Livro: José do Telhado: diferenças entre revisões
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A feira do gado era forte, e havia a carne de porco a frigir, e havia as provas de vinho, e havia os negócios, e havia as barracas, e os vizinhos todos que tinham vindo.<br> | A feira do gado era forte, e havia a carne de porco a frigir, e havia as provas de vinho, e havia os negócios, e havia as barracas, e os vizinhos todos que tinham vindo.<br> | ||
O José do Telhado, apesar de saber da tenaz perseguição que lhe movia o Administrador de Soalhães/Marco, o Adriano da Casa da Picota, não via nisso razão para faltar a acontecimento de tanta importância.<br> | O José do Telhado, apesar de saber da tenaz perseguição que lhe movia o Administrador de Soalhães/Marco, o Adriano da Casa da Picota, não via nisso razão para faltar a acontecimento de tanta importância.<br> | ||
Pegou no seu '''varapau, companheiro inseparável naqueles acontecimentos''', e pôs-se a caminho. Toda a gente sabia que ele sozinho, com o seu varapau, era capaz de '''varrer uma feira'''. | Pegou no seu '''varapau, companheiro inseparável naqueles acontecimentos''', e pôs-se a caminho. Toda a gente sabia que ele sozinho, com o seu varapau, era capaz de '''varrer uma feira'''.<br> | ||
Chegado a Vila Meã, foi passeando por aqui e por ali, entre as barracas, apreciando o espectáculo.<br> | |||
Chegado a Vila Meã, foi passeando por aqui e por ali, entre as barracas, apreciando o espectáculo. | |||
- Ó Zé, anda cá provar este vinho, que é uma categoria!<br> | - Ó Zé, anda cá provar este vinho, que é uma categoria!<br> | ||
Era o seu amigo Romão.<br> | Era o seu amigo Romão.<br> | ||
- Com todo o gosto! - respondeu.<br> | - Com todo o gosto! - respondeu.<br> | ||
Entrou na barraca e abancou à mesa, onde já estavam o Romão e mais dois amigos.<br> | Entrou na barraca e abancou à mesa, onde já estavam o Romão e mais dois amigos.<br> | ||
Entretanto, rapidamente se propagara a notícia;<br> | |||
Entretanto, rapidamente se propagara a notícia; | |||
- O José do Telhado está cá na feira! - dizia um.<br> | - O José do Telhado está cá na feira! - dizia um.<br> | ||
- Nessa não me fio eu! - objectava um segundo. - Os regedores não o largam.<br> | - Nessa não me fio eu! - objectava um segundo. - Os regedores não o largam.<br> | ||
- Vi-o eu com os meus olhos! - contrapunha um terceiro. - Estava a provar um vinho. E todo janota... parecia um fidalgo! Abancado a beber! Que ele importa-se mesmo com os regedores...<br> | - Vi-o eu com os meus olhos! - contrapunha um terceiro. - Estava a provar um vinho. E todo janota... parecia um fidalgo! Abancado a beber! Que ele importa-se mesmo com os regedores...<br> | ||
Por todos os cantos da feira, repetia-se com insistência:<br> | Por todos os cantos da feira, repetia-se com insistência:<br> | ||
- O José do Telhado anda aí!<br> | - O José do Telhado anda aí!<br> | ||
- O José do Telhado anda aí!<br> | - O José do Telhado anda aí!<br> | ||
Alguns curiosos tinham-se aproximado do local onde os quatro estavam saboreando a bela pinga.<br> | Alguns curiosos tinham-se aproximado do local onde os quatro estavam saboreando a bela pinga.<br> | ||
Porém, o ajuntamento era já muito grande e o José do Telhado começou a desconfiar.<br> | Porém, o ajuntamento era já muito grande e o José do Telhado começou a desconfiar.<br> | ||
Num grupo de desconhecidos cochichava-se, tramando-se incógnito plano.<br> | Num grupo de desconhecidos cochichava-se, tramando-se incógnito plano.<br> | ||
Foi nessa ocasião que o Romão quase assoprou ao ouvido do José do Telhado:<br> | Foi nessa ocasião que o Romão quase assoprou ao ouvido do José do Telhado:<br> | ||
- Precata-te, ó Zé, que estão aí os espiões do Administrador!<br> | - Precata-te, ó Zé, que estão aí os espiões do Administrador!<br> | ||
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- É dar-lhe! - quebrou uma voz. - É preciso apanhá-lo! Ou vivo ou morto!<br> | - É dar-lhe! - quebrou uma voz. - É preciso apanhá-lo! Ou vivo ou morto!<br> | ||
- Se for morto, já não incomoda ninguém! - acrescentou um dos parceiros.<br> | - Se for morto, já não incomoda ninguém! - acrescentou um dos parceiros.<br> | ||
Olhando e pensando rápido, o José do Telhado mediu toda a crítica situação em que se encontrava. E percebeu também que os seus inimigos, apesar de tantos, nem mesmo assim se afoitavam muito a avançar o primeiro passo.<br> | Olhando e pensando rápido, o José do Telhado mediu toda a crítica situação em que se encontrava. E percebeu também que os seus inimigos, apesar de tantos, nem mesmo assim se afoitavam muito a avançar o primeiro passo.<br> | ||
Foi isso que ele aproveitou.<br> | Foi isso que ele aproveitou.<br> | ||
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Mas o pau do José do Telhado já voltenva no ar, fazendo um '''sarilho''' onde não era fácil penetrar.<br> | Mas o pau do José do Telhado já voltenva no ar, fazendo um '''sarilho''' onde não era fácil penetrar.<br> | ||
