Livro: Menina e moça, ou, Saudades de Bernardim Ribeiro

Fonte: Jogo do Pau Português
manuscrito original

Sobre

  • Relevância: ★★☆
  • Título: Menina e moça, ou, Saudades
  • Autor: Bernardim Ribeiro (1482-1552)
  • Publicação: 1ª Publicação em 1554
  • ISBN: 9789728827465 (edição Angelus Novus de 2008)


Menina e Moça, romance de Bernardim Ribeiro, editado por três vezes no séc. XVI: 1554 (Ferrara, com o título História de Menina e Moça), 1557-58 (Évora, com o título Saudades) e 1559 (Colónia, a partir da 1.ª edição), incluindo a 2.ª edição um prolongamento, que se costuma aceitar como sendo do autor, até ao cap. XXIV.

O texto representa uma convergência de tópicos ficcionais, quer no plano da história literária (agregando ingredientes da novela de cavalaria, do romance pastoril e da novela sentimental), quer no plano do conteúdo (pela conversão a um lugar de encontro, feminino e lamentoso, da Menina - que inicia o livro com um monólogo de evocação de deslocação e de mudança de vida - com uma Senhora, com a qual discute histórias de amores infelizes, que se intercalam na acção central da ficção).

Lugar e mudança convertem-se em pólos de uma comum nostalgia amorosa e do fatalismo do sofrimento, que fazem das histórias intercaladas, ex. Aónia e Bimuarder, Arima e Avalor, desdobramentos insistentes de uma mesma e infinita dor de constantes desencontros amorosos. Amor, natureza, mudança e distância são as constantes semânticas deste livro, o primeiro na literatura portuguesa a desprender-se relativamente das convenções da ficção coeva para assumir o estatuto de narrativa feminina da solidão e da saudade, e de texto de análise incisiva e minuciosa do sentimento amoroso, na sua faceta de consagração dedicada e dolorida. [1]

Podemos encontrar nesta narrativa, alguns episódios onde o pastor Binmarder (antigo cavaleiro) usa o seu cajado para se defender a si e à sua amada.

Excertos da obra

Capitulo XXXXVII da Edição de Évora (1557)

Como o escudeiro achou Bimnarder e da batalha que ele e Godivo tiveram com os selvagens.

Versão original

« (…) Godivo afilou os cães que em um salto foram com os selvagens que com as bisarmas altas vinham a dar nos homens. Bimnarder se pôs diante com o cajado alto, mostrando que queria guardar a pancada, e um dos selvagens descarregou nele: Bimnarder furtou o corpo vendo descer o golpe, que deu no chão que todo o ferro nele meteu, Bimnarder antes que ele levantasse a bisarma [alabarda] lhe deu com o cajado em um braço tão grande pancada com ambas as mãos que um dos selvagens fez em pedaços: o qual com a outra mão tirou com a bisarma por detrás um revês, e um dos cães que por uma perna o tinha, e o cão por fugir veio a cair no golpe do ferro, que lhe cortou todos os quatro pés cérceos sem ficar nada: já a este tempo vinha Bimnarder com outra pancada alta, e vendo o selvagem não podendo erguer a sua bisarma, tão manhosamente lhe tirou a Bimnarder uma estocada que lhe passou as pernas ambas pelas coxas por ele estar de ilharga com o golpe feito, e não pode furtar o corpo por estar no ar com o golpe que deu ao selvagem na cabeça, que sem nada estava, com que lha quebrou, e caiu sem ter poder de tirar a bisarma que nas pernas de Bimarder ficou metida, que ele logo tirou. (…) »

