Livro: A Triste Canção do Sul: diferenças entre revisões

Fonte: Jogo do Pau Português
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Sou saloio, honro-me d'isso,
Sou saloio, honro-me d'isso,<br>
P'ra casacas não sou mau;
P'ra casacas não sou mau;<br>
Os janotas atrevidos
Os janotas atrevidos<br>
'''''Sei correr a varapau.''''''
'''''Sei correr a varapau.''''''<br>


Que andamos no ramerrão
Que andamos no ramerrão<br>
Dizem lá os de Lisboa;
Dizem lá os de Lisboa;<br>
Porém entre nós já sôa
Porém entre nós já sôa<br>
O brado da illustração:
O brado da illustração:<br>
Escolas já cá estão
Escolas já cá estão<br>
Fazendo bello serviço;
Fazendo bello serviço;<br>
Eu cá já lenho toutiço
Eu cá já lenho toutiço<br>
Para entender os jornaes,
Para entender os jornaes,<br>
Tenho ideias liberaes,
Tenho ideias liberaes,<br>
Sou saloio, honro-me d'isso.
Sou saloio, honro-me d'isso.<br>


Aos comícios vou tambem
Aos comícios vou tambem<br>
E lá sei fallar em barda
E lá sei fallar em barda<br>
Contra quem mo põe albarda,
Contra quem mo põe albarda,<br>
E nos deixa sem vintém:
E nos deixa sem vintém:<br>
É certo que não vou bem
É certo que não vou bem<br>
Com quem se me faz marau;
Com quem se me faz marau;<br>
Mas jamais corro a calhau
Mas jamais corro a calhau<br>
Quem me sabe respeitar;
Quem me sabe respeitar;<br>
Se não vêem cá namorar
Se não vêem cá namorar<br>
''P'ra casacas não sou mau.''
''P'ra casacas não sou mau.''<br>


P'r' as madamas que cá vêem
P'r' as madamas que cá vêem<br>
Com o fim de tomar ares,
Com o fim de tomar ares,<br>
Temos modos singulares
Temos modos singulares<br>
E attenções como ninguém;
E attenções como ninguém;<br>
Nós cantamos muito bem
Nós cantamos muito bem<br>
Os doces fados corridos;
Os doces fados corridos;<br>
D'amor mil versos sentidos
D'amor mil versos sentidos<br>
Sabemos improvisar.
Sabemos improvisar.<br>
E com elles castigar
E com elles castigar<br>
''Os janotas'' atrevidos.
''Os janotas'' atrevidos.<br>


E saiba qualquer senhor
E saiba qualquer senhor<br>
Que eu, saloio esperto e girio,
Que eu, saloio esperto e girio,<br>
Não soffro manguem co'o eirio
Não soffro manguem co'o eirio<br>
A que tenho tanto amor:
A que tenho tanto amor:<br>
Se vem com ar zombador
Se vem com ar zombador<br>
Algum janota marau~
Algum janota marau<br>
Fazer o serviço mau
Fazer o serviço mau<br>
De quem a crença me ataca,
De quem a crença me ataca,<br>
Verá como eu um casaca
Verá como eu um casaca<br>
'''''Sei correr a varapau'''''
'''''Sei correr a varapau'''''<br>
<small>(pp.124-125)</small>
<small>(pp.124-125)</small>
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Revisão das 12h02min de 20 de março de 2021

capa do livro

Sobre

  • Autor: Alberto Pimentel
  • Publicação: Lisboa: Livraria Central de Gomes de Carvalho, 1904
  • Formato: 320 páginas


1904. Lisboa agitava-se com o Ultimato Inglês e com a polémica dos adiantamentos à Casa Real.

Na rua, as manifestações e a cultura popular misturavam-se, dando origem às letras anarco-sindicalistas no meio fadísticos.

No ano anterior, a História do Fado tinha saído para as estantes, à qual se seguiu A Triste Canção do Sul.

Desta vez foi o historiador académico que ganhou ao jornalista: Pimentel valorizou as citações de outros autores em detrimento da vivacidade do estilo e da narrativa de Pinto de Carvalho. [1]

Excertos da obra

O historiador relata uma história de dois jogadores de pau, o Conde de Vimioso e o seu amigo João Nunes Vizeu:

« (...)as classes populares adoravam o Conde de Vimioso, que as tratava sem preoccupaçoes hierarchicas, e que se distinguia pela exteriorisação de qualidades que muito deslumbram o critério pouco intellectual do povo: a valentia, a coragem, o primor da guitarra e do toureio.(...)

Foi por occasião da feira do Campo Grande.
Dois valentões da província tinham se postado junto ao portão de ferro, que então limitava o Campo Gran- de pelo lado do Lumiar, e não deixavam entrar nem sair ninguém.

A que distancia já ficam hoje estas bravas tunantadas portuguezas, e que mal se podem comprehender agora!

Raça de Hercules, no acerto ou na loucura, quebra- mos: agora estamos a pedir funda. O povo levantou celeuma contra os dois pimpões, mas não ouzava affrontalos, porque algum saloio que investia, recuava ganindo, deslombado.

Com o Conde de Vimioso estavam almoçando n'essa occasião o sr. Miguel Queriol e João Nunes Vizeu. Ouviram o borborinho que vinha da alameda, informaram-se da occorrencia, e não tiveram um momento de hesitação.

Narra o sr. Queriol, sem faltar de si mesmo, mas certamente que não deixou de molhar a sua sopa, porque era muito desembaraçado :

« O conde de Vimioso e José Vizeu apenas tiveram tempo de cada um se munir de bons cajados de marmaleiro, e fazendo frente aos dois varredores de feiras os levaram a tombos até junto da feira, onde os soldados municipaes os receberam contusos e confusos da má sorte que em Lisboa veio offuscar a sua valentia provinciana.»

Todos estes predicados davam prestigio, faziam lenda ao conde no conceito popular. Pode imaginar se a ovação de que elle seria alvo n'aquella manhã do Campo Grande, quando varreu os dois alcides que varriam a feira. (p.173) »

Fado Saloio:

« Sou saloio, honro-me d'isso,
P'ra casacas não sou mau;
Os janotas atrevidos
Sei correr a varapau.'

Que andamos no ramerrão
Dizem lá os de Lisboa;
Porém entre nós já sôa
O brado da illustração:
Escolas já cá estão
Fazendo bello serviço;
Eu cá já lenho toutiço
Para entender os jornaes,
Tenho ideias liberaes,
Sou saloio, honro-me d'isso.

Aos comícios vou tambem
E lá sei fallar em barda
Contra quem mo põe albarda,
E nos deixa sem vintém:
É certo que não vou bem
Com quem se me faz marau;
Mas jamais corro a calhau
Quem me sabe respeitar;
Se não vêem cá namorar
P'ra casacas não sou mau.

P'r' as madamas que cá vêem
Com o fim de tomar ares,
Temos modos singulares
E attenções como ninguém;
Nós cantamos muito bem
Os doces fados corridos;
D'amor mil versos sentidos
Sabemos improvisar.
E com elles castigar
Os janotas atrevidos.

E saiba qualquer senhor
Que eu, saloio esperto e girio,
Não soffro manguem co'o eirio
A que tenho tanto amor:
Se vem com ar zombador
Algum janota marau
Fazer o serviço mau
De quem a crença me ataca,
Verá como eu um casaca
Sei correr a varapau
(pp.124-125) »

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Ver também

Referências

  1. Sinopse feita pela livraria Wook