Uma, duas, três cabeças partidas. Três homens fora de combate. E o José do Telhado continuava a rodopiar não permitindo que se aproximassem.<br> | Uma, duas, três cabeças partidas. Três homens fora de combate. E o José do Telhado continuava a rodopiar não permitindo que se aproximassem.<br> | ||
Do alto de uma soberba água castanha de pêlo luzidio, um rico lavrador observava divertido com a refrega, e sorria. A determinado momento comentou:<br> | Do alto de uma soberba água castanha de pêlo luzidio, um rico lavrador observava divertido com a refrega, e sorria. A determinado momento comentou:<br> | ||
- Vocês são uns valentões! Tantos e não chegam para um homem!<br> | - Vocês são uns valentões! Tantos e não chegam para um homem!<br> | ||
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- Já que só está a ver, também pode ver do chão!<br> | - Já que só está a ver, também pode ver do chão!<br> | ||
E fez a égua voltear garbosamente.<br> | E fez a égua voltear garbosamente.<br> | ||
Depois pô-la a caminhar em gracioso trote e despediu-se delicadamente dos seus agressores, tirando o chapéu da cabeça e acenando-lhes com ele enquanto se afastava sem pressas:<br> | Depois pô-la a caminhar em gracioso trote e despediu-se delicadamente dos seus agressores, tirando o chapéu da cabeça e acenando-lhes com ele enquanto se afastava sem pressas:<br> | ||
- Adeus! Adeus! Até vista!<br> | - Adeus! Adeus! Até vista!<br> | ||
Remordiam-se os homens da Picota perante tão humilhante derrota. Ainda correram, em surriada, atrás da égua. Mas breve desistiram: porque se nem a pé se haviam com o José do Telhado, quanto mais tendo de apeá-lo da montada.<br> | |||
Remordiam-se os homens da Picota perante tão humilhante derrota. Ainda correram, em surriada, atrás da égua. Mas breve desistiram: porque se nem a pé se haviam com o José do Telhado, quanto mais tendo de apeá-lo da montada. | |||
- Adeus! Adeus! - e o terrível rival ainda lhes acenava ao longe de chapéu na mão o que lhes fazia aumentar o despeito.<br> | - Adeus! Adeus! - e o terrível rival ainda lhes acenava ao longe de chapéu na mão o que lhes fazia aumentar o despeito.<br> | ||
Três quilómetros adiante, à entrada de Salgueiros, o José do Telhado cruzou-se com um camponês e perguntou-lhe:<br> | Três quilómetros adiante, à entrada de Salgueiros, o José do Telhado cruzou-se com um camponês e perguntou-lhe:<br> |
Revisão das 14h13min de 27 de março de 2021
Sobre
- Relevância: ★☆☆
- Título: José do Telhado - O Robin dos Bosques Português? Vida e Aventura
- Autor: José Manuel Castro Pinto
- Publicação: Plátano Editora, 2002
- Formato: 256 páginas (216cm x 158cm)
Uma obra sobre a vida do mais célebre salteador português, após anos de pesquisa em arquivo e no local dos acontecimentos, que inclui muitas fotografias antigas e atuais, algumas inéditas, além de certidões de nascimento e casamento.
[1]
Em 2003 foi escrito um segundo volume, onde o autor apresenta a realidade, a tradição e a documentação histórica de como se vivia na época desta personalidade histórica e toda a verdade sobre as acusações feitas à mesma.
Sinopse
Esta obra sobre o mais célebre salteador português surge após anos de pesquisa, consultando documentos no Arquivo Distrital do Porto, no Tribunal da Relação do Porto e na Biblioteca Nacional. O Autor deslocou-se recentemente, por várias vezes, ao local dos acontecimentos, na região dos vales do Tâmega e Sousa: Amarante, Marco, Penafiel, Lousada, Felgueiras e Paredes. O José do Telhado fez muitos assaltos, mas também ajudava muita gente pobre e era por vezes protegido mesmo por casas ricas. Tudo isto, que se situa num campo social e revelador da pobreza existente, incomodava muito os governantes e os grandes senhores. Para todos os leitores, é interessante verificar como o José do Telhado organizou a sua quadrilha e como executou cada assalto. Finalmente, foi julgado, mas o processo do julgamento desapareceu quase logo a seguir, o que criou grandes suspeitas quanto ao modo como esse julgamento se fez. Em Malange, Angola, onde se encontrava degredado, foi negociante de borracha, cera e sobretudo marfim, tendo mesmo servido de elo de ligação entre as autoridades portuguesas e os sobas negros. Quando faleceu, os negros construíram uma espécie de mausoléu na sua sepultura e, muitos anos depois, ainda lhe faziam romagens de veneração tal foi a sua fama de homem severo mas bondoso e sempre pronto a ajudar os mais necessitados. O livro inclui muitas fotografias, algumas inéditas, desde fotografias antigas da época, e outras actuais, além de certidões de nascimento e casamento. [2]
Excerto da obra
Relato histórico através da tradição oral e escrita, passada na Feira de Vila Meã com o nome de «Entregue esta Burra ao Dono!» (pp. 224-229)
«
Nesse dia, a feira estava concorridíssima. Mas era sempre assim. Porque criatura que se prezasse não faltava à feira de Vila Meã. No jogo do pau era ele exímio, e viessem agora os valentões da Picota. |
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