Brites de Almeida

Fonte: Jogo do Pau Português
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Sobre

Brites de Almeida ou Beatriz de Almeida teria nascido em Faro, no ano de 1350, num seio familiar humilde. Consta que em criança já era alta, corpulenta, “feia” e muito forte, algo masculina. Resolvia tudo com violência e teria 6 dedos em cada mão, um verdadeiro virago de olhos muito pequenos, donde lhe veio a alcunha de Pisqueira.

Aprendeu a manejar a espada e o pau com tal mestria que depressa alcançou fama de valente.

Apesar da sua terrível reputação, houve um soldado que, encantado pela sua valentia, a procurou e lhe propôs casamento. Brites, que não pretendia perder a sua independência, impôs-lhe a condição de lutarem antes do casamento. Ferindo-o de morte como resultado. Com receio da justiça, Brites fugiu para Castela de barco, o qual foi capturado por piratas mouros, tendo Brites acabado por ser vendida como escrava. Mais tarde, com ajuda de dois outros escravos portugueses, conseguiu fugir para Portugal.

Já em Aljubarrota, Brites tinha trinta e cinco anos quando se deu a batalha. Quando os soldados castelhanos, na sua fuga desordenada, passaram pela povoação de Aljubarrota e neste transe Brites empunhando a sua pá, matou uns soldados e perseguiu outros . Segundo outros historiadores, os sete castelhanos que ela matou estavam escondidos dentro do seu forno. [1]


Publicações onde é citada

« Dona Brites de Almeida era natural de Faro e filha de pais laboriosos e humildes. Desde muito criança denunciou o seu génio irascível e de certa forma desordeiro, só pensando em esgrimir no jogo de pau. Desafiando toda a gente saía quase sempre vencedora. Tendo ficado orfã, aos 26 anos vendeu a casinha que herdara em Loulé, onde a família vivia é empregou-se no negócio de gado. Andava então de feira em feira, sempre de varapau em punho. Raras vezes deixava de ter questões com aqueles com quem tratava, acabando nestas contendas por quebrar cabeças e causar muitos distúrbios. O seu valor começou a divulgar-se e a criar fama e um soldado alentejano entusiasmou-se e falou-lhe em casamento. Brites de Almeida declarou então ao pretendente, que só poderia realizar-se o enlace conjugal depois de brigarem ambos, e no caso dela ficar vencida. O alentejano aceitou a proposta, e marcou-se dia e local para a luta. O resultado foi a morte do soldado, tendo Brites de fugir à justiça. Tentando sair do Reino para Espanha, zarpou de Faro, sozinha, numa lancha, mas acabou por ser feita pristoneira por uns piratas argelinos que corsavam as nossas costas em busca de presas fáceis. Acabou por ser vendida a um mouro corpolento que já tinha dois cativos portugueses. Pensando em recuperar a liberdade, combinou com os dois companheiros de escravidão o assassínio do mouro seu senhor, para em seguida fugirem para Portugal. Dito e feito. Dona Brites voltou a terras lusas, separan- do-se depois dos seus companheiros. Receando ser ainda perseguida pela morte do alentejano, disfarçou-se com roupas de homem e exerceu, durante muito tempo, a profissão de almocreve. Mas o seu génio sempre a acompanhou e depois de matar um outro almocreve, acabou por ser presa e metida nas masmorras de Lisboa. Não se sabe como conseguiu sair da prisão e se fez a caminho de Aljubarrota, onde tomou o lugar de ajudante numa padaria. A padeira caiu doente. Aparecendo um dia morta, Dona Brites ficou proprietária da padaria. Chegou o dia da batalha (14 de Agosto de 1385) e o povo da vila e das cercanias assistia nos pontos mais elevados àquela luta e folgava vendo a derrota dos castelhanos, porque desta dependia a nossa independên- cia. Os inimigos puseram-se em fuga, mas o povo precipitou-se sobre cles, e poucos escaparam à sua ferocidade. Dona Brites capitancava um troço de populares. Armada com a pá do forno, não houve castelhano que se lhe aproximasse, que não perdesse a vida. Diz a tradição que a valorosa padeira, ao cair da noite, encontrara escondidos no forno, que já estava apagado, sete castelhanos que assim tentavam escapar à fúria da populaça. Não escaparam porém à pá da padeira de Aljubarrota, que os matou um a um.

