Livro: Almanaque Bertrand 1952

Fonte: Jogo do Pau Português
capa do livro

Sobre

  • Relevância: ★★☆
  • Título: Almanaque Bertrand 1952
  • Autor: M. Fernandes Costa
  • Publicação: Livraria Bertrand Editora Brasil Améroca, Lisboa 1952


O Almanaque Bertrand foi uma edição anual durante grande parte do século XX, tendo sido publicado anualmente de 1900 a 1971. Após um intervalo de 40 anos, voltou a ser publicado em 2011.

Nas suas páginas podemos ver as sugestões de livros, mapas mundo, ler crónicas, histórias poemas, contos; fazer passatempos e consultar calendários.[1]

O texto do excerto apresentado, foi escrito por José Maria Gaspar.

Resumo do excerto da obra

O excerto descreve a atmosfera de uma romaria em Portugal, destacando as danças, rifas e desafios após a procissão. O autor enfatiza o clima de amor e embriaguez que envolve o evento, com arrulhos e transbordamento de vinho e emoções. O texto também destaca os conflitos que surgem durante a festa, incluindo um confronto entre moradores de duas cidades vizinhas e um roubo. O autor lamenta a falta de tais festividades hoje em dia, com as romarias modernas sendo menos animadas e mais medicinais. Porém, o autor celebra a persistência do amor heróico português, que é solidário com todos os povos e todos os séculos.

Excerto da obra

« (...)

Depois da procissão, que passara num recolhimento impressionante, rompiam as danças, as rifas, os desafios e… arrulhavam os namoros cheios de pó e ilusões — estômago e coração a transbordar de vinho e amor.

Um cantador que aludiu a um namoro… Não se sabe! Talvez. Um miúdo que roubou um púcaro duma tenda. Correrias, fritos, empurrões, “sarrabulho”; e um valente de Presa garante que o ladrão é da Portela “que é terra de ladroeira”. O que foste tu dizer! Um da Portela, que ouvira, dá o tom com uma valente cacetada: Pá… á! E começava então verdadeiramente o arraial… Cruzavam-se cacetes da Presa com os varapaus da Portela. As mulheres insultavam-se fritando, empurravam-se, descompunham-se… enquanto a refrega masculina continuava acesa, movimentada, quase sem palavra, numa cadência trágica de cacetadas, vivas e um ou outro gemido prolongado dum corpo que se estende.

Que poético, meus senhores! Que lírico e bucólico panorama! Dava a impressão de que ficaria tudo raso. Desapareceram tendas, mutilaram-se coretos, evacuou-se o largo. Pelos caminhos convergiam lentamente os ranchos — cabeças atadas… e novas cantigas e novos ditos espirituosos e comentários… e o regresso a casa.

Cansados, exaustos poeirosos, amachucados, aproximam-se das suas casas. Donde vens?, perguntava-se. Venho da festa!, respondia-se. E divertiram-se? Eh! isso é que foi! Bordoada de criar bicho, cacetada a rodos… mas ninguém morreu. E o barbeiro da terra tinha ainda que fazer para muitos dias, a encanar ossos e a dar pontos artificiais.

Mas que romarias, que heróicas romarias do amor antigo! Quando hoje se vai e vem de camioneta às nossas romarias, de cachopas empoadas e quase despidas, de farnéis-dieta e águas medicinais, há que ter saudades das velhas romarias buliçosas do Portugal romeiro.

Voltamos das primeiras romarias deste ano e sentimos, em tudo, que a Humanidade sofre, que o género humano está doente e que muita razão teve o episcopado Português em reprimir certos arraiais, certos divertimentos cujo espectáculo talvez ainda nos deixe saudades, mas cuja oportunidade — não há dúvida — deixou tetricamente de verificar-se. Somos solidários com os sofrimentos alheios. Por outro lado, fiquemos descansados, continua ainda e sempre a romaria eterna do amor, a romaria heróica do amor português — amor de Deus e dos homens — solidário com todos os povos e todos os séculos.

Bendita a romaria heróica dum amor assim! »

Ver também