Artigo: DN Magazine - A jogar o pau ninguem nos bate 1988

Fonte: Jogo do Pau Português
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Sobre

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  • Título: A jogar o pau ninguém nos bate
  • Autor: J. Rodrigues da Silva
  • Publicação: Revista «DN Magazine» nº 78 de março 1988

Resumo

O artigo enfatiza a habilidade dos portugueses para o jogo do pau e como ele se desenvolveu ao longo do tempo. O jogo do pau é descrito como uma arte, uma técnica, um desporto e um recreio. As suas origens são obscuras, mas acredita-se que remonte à luta dos primeiros seres humanos pela sobrevivência. O uso do pau como arma de defesa e ataque é mencionado, desde os tempos dos Lusitanos até eventos mais recentes, como a Maria da Fonte e a Padeira de Aljubarrota.

O artigo destaca a importância do jogo do pau na região do Minho e sua disseminação por outras áreas de Portugal, como Trás-os-Montes, Beiras, Estremadura e Ribatejo. Existem escolas e mestres dedicados ao ensino do jogo do pau em várias regiões do país. O jogo do pau é descrito como uma técnica de luta que utiliza um pau reto e liso, preferencialmente feito de madeiras como marmeleiro, freixo, carvalho, castanho e lódão.

O artigo menciona a existência de competições regionais e nacionais de jogo do pau, bem como a participação de Portugal em torneios internacionais. No entanto, há uma falta de apoio e financiamento para a modalidade, o que coloca em risco sua preservação. A Associação de Jogo do Pau de Lisboa, criada em 1977, luta para manter viva essa tradição e conta com o reconhecimento do Comité Olímpico Português.

Artigo

« Marcamos passo em quase todos os desportos, sempre que nos confrontamos com estrangeiros. É um facto. Mas atrevam-se a medir forças connosco no jogo do pau, e muito levarão que contar. Não importa a modalidade, que nisso somos especialistas e os melhores de todos. Por cima ou por baixo, no jogo propriamente dito ou no hóquei em patins, pedimos meças seja a quem for.

O jogo nasceu no Minho e desenvolveu-se com grande perícia em Cabeceiras de Basto, Terras de Bouro, Fafe e Arcos de Valdevez. Mas praticou-se igualmente em toda a região nortenha, onde o «ou vai ou racha» continua a fazer lei. É esclarecedora, aliás, a conhecida expressão «justiça de Fafe», em referência a uma terra que utiliza o cacete como símbolo da execução da justiça.

Como toda a gente, os Nortenhos procuram resolver os seus problemas a bem. Se o não conseguem, aí reside o perigo, porque frequentemente recorrem ao murro e à cacetada. E o grande mal é eles convencerem-se de que o canastro do vizinho está a pedir fricções de marmeleiro, porque então há zaragata pela certa.

Não é propriamente sobre esta descarga da bílis — muito séria, perigosa e até polémica — que nos vamos debruçar. O que nos interessa agora é o autêntico jogo do pau, que bem no fundo é uma arte, uma técnica, um desporto e um recreio. A sua história é curiosa, mas as suas origens permanecem obscuras. Na base de tudo esteve a luta que o homem primitivo, rude e guerreiro, se viu forçado a travar para sobreviver. Primeiro contra os animais ferozes e depois contra os seus próprios semelhantes. E assim apareceu o vara-pau transformado em arma de defesa e também de ataque.

É natural que o manejo ordenado do pau remonte ao tempo dos Lusitanos, pastores que atacavam os Romanos à pedrada e depois lhes caíam em cima a golpes de cacete. E neste confronto da civilização com a barbárie, que poderiam fazer as espadas curtas diante de possantes estadulhos?

Depois dos Romanos, a Maria da Fonte e a Padeira de Aljubarrota foram outros dos muitos exemplos onde os Portugueses testaram a sua habilidade no manuseamento do pau. Era a única arma acessível ao homem pobre, que lhe serviu para atacar os outros e deles se defender até ao aparecimento das caçadeiras.

O varapau ou cajado fazia parte da indumentária do homem do campo, que o não largava da mão, fosse a pé ou a cavalo. Ajudava-o a subir e a descer encostas, a apoiar-se e a descansar, a saltar obstáculos, a carregar as troixas, a tanger o gado e também a armar zaragatas.

O homem, sobretudo no Minho, lutava com o pau nas feiras, nos bailes, nas festas e nas romarias. Eram conhecidos os célebres varredores de feiras, que resolviam tudo à paulada, fosse por motivos de namoros, de cortes de água, de rixas antigas ou de rivalidades entre aldeias. Nos princípios deste século, os confrontos físicos sofreram a repressão das forças policiais, com a GNR a proibir o uso de paus no recinto das feiras. A arte de combate decaiu numa altura em que já era fácil adquirir armas de fogo.

A partir do Minho, o jogo implantou-se em Trás-os-Montes, nas Beiras, na Estremadura e no Ribatejo, ensinado por mestres profissionais que percorriam as terras e viviam exclusivamente desse trabalho. Era uma técnica indispensável para o homem nortenho se defender. Em toda a parte havia escolas e os pais mandavam os filhos às lições. Rapazes havia que chegavam a vender as botas para assistir a uma aula de dez minutos, que custava, no princípio do século, o equivalente a um dia de salário.

