Livro: José do Telhado: diferenças entre revisões
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Esta obra sobre o mais célebre salteador português surge após anos de pesquisa, consultando documentos no Arquivo Distrital do Porto, no Tribunal da Relação do Porto e na Biblioteca Nacional. O Autor deslocou-se recentemente, por várias vezes, ao local dos acontecimentos, na região dos vales do Tâmega e Sousa: Amarante, Marco, Penafiel, Lousada, Felgueiras e Paredes. O José do Telhado fez muitos assaltos, mas também ajudava muita gente pobre e era por vezes protegido mesmo por casas ricas. Tudo isto, que se situa num campo social e revelador da pobreza existente, incomodava muito os governantes e os grandes senhores. Para todos os leitores, é interessante verificar como o José do Telhado organizou a sua quadrilha e como executou cada assalto. Finalmente, foi julgado, mas o processo do julgamento desapareceu quase logo a seguir, o que criou grandes suspeitas quanto ao modo como esse julgamento se fez. Em Malange, Angola, onde se encontrava degredado, foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas negros. Quando faleceu, os negros construíram uma espécie de mausoléu na sua sepultura e, muitos anos depois, ainda lhe faziam romagens de veneração tal foi a sua fama de homem severo mas bondoso e sempre pronto a ajudar os mais necessitados. O livro inclui muitas fotografias, algumas inéditas, desde fotografias antigas da época, e outras actuais, além de certidões de nascimento e casamento. | Esta obra sobre o mais célebre salteador português surge após anos de pesquisa, consultando documentos no Arquivo Distrital do Porto, no Tribunal da Relação do Porto e na Biblioteca Nacional. O Autor deslocou-se recentemente, por várias vezes, ao local dos acontecimentos, na região dos vales do Tâmega e Sousa: Amarante, Marco, Penafiel, Lousada, Felgueiras e Paredes. O José do Telhado fez muitos assaltos, mas também ajudava muita gente pobre e era por vezes protegido mesmo por casas ricas. Tudo isto, que se situa num campo social e revelador da pobreza existente, incomodava muito os governantes e os grandes senhores. Para todos os leitores, é interessante verificar como o José do Telhado organizou a sua quadrilha e como executou cada assalto. Finalmente, foi julgado, mas o processo do julgamento desapareceu quase logo a seguir, o que criou grandes suspeitas quanto ao modo como esse julgamento se fez. Em Malange, Angola, onde se encontrava degredado, foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas negros. Quando faleceu, os negros construíram uma espécie de mausoléu na sua sepultura e, muitos anos depois, ainda lhe faziam romagens de veneração tal foi a sua fama de homem severo mas bondoso e sempre pronto a ajudar os mais necessitados. O livro inclui muitas fotografias, algumas inéditas, desde fotografias antigas da época, e outras actuais, além de certidões de nascimento e casamento. | ||
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== Excerto da obra == | |||
Relato histórico através da tradição oral e escrita, passada na Feira de Vila Meã com o nome de «Entregue esta Burra ao Dono!» (pp. 224-229) | |||
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Nesse dia, a feira estava concorridíssima. Mas era sempre assim. Porque criatura que se prezasse não faltava à feira de Vila Meã. | |||
A feira do gado era forte, e havia a carne de porco a frigir, e havia as provas de vinho, e havia os negócios, e havia as barracas, e os vizinhos todos que tinham vindo. | |||
O José do Telhado, apesar de saber da tenaz perseguição que lhe movia o Administrador de Soalhães/Marco, o Adriano da Casa da Picota, não via nisso razão para faltar a acontecimento de tanta importância. | |||
Pegou no seu '''varapau, companheiro inseparável naqueles acontecimentos''', e pôs-se a caminho. Toda a gente sabia que ele sozinho, com o seu varapau, era capaz de '''varrer uma feira'''. | |||
Chegado a Vila Meã, foi passeando por aqui e por ali, entre as barracas, apreciando o espectáculo. | |||
- Ó Zé, anda cá provar este vinho, que é uma categoria! | |||
Era o seu amigo Romão. | |||
- Com todo o gosto! - respondeu. | |||
Entrou na barraca e abancou à mesa, onde já estavam o Romão e mais dois amigos. | |||
Entretanto, rapidamente se propagara a notícia; | |||
- O José do Telhado está cá na feira! - dizia um. | |||
- Nessa não me fio eu! - objectava um segundo. - Os regedores não o largam. | |||
- Vi-o eu com os meus olhos! - contrapunha um terceiro. - Estava a provar um vinho. E todo janota... parecia um fidalgo! Abancado a beber! Que ele importa-se mesmo com os regedores... | |||
Por todos os cantos da feira, repetia-se com insistência: | |||
- O José do Telhado anda aí! | |||
- O José do Telhado anda aí! | |||
Alguns curiosos tinham-se aproximado do local onde os quatro estavam saboreando a bela pinga. | |||
