas conta, segundo as palavras de Aquilino: | Iniciado o jogo entre os dois, rodeados pela população, Malhadinhas conta, segundo as palavras de Aquilino: | ||
<ref>LOPES, Paulo, O Jogo do Pau Português, 5livros, 2020</ref> | <ref>LOPES, Paulo, ''O Jogo do Pau Português'', 5livros, 2020 ([[Livro: O Jogo do Pau Português (a arte marcial portuguesa com séculos de prática)|sobre o livro]])</ref> | ||
{| class="wikitable" style="text-align: left;" | {| class="wikitable" style="text-align: left;" | ||
| Linha 67: | Linha 110: | ||
|- | |- | ||
|} | |} | ||
== Galeria de imagens == | == Galeria de imagens == | ||
* Ilustrações para O Malhadinhas de «Bernardo Marques» | * Ilustrações para O Malhadinhas de «Bernardo Marques»<ref>Ilustrações para o Malhadinhas no [https://gulbenkian.pt/museu/works_cam/ilustracoes-para-o-malhadinhas-142802/ Museu Calouste Gulbenkian]</ref> | ||
<gallery mode="traditional" | <gallery mode="traditional"> | ||
Image:Ilustração_malhadinhas_1.jpg | Image:Ilustração_malhadinhas_1.jpg | ||
Image:Ilustração_malhadinhas_2.jpg | Image:Ilustração_malhadinhas_2.jpg | ||
Image:Ilustração_malhadinhas_3.jpg | |||
Image:Ilustração_malhadinhas_4.jpg | |||
</gallery> | </gallery> | ||
* Outras imagens | |||
<gallery mode="traditional"> | |||
Image: Capa_livro_o_malhadinhas.jpg|Capa de livro (1958) com dois jogadores | |||
</gallery> | |||
== Ver também == | == Ver também == | ||
* [[O Malhadinhas|Quem era o Malhadinhas ou António da Rocha Malhada]] | |||
* Consulte toda a [[Bibliografia]] | * Consulte toda a [[Bibliografia]] | ||
== Links externos == | == Links externos == | ||
* [https://pt.wikipedia.org/wiki/ | |||
* [https://pt.wikipedia.org/wiki/Aquilino_Ribeiro Aquilino Ribeiro – Wikipédia] | |||
* [https://www.google.com/search?q=livro+o+malhadinhas&tbm=shop Consulte no ''Google'' onde pode comprar este livro] | |||
* [https://jogodopau.wiki/images/9/9d/Etnografia_de_AquilinoRibeiro.pdf Etnografia de Aquilino Ribeiro por ''José Manuel Sobral''] | |||
== Referências == | |||
Edição atual desde as 11h32min de 19 de outubro de 2025
Sobre
- Relevância: ★★☆
- Título: O Malhadinhas
- Autor: Aquilino Ribeiro (1885-1963)
- Publicação: 1ª publicação na Coletânea A Estrada de Santiago, em 1922
Inicialmente incluído em Estrada de Santiago (1922), O Malhadinhas acabaria por se tornar numa das mais conhecidas obras de Aquilino Ribeiro quando foi publicado em volume autónomo em 1958 (o autor acrescentar-lhe-ia a novela Mina de Diamantes). Em forma de monólogo, a obra conta-nos a história de um almocreve, o Malhadinhas, um serrano rústico, grosseiro e matreiro, que não tem quaisquer problemas em usar a «faquinha» que traz à cintura para corrigir o que entende por injusto. Defendendo-se à navalhada e golpes de pau (e por vezes a tiro) dos inimigos com que se vai deparando ao longo dos caminhos e da vida, O Malhadinhas presenteia-nos com uma série de episódios picarescos, num tom coloquial repleto de expressões idiomáticas, trazendo-nos o retrato de um Portugal esquecido.
Interpretação analítica
O artigo "Turismo Cultural - Património Literário Português do Jogo do Pau na oferta de novas experiências turísticas" dá-nos uma análise literária do Jogo do Pau português, reunindo um corpus de quatro romances que melhor retratam esta arte tradicional e o contexto sociocultural em que se desenvolveu. Através de uma abordagem analítica e interpretativa, o estudo procura identificar de que forma a literatura portuguesa representou o universo rural, as práticas de defesa e as expressões simbólicas associadas ao Jogo do Pau, evidenciando o seu valor enquanto património imaterial e elemento identitário da cultura popular.
Aquilino Ribeiro(1958), Bertrand Editora, 1ª edição: Setembro 2011, Malhadinhas capítulos: Capítulo 2, pág. 31 até 33.
Aquilino Ribeiro nasceu na Beira Alta, concelho de Sernancelhe, em 1885, e morreu em Lisboa, em 1963. Em setembro de 2007, por votação geral da Assembleia da República, o seu corpo foi conservado no Panteão Nacional.
O Malhadinhas foi uma das mais conhecidas obras de Aquilino Ribeiro. Em forma de monólogo, a obra conta-nos a história de um almocreve, o Malhadinhas, oriundo de profundas serras, que, pela descrição, nos transporta até à Beira Alta. Matreiro, sem problemas em usar a «faquinha» que traz sempre consigo, defende-se à navalhada e a golpes de pau dos inimigos com que se vai deparando ao longo dos caminhos e da vida.
O Malhadinhas transporta-nos a um Portugal quase esquecido, nas suas vivências, sociabilidades e tradições, dentre as quais o Jogo do Pau (Ribeiro, 2011).
