Livro: Noites de Lamego - 1863

Fonte: Jogo do Pau Português
capa do livro

Sobre

  • Relevância: ★☆☆
  • Título: Noites de Lamego
  • Autor: Camilo Castelo Branco (1825-1890)
  • Publicação: Livraria de Antonio Maria Pereira, 1863 (1ª edição)
  • Formato: 251 páginas


A obra Noites de Lamego é uma colectânea de contos de que o génio de Camilo se serviu para Satirizar o burlescos de uma época.

Uma cadeia de critica de costumes, pontos de vista cáusticos e modos de ironizar que prende e interessa os leitores deste obra camiliana. Uma soberba galeria de personagens.

Destacamos desta obra o conto «Como ela o amava». Um triângulo amoroso que tem por cenário a tradicional festa portuguesa de São Bartolomeu: eis o cerne deste conto de Camilo Castelo Branco, em que dois homens, João e Victor, lutam pelo amor de Isabel. Diante do desfecho terrível desse embate, a moça toma uma decisão drástica.[1]

Excerto da obra

« (...) Na aldeia, onde eu então estudava latim, correu a nova de se terem desafiado para a romagem de S. Bartolomeu os valentes de dois concelhos inimigos, desde muito enrixados e aprasados para ali. Um morgado, meu vizinho, de nome José Pacheco de Andrade, oito dias antes, mandara demolhar em poças um braçado de paus de carvalho, com o fim de lhes dar elastério, e cingirem-se melhor com as costas das vítimas.
(Pág. 168) »

« (...) Tenho que ele conversou dois anos com a Isabelinha do Reguengo; e depois ela deixou-o à minha conta, e voltou-se para mim. E vai ele, na feira de S. Miguel, caiu sobre mim, e mais vinte dos seus. Fiz face a todos, enquanto o pau não me estalou na cabeça dum. Depois caí debaixo dum bosque de estadulhos, e estive à morte. (Pág. 169) »

« Ouvi o retintim das baionetas sacudidas dos seus engastes pelos paus certeiros dos barrosãos, bandeados na hoste de Mondim. Divisei os doze soldados espremidos entre as multidões inimigas. De repente os de Cerva fizeram pé atraz, os de Mondim também, e por momentos reinou um silêncio. Que suspensão fora aquela?

Cingi-me com a guarda da ponte, e cheguei ao meio. Avisinhei-me do primeiro grupo dos d'além, e ouvi dizer que, no afogo da briga, Isabel do Reguengo se lançara entre as vanguardas dos combatentes, e bradara: «Matem-me primeiro a mim!» E, dito isto, cruzara os braços.

Víctor de Mondim reconhecera-a, e clamara aos seus: «Alto, meus rapazes!» e o Lobo de Cerva, cobrindo-a com o seu pau argolado de cobre, exclamara: «olhai que é minha noiva !».

Assim se explicava o improviso regresso de cada exército aos seus arraiais. Caso digno de memória.

Ai por volta das 3 horas vieram parlamentários d'além, propondo a passagem livre das rondas de parte a parte. O morgado tomou a si o encargo de responder, e tartamudeou:

- Não há convenções O mundo acaba-se aqui hoje! Disse, e deu ares de se acabar primeiro que o restante do mundo. Cambaleou floreando o cerquinho elástico, tropeçou no próprio pau, e caiu na calçada que, por ventura, a fantasia rica e ardente lhe afigurou almofada com toda a flacides convidativa dum longo sono.

Os parlamentários foram repetir com gravidade as palavras do ébrio. Rompeu de la temerosa grita, e logo o tiroteio.

Lobo depoz o varapau, e pegou da sua clavina de dois canos. Isabel segurou-o pelos alamares de prata da jaqueta, rogando-lhe que se aquietasse. O bravo sacudiu de si a moça e bradou:

- Rapazes! à ponte !

Ergueram-se todos, e o próprio morgado lá das trevas espessas da sua modorra, ainda rugiu:

- A elles!

Os de Mondim, quando ouviram o instrumental, avançaram à entrada da ponte. A passo igual iam ganhando terreno uns e outros.

Uma voz estridente se fez ouvir por sobre a algazarra dos brados e toada da música. Era Victor de Mondim que bradava:

-João Lobo de Cerva!
Lobo fez calar os seus e respondeu:
Quem me chama?
É Víctor de Mondim.
Aqui estou.
- Se és homem, sai sozinho, que eu também saio, ao meio da ponte.
- Nunca o diabo te mostrou homem mais homem! Aí vou.

Isabel lançou-se-lhe ao pescoço, dando vozes de aflicão e ternura. Ele repeliu-a com desamor de inimigo.

E eu estava de ângulo a espreitar, sendo quando os dois paladinos, adiantados de suas imóveis coortes, param a vinte passos, com as clavinas aperradas.

Não há-de ser tua nem minha!- disse Victor.

Tua, por Deus te juro que não será! - respondeu Lobo. E, a um tempo, desfecharam, e, a um tempo, bateram em terra os dois moribundos arquejantes.

Que horror de grita restrugiu então! Os de Mondim levantaram o cadáver de Victor, e defenderam-no; os de Cerva, cegos de furial vingança, não viram que os outros remessavam ao Tâmega o cadáver de Jodo Lobo.

Isabel tinha caldo como fulminada pelo relâmpago das escorvas. Desmaiara.

Quando voltei, ao nascer do sol, fui às caniçadas, e não vi Isabel. Perguntei por ela e disseram-me que tinha fugido como uma doida.

Por ambas as margens do Tamega se alinharam duas fileiras de homens, rebuscando o cadáver de Lobo.

Os melhores mergulhadores bateram todas as cavernas conhecidas. Perdidas forças e esperanças, volveram de novo à ira, e recobraram alento para se vingarem. (Pág. 176-178) »

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