Porém, o ajuntamento era já muito grande e o José do Telhado começou a desconfiar. | |||
Num grupo de desconhecidos cochichava-se, tramando-se incógnito plano. | |||
Foi nessa ocasião que o Romão quase assoprou ao ouvido do José do Telhado: | |||
- Precata-te, ó Zé, que estão aí os espiões do Administrador! | |||
O José do Telhado levantou-se nas calmas e encarou o ajuntamento. O Romão quis pôr-se a seu lado, mesmo sem varapau, mas ele disse-lhe: | |||
- Deixa comigo! Trato disto sozinho! | |||
Na realidade, havia bastantes homens em atitude agressiva, empunhando varapaus e cajados. | |||
Foram momentos de silêncio e expectativa. | |||
- É dar-lhe! - quebrou uma voz. - É preciso apanhá-lo! Ou vivo ou morto! | |||
- Se for morto, já não incomoda ninguém! - acrescentou um dos parceiros. | |||
Olhando e pensando rápido, o José do Telhado mediu toda a crítica situação em que se encontrava. E percebeu também que os seus inimigos, apesar de tantos, nem mesmo assim se afoitavam muito a avançar o primeiro passo. | |||
Foi isso que ele aproveitou. | |||
Num pulo de felino, colocou-se à entrada da barraca, empunhando o varapau e enfrentando os adversários. | |||
- Então vamos lá! - disse. - Querem-me vivo ou morto? | |||
No jogo do pau era ele exímio, e viessem agora os valentões da Picota. | |||
Fora, na verdade, decisiva a hesitação dos candidatos a agressores, e quando voltaram a si encontraram o temível opositor pronto para a defesa. A quantidade contra um dava-lhes grande vantagem, era certo. Por isso lançaram-se ao ataque. | |||
- É dar-lhe! - incitou de novo uma voz. | |||
Mas o pau do José do Telhado já voltenva no ar, fazendo um '''sarilho''' onde não era fácil penetrar. | |||
Uma, duas, três cabeças partidas. Três homens fora de combate. E o José do Telhado continuava a rodopiar não permitindo que se aproximassem. | |||
Do alto de uma soberba água castanha de pêlo luzidio, um rico lavrador observava divertido com a refrega, e sorria. A determinado momento comentou: | |||
- Vocês são uns valentões! Tantos e não chegam para um homem! | |||
O José do Telhado aparava de um lado, aparava do outro, e ninguém conseguia chegar-se a apertar o cerco. | |||
- Venha lá um de cada vez! - convidou o destemido homem de Sobreira. | |||
Mas eles nem todos juntos logravam romper a roda. | |||
- O homem dá-vos água pela barba! - tornou daí a instantes o lavrador da égua castanha. | |||
E a paulada continuou. | |||
Mais outra cabeça partida. E mais outra. | |||
Porém, o número de agressores aumentara consideravelmente. Já ascenderia à trintena. O José do Telhado apercebeu-se do melindre da situação. Olhou para o lavrador que, do cimo da égua, continuava a apreciar o espectáculo. Teve então uma ideia fulminante. E, se bem o pensou, melhor o fez: rodopiou o sarilho naquela direcção e, num fantástico salto, colocou-se em cima da soberba égua, derrubando com mão de ferro o curioso lavrador: | |||
- Já que só está a ver, também pode ver do chão! | |||
E fez a égua voltear garbosamente. | |||
Depois pô-la a caminhar em gracioso trote e despediu-se delicadamente dos seus agressores, tirando o chapéu da cabeça e acenando-lhes com ele enquanto se afastava sem pressas: | |||
- Adeus! Adeus! Até vista! | |||
Remordiam-se os homens da Picota perante tão humilhante derrota. Ainda correram, em surriada, atrás da égua. Mas breve desistiram: porque se nem a pé se haviam com o José do Telhado, quanto mais tendo de apeá-lo da montada. | |||
- Adeus! Adeus! - e o terrível rival ainda lhes acenava ao longe de chapéu na mão o que lhes fazia aumentar o despeito. | |||
Três quilómetros adiante, à entrada de Salgueiros, o José do Telhado cruzou-se com um camponês e perguntou-lhe: | |||
- Vossemecê vai para a feira? | |||
- Vou, sim senhor. | |||
Desmontou agilmente e passou-lhe a rédea para a mão: | |||
- Então, se faz favor, pergunte lá pelo dono desta burra e entregue-lha. | |||
O camponês arregalou os olhos e já tinha dado dois ou três passos quando se lembrou de perguntar: | |||
- Diga-me vossemecê da parte de quem vou… | |||
- Da parte do José do Telhado. | |||
- Do José do Telhado?! - exclamou o atónito camponês, arregalando ainda mais os olhos. | |||
- E diga-lhe que se o José do Telhado lhe puder ser prestável não tem mais que mandar. | |||
E prosseguiu calmamente o seu caminho a pé. | |||
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Revisão das 14h05min de 27 de março de 2021
Sobre
- Relevância: ★☆☆
- Título: José do Telhado - O Robin dos Bosques Português? Vida e Aventura
- Autor: José Manuel Castro Pinto
- Publicação: Plátano Editora, 2002
- Formato: 256 páginas (216cm x 158cm)
Uma obra sobre a vida do mais célebre salteador português, após anos de pesquisa em arquivo e no local dos acontecimentos, que inclui muitas fotografias antigas e atuais, algumas inéditas, além de certidões de nascimento e casamento.
