Livro: Perfil do marquez de Pombal

Fonte: Jogo do Pau Português
capa do livro

Sobre

  • Relevância: ★☆☆
  • Título: Perfil do marquez de Pombal
  • Autor: Camilo Castelo Branco (1825-1890)
  • Publicação: Clavel & C-ª: L. Couto & C.ª, 1882 (1ª edição)
  • Formato: 17,6 cm, XVI-316-[4] págs., enc., ilustrado.


o Perfil do marquez de Pombal pretende dar a conhecer uma das facetas menos divulgadas do escritor, a de historiador. Publicado originalmente por ocasião das comemorações do Centenário de Pombal, em 1882, o livro acaba por ser um libelo contra aquele governante e a má gestão da dinastia de Bragança. Para além do seu valor literário, e acima do rigor e isenção que Camilo lhe pretende atribuir, a obra oferece sobretudo estimulante matéria de reflexão sobre uma das épocas mais marcantes da história de Portugal.[1]


Camilo Castelo Branco, in Proémio:

«Este livro não pode agradar a ninguém. Nem aos absolutistas, nem aos republicanos, nem aos temperados. Chamo «temperados» aos que se atemperam às circunstâncias do tempo e do meio. São os piores, porque são mistos – têm três doses da bílis azeda dos três partidos.

São a mentira convencional – a máscara. Déspotas para zelarem a liberdade, livres para glorificarem o despotismo.

Escreveu-se esta obra de convicção, e sem partido, com uma grande serenidade e pachorra. Não se ama nem desama alguma das facções e fracções militantes. Sou um mero contemplador da fundição do metal de que há-de sair a estátua da liberdade portuguesa; mas, em meio século, será difícil empresa desagregar o bronze, estreme do chumbo e da escumalha de ferro.»

Excerto da obra

« Conheci ha vinte e seis annos, no Porto, um gentilissimo rapaz, bacharel formado em direito, chamado Valentim de Faria Mascarenhas Lemos. Era louro, typo do norte e um farto bigode guiado até ás orelhas, largo de espáduas, e um relançar d'olhos sinistro. Elle e seu irmão Alexandre Mascarenhas, também formado, tinham adquirido a fama lendária dos Lobos, do Chico Ilhéu e do Lyra. De Valentim contava-se que matara um «futrica»[2] além da ponte com uma paulada em noite de troça. Valentim não negava o facto e explicava-o honradamente, sem jactância. O futrica forçara-o a optar entre matar ou morrer. O meu amigo evadiu-se pela ponta mais obvia do dilemma, deixando o adversário na via d'outras existências extra-planetarias. (Pág.63) »

Na noite de 3 de dezembro de 1769, ocorreu um ataque a D. José em Vila Viçosa (Alentejo). O incidente, causado por um indivíduo perturbado e munido de um varapau, que agrediu o rei com duas pauladas, não foi tão grave, mas gerou preocupação em todo o país. Em resposta a esse acontecimento, o Conde de Oeiras (que no ano seguinte seria conhecido como Marquês de Pombal) enviou uma carta detalhando os eventos ocorridos em Vila Viçosa ao arcebispo de Braga.

« D. José I, no dia 3 de dezembro de 1769, quando sahia do palácio de Villa Viçosa para entrar na Tapada, a divertir-se na caça, levou uma paulada; e levaria mais, se não lhe acodem. O conde de Oeiras refere o caso a D. Gaspar, arcebispo de Braga, na seguinte carta:

«Senhor Dom Gaspar, Arcebispo Primaz. A Sua Magestade fiz presente a carta com que Vossa Alteza me honrou em dezoito do corrente. O mesmo Senhor ouvio com tanta benignidade como estimação as expressões que Vossa Alteza lhe dirigiu, com o assumpto do horroroso desacato succedido em Villa Viçosa. E para n'elle tranquillisar o animo de Vossa Alteza do justo cuidado em que se acha; e de que a Omnipotência Divina nos livrou com especialíssima providencia: Manda significar a Vossa Alteza o que vou referir.

«No dia de Domingo, trez do corrente mez, sahiu El-rei Nosso Senhor do seu Palácio de Villa Viçosa para se divertir na caça da Tapada, acompanhado de toda a Sua Corte.

No fim do Terreiro do Paço se acha uma porta chamada do Nó, que pela sua estreiteza não admitte que por ella possa sahir mais de uma carruagem ou de um cavalleiro. Apenas Sua Magestade hia sahindo a cavallo pela dita porta quando vio detraz do muro do lado esquerdo um homem na figura de mendigo, que com um grande varapau, ou cacheira armou e procurou descarregar sobre a Real Cabeça do mesmo Senhor um sacrílego golpe, que seria mortal, se a superioridade e presença de espirito de Sua Magestade em logar de procurar desviar-se da pancada, quebrando o cavallo sobre a mão direita, o não fizesse levantar sobre o lado esquerdo contra o dito malvado assassino, em tal forma, que o primeiro golpe armado contra a cabeça apenas pôde offender a mão da rédea com uma leve contusão, e a segunda pancada que ainda intentou descarregar o mesmo assassino já não pôde ter espaço para offender senão o cavallo. Caindo n'este tempo toda a comittiva de Sua Magestade sobre o referido monstro, foi tão obstinada a sua ferocidade que maltratou a algumas das pessoas que estavam mais perto em quanto não foi preso; principalmente por que Sua Magestade com estranha presença de espirito, que só na grandeza do seu Real animo podia caber no meio do conflicto de um tão inesperado insulto, ordenou que ninguém matasse ou ferisse o mesmo malvado assassino, mas só o prendessem. E dada esta ordem continuou Sua Magestade successivamente o seu caminho para a Tapada onde se divertio até á noite na forma do costume dos mais dias. O execrando Reo, sendo com effeito tomado ás mãos, prezo e attado, foi conduzido para a segura prizão em que se acha.

«No meu particular beijo muito reverentemente as Mãos de Vossa Alteza pela honra com que me favorece na falta de um irmão que Deos chamou ao Ceo; e na enfermidade de outro que ainda se acha com pouco alivio na perigosa doença que padece ha perto de seis mezes. Em todas as occasiões que se me presentarem de servir a Vossa Alteza me empregarei sempre com a mais fiel e gostosa obediência.

«Deos guarde a Vossa Alteza por muitos e muito felizes dilatados annos.

Sitio de Nossa Senhora da Ajuda, em 24 de dezembro de 1769.

De Vossa Alteza mais reverente creado CONDE DE OEIRAS (Pág.253-255) »

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Ver também

Links externos

Referências

  1. https://www.wook.pt/livro/perfil-do-marques-do-pombal-camilo-castelo-branco/16089580
  2. [Regionalismo] Pessoa desprezível; [Gíria] Designação dada, entre os estudantes de Coimbra, a quem não é estudante.