Lenda da Justiça de Fafe

Fonte: Jogo do Pau Português
Revisão em 10h40min de 6 de agosto de 2022 por Wikijpp (discussão | contribs) (→‎Sobre)

Sobre

A lenda da Justiça de Fafe é uma apologia da justiça popular. Um dos maiores símbolos referenciais de Fafe, é vista como o espírito e o verdadeiro ex-libris desta localidade, e foi celebrada por um monumento na cidade.

Há, pelo menos, três versões desta lenda, duas delas do séc. XIX, devido a um duelo de varapau, a outra a justiça feita pelas mãos do povo, no tempo tempo do conde D. Henrique, seja à antecâmara da nacionalidade portuguesa.


A versão mais difundida desde o início do século XIX foi objecto de um longo poema de Inocêncio Carneiro de Sá, o Barão de Espalha Brasas. Narra um episódio, registado no século XVIII e protagonizado pelo Visconde de Moreira de Rei, político influente no concelho e homem de bem mas não de levar afrontos para casa.

Deputado às Cortes, terá chegado atrasado a uma sessão daquele órgão monárquico, no que terá sido censurado grosseiramente por um marquês, também deputado, que chegou ao desplante de lhe chamar "cão tinhoso". O visconde fingiu não ouvir o impropério e mostrou-se tranquilo durante a sessão mas, finda aquela, interpelou o marquês petulante, repreendendo-o pelas palavras descorteses que lhe havia dirigido. Em vez de lhe pedir desculpa, este arremessou-lhe provocadoramente as luvas no rosto, convocando-o para um duelo.

Ao ofendido competia escolher as armas, e quando todos pensavam que iria preferir espadas ou pistolas, como era usual na altura, o visconde apresentou-se para o recontro munido de dois resistentes varapaus. O marquês não sabia manejar esta arma grosseira mas o visconde, perito na arte do jogo do pau, tradicional nesta região, espancou o seu opositor. À gargalhada perante o acontecimento, os populares que presenciavam não se contiveram e gritaram: "Viva a Justiça de Fafe!".

Outra versão narra as consequências de um pedido de casamento por parte dum lisboeta. Mas quando o noivo se recusou a casar, o pai da rapariga perseguiu-o e aplicou-lhe a Justiça de Fafe.

O Monumento à Justiça de Fafe, evocativo desta tradição e da autoria de Eduardo Tavares, foi inaugurado em 23 de Agosto de 1981 na rua João XXIII desta cidade. Consiste em um estátua com a particularidade de representar um homem a bater noutro com um pau e foi colocada nas traseiras do tribunal de Fafe, insinuando que quando a justiça oficial não funciona, a mão popular apresenta-se. [1]


A segunda versão, idêntica à primeira, relata a história de de um morgado de Fafe que foi a Lisboa a uma reunião de gala, onde viu como um alfacinha desfeiteava atrevidamente uma senhora. Pois não esteve com meias medidas, sacudiu-o, pelo que o outro o desafiou para um duelo. Aqui coincide a versão de ter sido o varapau a arma usada, e o outro, coitado, também levou que lhe chegasse.


Na terceira versão, existia então um cavaleiro chamado D. Fafes Talesluz, alferes-mor do pai de D. Afonso Henriques, a quem foi doado Monte Longo - antiga designação de Fafe, como saberão-, mercê esta pelos seus feitos ao serviço do conde. Pois D. Fafes era casado com uma senhora muito bondosa, amiga dos pobres e do povo em geral. Só que, em dada altura, o cavaleiro teve uma paixoneta pela aia da esposa. Ambiciosa, querendo D. Fafes só para si, ela envenenou a ama. E como o povo se apercebeu de que aquela morte não havia sido natural, calculando quem matara, foi a casa de D. Fafes exigir que a aia lhe fosse entregue. Assim aconteceu a justiça de Fafe: uma carga de paulada na bela senhora, até que esta embarcou para o outro mundo.

Afinal de contas, a justiça de Fafe só tem um protagonista comum em qualquer episódio, o lódão. [2]

Poema do Barão de Espalha Brasas

« É Fafe povoação muito moderna,
contando um séc ‘lo apenas de existência.
De Moreira de Rei foi subalterna
e sobre ela alcançou magna ascendência.

Na terra decadente, em fruto avonde,
havia outr’ora um nobre, altivo e ousado;
De Moreira de Rei era Visconde,
político influente e Deputado.

Homem franco e leal, de poucas tretas,
não ligava à coroa e aos brasões;
se o feriam, largava as etiquetas,
correndo o atrevido a bofetões.

Nas Cortes, certo dia, a uma sessão
a tempo não chegou; e um tal Marquês,
supondo que o Visconde era vilão,
censurou-o em gesto descortês.

O Visconde, que entrara pressuroso
inda ouviu do Marquês o insulso estilo
em que ele lhe chamava “cão tinhoso”,
mas sentou-se, fingindo-se tranquilo.

Finda a sessão, ao Marquês petulante
a frase censurou, de audácia rara;
porém este, num gesto provocante,
arremessou-lhe a fina luva à cara.

Ajustou-se o duelo; e competia
a escolha das armas ao Visconde.
Marcou-se p ‘ra o encontro a hora, o dia
e o local, que eu nunca soube aonde.

Ocultos da polícia e dos meirinhos,
no sítio da pendência, o fidalgote
compareceu, assim como os padrinhos.
Veio o Visconde e um homem c ‘o um caixote…

E dentro deste as armas escolhidas
pelo Visconde: as armas dos pataus!
Nem ‘spadas nem pistolas homicidas:
Eram dois resistentes varapaus!!!

O Marquês, em tais armas logo inepto,
ao ver aqueles paus de marmeleiros,
forçado a aceitar o estranho repto
pegou por sua vez num dos fueiros.

Começou a sessão de bordoada:
e o Visconde, com a mor placidez,
deu-lhe tanta e tão pouca fueirada
que o lombo pôs num feixe ao tal Marquês.

Mau grado tudo ser gente de sizo,
os presentes, em vez de lamentar,
não conseguiram sufocar o riso,
findando o duelo em gargalhada alvar.

Da hilariedade ao ver o desaforo,
acode gente; e além daquela gafe,
começam todos a gritar em coro;
“-Oh! Viva! Viva a Justiça de Fafe!!!”

De Moreira de Rei, pois, ao Visconde,
do duelo a propósito descrito,
se deve a origem, que a História esconde,
do ventilado e tão estranho dito. »

Ver também

Links externos

  • ...

Referências

  1. https://pt.wikipedia.org/wiki/Lenda_da_Justi%C3%A7a_de_Fafe
  2. José Viale Moutinho, "Portugal Lendário - Tesouro da tradição popular, Editora Temas e Debates, agosto de 2022"