[1]
Em 2003 foi escrito um segundo volume, onde o autor apresenta a realidade, a tradição e a documentação histórica de como se vivia na época desta personalidade histórica e toda a verdade sobre as acusações feitas à mesma.
Sinopse
Esta obra sobre o mais célebre salteador português surge após anos de pesquisa, consultando documentos no Arquivo Distrital do Porto, no Tribunal da Relação do Porto e na Biblioteca Nacional. O Autor deslocou-se recentemente, por várias vezes, ao local dos acontecimentos, na região dos vales do Tâmega e Sousa: Amarante, Marco, Penafiel, Lousada, Felgueiras e Paredes. O José do Telhado fez muitos assaltos, mas também ajudava muita gente pobre e era por vezes protegido mesmo por casas ricas. Tudo isto, que se situa num campo social e revelador da pobreza existente, incomodava muito os governantes e os grandes senhores. Para todos os leitores, é interessante verificar como o José do Telhado organizou a sua quadrilha e como executou cada assalto. Finalmente, foi julgado, mas o processo do julgamento desapareceu quase logo a seguir, o que criou grandes suspeitas quanto ao modo como esse julgamento se fez. Em Malange, Angola, onde se encontrava degredado, foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas negros. Quando faleceu, os negros construíram uma espécie de mausoléu na sua sepultura e, muitos anos depois, ainda lhe faziam romagens de veneração tal foi a sua fama de homem severo mas bondoso e sempre pronto a ajudar os mais necessitados. O livro inclui muitas fotografias, algumas inéditas, desde fotografias antigas da época, e outras actuais, além de certidões de nascimento e casamento. [2]
Excerto da obra
Relato histórico através da tradição oral e escrita, passada na Feira de Vila Meã com o nome de «Entregue esta Burra ao Dono!» (pp. 224-229)
« Nesse dia, a feira estava concorridíssima. Mas era sempre assim. Porque criatura que se prezasse não faltava à feira de Vila Meã. A feira do gado era forte, e havia a carne de porco a frigir, e havia as provas de vinho, e havia os negócios, e havia as barracas, e os vizinhos todos que tinham vindo. O José do Telhado, apesar de saber da tenaz perseguição que lhe movia o Administrador de Soalhães/Marco, o Adriano da Casa da Picota, não via nisso razão para faltar a acontecimento de tanta importância. Pegou no seu varapau, companheiro inseparável naqueles acontecimentos, e pôs-se a caminho. Toda a gente sabia que ele sozinho, com o seu varapau, era capaz de varrer uma feira. Chegado a Vila Meã, foi passeando por aqui e por ali, entre as barracas, apreciando o espectáculo. - Ó Zé, anda cá provar este vinho, que é uma categoria! Era o seu amigo Romão. - Com todo o gosto! - respondeu. Entrou na barraca e abancou à mesa, onde já estavam o Romão e mais dois amigos. Entretanto, rapidamente se propagara a notícia; - O José do Telhado está cá na feira! - dizia um. - Nessa não me fio eu! - objectava um segundo. - Os regedores não o largam. - Vi-o eu com os meus olhos! - contrapunha um terceiro. - Estava a provar um vinho. E todo janota... parecia um fidalgo! Abancado a beber! Que ele importa-se mesmo com os regedores... Por todos os cantos da feira, repetia-se com insistência: - O José do Telhado anda aí! - O José do Telhado anda aí! Alguns curiosos tinham-se aproximado do local onde os quatro estavam saboreando a bela pinga. Porém, o ajuntamento era já muito grande e o José do Telhado começou a desconfiar. Num grupo de desconhecidos cochichava-se, tramando-se incógnito plano. Foi nessa ocasião que o Romão quase assoprou ao ouvido do José do Telhado: - Precata-te, ó Zé, que estão aí os espiões do Administrador! O José do Telhado levantou-se nas calmas e encarou o ajuntamento. O Romão quis pôr-se a seu