Versão com escrita contemporânea

« (...) Bimnarder posicionou-se diante do selvagem com uma guarda alta do seu cajado, indicando que estava preparado para defender a pancada. Um dos selvagens desferiu um golpe nele: Bimnarder agachou-se rapidamente, evitando o golpe que atingiu o chão com força, fazendo com que o ferro penetrasse profundamente. Antes que o selvagem pudesse levantar sua alabarda, Bimnarder desferiu-lhe com o seu cajado, um poderoso golpe feito a duas mãos que atingiu um dos braços, causando-lhe um ferimento tão grave que foi reduzido a pedaços. O mesmo selvagem, com a sua outra mão, tentou desferir com a alabarda um contra-ataque arrepiado (revés) por trás, enquanto um cão agarrava a sua perna. O cão, ao tentar escapar, acabou por ser atingido pelo golpe de ferro, que decepou as suas quatro patas, deixando-o completamente imóvel. Nesse momento, Bimnarder aproximou-se rapidamente para desferir outro golpe poderoso, vendo que o selvagem não conseguia erguer a sua alabarda. De forma habilidosa, Bimnarder esquivou-se de uma estocada, desferida pelo selvagem com astúcia, que passou por entre as suas pernas, acertando nas suas coxas de lado, devido à postura inclinada causada pelo golpe anterior. Apesar disso, Bimnarder não permitiu que o ferimento o detivesse, e continuou com o golpe na cabeça do selvagem, que não tinha mais defesas. O impacto quebrou a cabeça do selvagem, que acabou por desabar (...) »

Capitulo XXXXVIII da Edição de Évora (1557)

De como Aóni se vio depois de casada cem Bimnarder e de como foram mortos por seu marido Orfileno, que também com eles acabou sua vida a mãos de Bimnarder.

Versão original

« (...) Quando seu marido (que cheio andava de suspeitas) dissimuladamente saiu por outro caminho, vindo sempre a olho dela, a viu desviar para aquele cabo, e chegando a viu que estava abraçada com Bimarder sobre erva verde, debaixo de aquele freixo (que parece que para sepultura de ambos foi criado). (...)

Teve seu marido de Aónia lugar de chegar sobre eles, e vendo-os estar assim lançou mão da espada, e deu uma ferida grande a Bimarder na cabeça, que mui asinha foi em pé, levantando seu cajado para defender mais a vida de Aónia que a sua. Mas em o tomando o outro que vinha determinado no que havia de fazer, lançou a espada a Aónia pelos peitos (vendo-a descoberta) em lugar que não disse mais que:

«Ó amor, este foi teu galardão.»

Já Bimarder descia com uma pancada de maior força com a dor de Aónia do que ela era, e quis a ventura (por que todos acabassem) que lhe acertou na cabeça e por estar desarmado veio o sangue com os miolos juntamente. Mas ao cair lhe deu ele com a espada um golpe já mortal, como desesperado, por cima dum ombro, que todo o abriu.

E caíram todos três assim a um tempo. (...) »

Versão com escrita contemporânea

« (..) Quando o marido dela (que estava cheio de suspeitas) discretamente seguiu por outro caminho, sempre a observando atentamente, viu-a desviar-se em direção a um cabo. Ao se aproximar, deparou-se com ela abraçada a Bimarder sobre a relva verde, sob uma frondosa freixeira (que parece ter sido criada como o sepulcro para ambos). (...)

O marido de Aónia chegou até eles, e vendo-os nessa situação, empunhou a sua espada. Desferiu um golpe certeiro na cabeça de Bimarder, que imediatamente se ergueu, levantando o seu cajado para proteger a vida tanto de Aónia quanto a sua própria. Porém, o outro indivíduo que se aproximava determinado no seu propósito, lançou a espada na direção de Aónia, atingindo-a no peito (já que estava desprotegida), e disse apenas:

"Ó amor, este foi o teu destino."

Bimarder já caía com um golpe de maior intensidade devido à dor de Aónia do que a que ele próprio sentia, e a sorte quis que acertasse na cabeça, resultando no derramamento de sangue e massa cerebral. Ao cair, ele desferiu um golpe de espada, já mortal, sobre um ombro do seu oponente, abrindo-o por completo.

E assim, os três caíram ao mesmo tempo. »

Ler o livro

Versão 1785 de "Na Offic. de Domingos Gonsalves"

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Versão 1852 da "Escriptoria da Biblioteca Portuguesa"

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Links externos

Ver também

Referências