“A ensarilhar a racha com tanta gana e fantasia que nem doido varrido a perseguir mosquitos à paulada. E, com grande alarde, desafiava o mais pintado para o jogo do pau, a perder ou ganhar uma moeda. (...) — Isto é um varredor de feiras temível. Está para nascer o primeiro que lhe faça sombra.” (Ribeiro, 2011: pp. 31) “— Pois seja lá como quiser. Tem um pau? — Tenho um pau. (...) O pau dele era um nadinha mais alto que o meu, o meu um pouco mais grosso que o dele, segunda desvantagem nisto de florear gentilezas. Mas tão-pouco aceitei se tirassem à sorte os paus ou se igualassem, arranjando outros ou cortando no maior. Riscou campo o valentão, por prosápia, que tal não é de moda, e logo se plantou em posição de parar, pau a escorregar para a perna esquerda, mãos à devida altura.” (Ribeiro, 2011: pp. 32–33)
Excertos da obra
Segundo o livro, O Malhadinhas foi discípulo do Chico Pedreiro, de Ermesinde (que, diz-se, com o pau parava as pedradas que dois homens lhe atiravam).
|
« E Deus fale na alma do Chico Pedreiro, de Ermesinde, que veio da sua terra para a nossa erguer paredes e, começava eu a espigar, ia para trás do cemitério ensinar-me a jogar o pau! Apanhei muita negra nas mäos e nos braços, mas, honra lhe seja, aprendi o manejo todo. Graças a ele e à presença de Rita, que me incutia vontade de ser homem, pude varrer aquela desfeita com brio! O Chico Pedreiro era a alma dum jogador! Dois homens a atirar-lhe pedras, as pedras a choverem umas atrás das outras por cima dele, e ele parava-as só com o pau. » |
Mas, também nos diz que teve como mestre o maior jogador do Minho. Seria a tecnica Minhota, ou do Porto e o mestre andava a varrer feiras no Minho?
|
« E, notei, täo imprevisto lhe era que, se quisesse aos primeiros passes despachá-lo com uma pontoada, fazia-o täo certo como ter sido meu mestre nesta arte o maior jogador do Minho. Já os olhos de Rita se alegravam e me pareciam estorninhos a saltaricar num jardim. (...) » |
Defendendo-se à navalhada e golpes de pau (e por vezes a tiro) dos inimigos com que se foi deparando ao longo dos caminhos e da vida, Malhadinhas confessa:
|
« O Pau defendia-me de cão, de malta frente a frente, mas para jogos de falsa fé e pessoas de mau sentido não havia como uma faquinha. » |
Um dos episódios mais emblemáticos de Malhadinhas, passa-se em Santa Eulália, quando este se vê confrontado com um jogador de pau local, descrito como «(..) um varredor de feiras temível. Está para nascer o primeiro que lhe faça sombra.».
O desafiante aposta uma moeda de ouro de D. João V - que Malhadinhas dispensa caso ganhe, mas que a paga em dinheiro o seu valor caso perca – e, agarrando ao seu lódão (varapau de lódão), pede a Rita uma faca, uma navalhinha como diz, porque o intuito não será fazer mal…
Iniciado o jogo entre os dois, rodeados pela população, Malhadinhas conta, segundo as palavras de Aquilino: [1]
|
« (…) e à voz: é uma! é duas! é três! Só armei para receber o pimpão que caía sobre mim de pancada alta. Varri o golpe e, a tentear-lhe o manejo, comecei a parar com brandura, como a medo.(…) Tau-tau, a defender-se duma pancada ao ombro, facilitou-se-me pular-lhe ao peito, e limpei-lhe o primeiro botão, o rei. Foi tão rápido que ninguém reparou e mal me deu tempo para varrer a resposta que me mandava à cabeça.(…) Dois botões, capitão e soldado, foram à viola, um a seguir do outro, tão calados e cerces como o primeiro. E, racha contra racha, continuámos estre-loiçando.(…) (…) quando o pau dele, vergastado pelo meu, rodou por largo e desceu adormecido, que degolei o meu quarto botão, o ladrão. E obra com asseio; ninguém viu, como aliás suceda das outras vezes. O colete tinha cinco botões, faltava-me o último, o segundo rei. (…) E eu pude rematar a partida, ripando-lhe o último botão, com mais mandinga e disfarce que no jogo da vermelhinha. - Bastará? – pronunciei eu, plantando-me em meia defesa. O homem aprumou o pau, encostando-se a ele, pôs-se a limpar o suor da testa. » |
Quando o povo berra e felicita ambos os jogadores, não havendo vencedor, nem vencido, Malhadinhas interrompe:
|
« - Alto lá! – brandei. – Há vencedor e vencido, se é que não morreu o Direito em Portugal. Olhem bem! Afirmavam-se todos para mim, afirmavam-se depois para ele e não percebiam. - Abotoe lá o colete, camarada! – tornei eu para o mata-sete. – Abotoe-o que se lhe desabotoou. Está suado e pode apanhar uma pneumonia…
O fanfarrão ia fazer o que eu lhe indicara e, como pelo facto não encontrasse os botões, procurou-os com a vista.(…) Ficaram todos suspensos quando vieram ao entendimento completo da façanha. » |
Galeria de imagens
- Ilustrações para O Malhadinhas de «Bernardo Marques»[2]
- Outras imagens
Ver também
- Quem era o Malhadinhas ou António da Rocha Malhada
- Consulte toda a Bibliografia
Links externos
- Aquilino Ribeiro – Wikipédia
- Consulte no Google onde pode comprar este livro
- Etnografia de Aquilino Ribeiro por José Manuel Sobral
Referências
- ↑ LOPES, Paulo, O Jogo do Pau Português, 5livros, 2020 (sobre o livro)
- ↑ Ilustrações para o Malhadinhas no Museu Calouste Gulbenkian