E o que nos dizem os nossos historiadores mas sempre acrescentando, à cautela: “assim reza a história”. Na Catalunha conta-se a mesma história de uma padeira catalã que matou sete castelhanos. »
Rainer Daehnhardt, "Mulheres de Armas e Coragem", Lisboa, 1999, pp 41-42 (Ler o livro online no archive.org)

Duelo de Brites de Almeida com o soldado:

«(…) puxando para baixo a túnica manchada, respirou fundo e desafiou-o:
- Queríeis casar comigo, soldado besteiro?
- Não quero eu outra coisa, mulher, pois que percorri muitas léguas para vos encontrar.
- Um desafio, Brites de Almeida?
- Uma justa a pé. Constou-me que sois um valente soldado! – disse ela, alcançando a espada que deixara por terra e erguendo-a no ar.
- Não serei capaz de disputar convosco senão o jogo do pau.
- Seja! – concordou, confiante, afastando os cabelos. – Olhando para vós, não me pareceis homem que desista sem que sequer haja tentado. Seja tal qual desejais. Se vencerdes, casarei convosco, conceder-vos-ei a minha virgindade. Mas tal como vos disse e repito, só o farei se me vencerdes.
Podeis confiar na minha palavra.
O soldado encolheu os ombros e ajeitou o saio, sabendo que, ao pau, ninguém o batia. Brites caíra na armadilha.
- Como sei que no jogo do pau o homem leva sempre a melhor, estou certo de que em breve sereis minha mulher.
- Veremos quem maneja melhor o pau. Se vós, com a vossa macheza, se eu com a minha dúzia de dedos. (…)

Alcançando dois varapaus de marmeleiro, com cerca de jarda e meia, que o mestre ali tinha e experimentando-lhes a resistência com o joelho, Brites cuspiu nas mãos para melhor agarrar na arma e encarou o homem.(…)

A necessidade que lhe aguçava a força e o engenho faziam com que crescesse e recuasse de forma célere e nunca vista, fletindo as pernas e fazendo rodar o pau em desenvoltos sarilhos. Tão hábil no manejo do pau como no da espada, baixou o pau e, numa pancada arrepiada, ceifou-lhe parte dos dentes, que tombaram no chão envoltos num fio de sangue.
- Ah, cão, que não sabeis com quem vos meteis! – trovejou Brites.
O homem cambaleou e falhou a defesa, mostrando-se vulnerável a novo ataque. Brites não deixou escapar a ocasião. Movida por uma força que desconhecia, desferiu-lhe uma sucessão de golpes em rotação, para depois, numa soberba bordoada, o atingir no peito, ao que o soldado caiu para trás, desamparado. (…) voltou atrás e encarou a multidão:
- Cuidai do homem, não vedes que está ferido?!
- Não está ferido, Brites – disse-lhe o mestre com a voz excessivamente grave. – Está morto. (…)
- Maus fados te esperam, pois que mataste o pobre soldado. É bom que fujas (…) Corre o mais depressa que as tuas poderosas gâmbias o permitam e não tornes mais a esta terra!
Maria João Lopo de Carvalho, “Padeira de Aljubarrota”, Oficina do Livro, 2013

Fr. Francisco Brandão, no ano de 1642. isto é, dois séculos e meio depois da batalha, diz-nos como era a pá de Brites de Almeida:

«(…) fez tirar um sumário de testemunhas na vila de Aljubarrota em que juraram as pessoas mais antigas daqueles sítios e de qual consta ter-se aí conservado inalterável a tradição daquele sucesso, guardando-se a pá nos Paços do Concelho, a qual era de ferro com um cabo mais moderno de pau »
Alexandre Herculano, “Lendas e Narrativas”, 1851

Ver também

Links externos

Referências

  1. LOPES, Paulo, O Jogo do Pau Português, 5livros, 2020 (sobre o livro)