lado, mesmo sem varapau, mas ele disse-lhe: - Deixa comigo! Trato disto sozinho! Na realidade, havia bastantes homens em atitude agressiva, empunhando varapaus e cajados. Foram momentos de silêncio e expectativa. - É dar-lhe! - quebrou uma voz. - É preciso apanhá-lo! Ou vivo ou morto! - Se for morto, já não incomoda ninguém! - acrescentou um dos parceiros. Olhando e pensando rápido, o José do Telhado mediu toda a crítica situação em que se encontrava. E percebeu também que os seus inimigos, apesar de tantos, nem mesmo assim se afoitavam muito a avançar o primeiro passo. Foi isso que ele aproveitou. Num pulo de felino, colocou-se à entrada da barraca, empunhando o varapau e enfrentando os adversários. - Então vamos lá! - disse. - Querem-me vivo ou morto? No jogo do pau era ele exímio, e viessem agora os valentões da Picota. Fora, na verdade, decisiva a hesitação dos candidatos a agressores, e quando voltaram a si encontraram o temível opositor pronto para a defesa. A quantidade contra um dava-lhes grande vantagem, era certo. Por isso lançaram-se ao ataque. - É dar-lhe! - incitou de novo uma voz. Mas o pau do José do Telhado já voltenva no ar, fazendo um sarilho onde não era fácil penetrar. Uma, duas, três cabeças partidas. Três homens fora de combate. E o José do Telhado continuava a rodopiar não permitindo que se aproximassem. Do alto de uma soberba água castanha de pêlo luzidio, um rico lavrador observava divertido com a refrega, e sorria. A determinado momento comentou: - Vocês são uns valentões! Tantos e não chegam para um homem! O José do Telhado aparava de um lado, aparava do outro, e ninguém conseguia chegar-se a apertar o cerco. - Venha lá um de cada vez! - convidou o destemido homem de Sobreira. Mas eles nem todos juntos logravam romper a roda. - O homem dá-vos água pela barba! - tornou daí a instantes o lavrador da égua castanha. E a paulada continuou. Mais outra cabeça partida. E mais outra. Porém, o número de agressores aumentara consideravelmente. Já ascenderia à trintena. O José do Telhado apercebeu-se do melindre da situação. Olhou para o lavrador que, do cimo da égua, continuava a apreciar o espectáculo. Teve então uma ideia fulminante. E, se bem o pensou, melhor o fez: rodopiou o sarilho naquela direcção e, num fantástico salto, colocou-se em cima da soberba égua, derrubando com mão de ferro o curioso lavrador: - Já que só está a ver, também pode ver do chão! E fez a égua voltear garbosamente. Depois pô-la a caminhar em gracioso trote e despediu-se delicadamente dos seus agressores, tirando o chapéu da cabeça e acenando-lhes com ele enquanto se afastava sem pressas: - Adeus! Adeus! Até vista! Remordiam-se os homens da Picota perante tão humilhante derrota. Ainda correram, em surriada, atrás da égua. Mas breve desistiram: porque se nem a pé se haviam com o José do Telhado, quanto mais tendo de apeá-lo da montada. - Adeus! Adeus! - e o terrível rival ainda lhes acenava ao longe de chapéu na mão o que lhes fazia aumentar o despeito. Três quilómetros adiante, à entrada de Salgueiros, o José do Telhado cruzou-se com um camponês e perguntou-lhe: - Vossemecê vai para a feira? - Vou, sim senhor. Desmontou agilmente e passou-lhe a rédea para a mão: - Então, se faz favor, pergunte lá pelo dono desta burra e entregue-lha. O camponês arregalou os olhos e já tinha dado dois ou três passos quando se lembrou de perguntar: - Diga-me vossemecê da parte de quem vou… - Da parte do José do Telhado. - Do José do Telhado?! - exclamou o atónito camponês, arregalando ainda mais os olhos. - E diga-lhe que se o José do Telhado lhe puder ser prestável não tem mais que mandar. E prosseguiu calmamente o seu caminho a pé. » |
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