De início era um jogo a sério, para ataque e defesa; mais tarde, nomeadamente na Estremadura e no Ribatejo, transformou-se em espectáculo desportivo. E o jogo que hoje se pratica no País é a evolução natural da sua forma primitiva, embora enriquecido de novas técnicas. Melhor dizendo, adaptado aos nossos tempos, à semelhança do que se passou com a esgrima, que foi transformada em desporto, quando as pessoas deixaram de andar na rua com a espada. Hoje temos o jogo do pau nas modalidades de competição e de exibição, ambas baseadas no aproveitamento da mesma técnica: a exibição, servindo-se da espectacularidade do jogo; a competição, que é também uma forma de educação psicomotora e de autodomínio, como prática indispensável à sobrevivência futura da modalidade. O Rei D. Carlos introduziu o jogo no Real Ginásio (actual Ginásio Clube Português) para educar os seus filhos; depois foi praticado em quintais de Lisboa e noutras colectividades; presentemente, na zona da capital, joga-se no Ginásio Clube Português (a escola funciona no Liceu Pedro Nunes), no Ateneu Comercial de Lisboa e nalguns clubes recreativos. No País inteiro haverá uns 12 mestres no activo e as seguintes escolas: três em Fafe e uma em Cabeceiras de Basto, Montalegre, Guarda, Palmela, Cova da Pieda-de, Alhos Vedros, Moita e Portimão. Os praticantes são à volta de 500 e também há mulheres nas aulas, muitas no Norte e três em Lisboa. Existem, porém, duas grandes escolas de jogo do pau: a Escola do Norte e a Escola de Lisboa. A primeira tem feição predominante de jogo de feira, ou de varrimento, orientado para situações de combate com muitos adversários; a segunda cultiva principal-mente o contrajogo, preferindo as situações de combate homem a homem. E foi a Associação do Jogo do Pau de Lisboa quem fundiu ambas as técnicas destas escolas, por acção do mestre Pedro Ferreira.

Por definição, este jogo é uma técnica de luta, praticada por um pau direito e liso, de um metro e 55 centímetros, de preferência leve, resistente e flexível. As madeiras mais utilizadas são o marmeleiro, o freixo, o carvalho, o castanho e o lódão. Mas é o lódão o mais apreciado, porque além de possuir todos estes requisitos tem a vantagem de não transmitir a vibração das pancadas à mão que o segura.

Muito antes de as artes marciais terem vingado em Portugal, já os praticantes desta modalidade usavam cintas de cores diferentes, de acordo com a sua graduação: amarela (principiante), verde (iniciado), vermelho (jogadores a sério) e preta (jogador feito e instrutor). Depois da cinta preta contam ainda os anos de actividade. Há ainda a cinta roxa, atribuída ao mestre mais antigo pela comissão técnica da associação, após ter ultrapassado os cinco graus que medeiam entre o preto e o roxo.

Há três anos que se realizam campeonatos regionais nas zonas norte e sul, para escolher os cinco melhores de cada uma delas e disputarem, seguidamente, o campeonato nacional. O ano passado não se disputaram quaisquer destas provas por falta de dinheiro. Convém lembrar que a Associação de Jogo do Pau de Lisboa foi criada em 1977 e recebe como subsídio, cerca de 80 contos anuais. Apesar de ter um fim cultural e desportivo, não tem sede própria mas possui estatutos de federação, pertence ao Comité Olímpico Português e está inscrita na Direcção-Geral dos Desportos.

«Os apoios que nos dão não chegam, a modalidade não é protegida, a situação actual é vergonhosa para o País, não se faz a necessária divulgação e esta arte tradicional portuguesa corre o risco de desaparecer.» Assim desabafou Nuno Russo, praticante, instrutor e cinta negra, que coordena a associação e dá aulas no Ginásio Clube Português. Na Páscoa de 1987, uma representação portuguesa articipou, pela primeira vez, numa competição internacional, e venceu esse torneio, impondo uma técnica que foi elogiada pelas representações estrangeiras. Fomos campeões mundiais, mas para isso ficou por disputar o campeonato nacional e os regionais desse ano, porque a verba foi canalizada para esse torneio.

Em Janeiro passado, outra representação nacional esteve em França, desta vez para exercícios de exibição no Festival de Artes Marciais, onde deslumbrou quantos assistiram ao espectáculo, incluindo os orientais. E de 17 de Junho a 3 de Julho próximo, por convite da UNESCO, mais uma vez Portugal estará representado num encontro de jogos tradicionais europeus, com exibições de jogo do pau, a decorrer na Córsega.

Para um praticante ser bom jogador de pau necessita, no mínimo, de seis anos, com treinos de seis horas por semana. «O público prefere assistir em vez de praticar», disse ainda Nuno Russo. «Isso é também fruto de um complexo muito nosso, porque estou certo de que se este desporto fosse ensinado por chineses ou japoneses não faltaria quem quisesse aprender.»

Instrutores portugueses têm formado gente para ensinar o jogo em França, e se os apoios continuarem a faltar, qualquer dia teremos franceses em Portugal a dar lições aos nossos alunos. Há que não deixar morrer esta arte e este desporto, que é tipicamente nacional.

Cuidado com ela...

Patrícia Calisto é aluna do jogo do pau no Ginásio Clube Português e uma das três únicas moças de Lisboa que praticam esta modalidade. Aprecia os jogos duros e as sensações fortes, e assim faz também esgrima e «kung-fu». Bate-se com garra, de igual para igual, sem temer a força ou a técnica dos adversários masculinos. É uma rapariga valente, que se pode tornar perigosa em dias de chuva... Isto porque, embora só utilize o pau no ginásio, está disposta a quebrar os costados a quem se meter com ela na rua, nem que seja com o guarda-chuva! É cinta verde, propõe-se chegar à cor vermelha e, depois, também à preta. Entretanto, com o 8° ano de escolaridade já cumprido, vai-se mentalizando para, em breve, iniciar o curso superior de informática e gestão, ao mesmo tempo que adquire a têmpera necessária para a sua preparação física, que no futuro lhe pode servir para se defender e atacar. »

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