Artigo: Esgrima Nacional - as escolas do jogo do pau - 1943

Fonte: Jogo do Pau Português

Sobre

  • Relevância: ★★☆
  • Título: Esgrima Nacional: as escolas do jogo do pau
  • Autor Sebastião da Mota Cerveira
  • Publicação: Jornal «Novidade» de 27 setembro 1943, p.25

Resumo

O artigo discute as três escolas de jogo do pau em Portugal: a escola do Norte (Minho), a escola do Ribatejo (Pataieira) e a escola de Lisboa.

Segundo o artigo, a Escola de Lisboa era considerada a mais brilhante, sendo caracterizada por cortes precisos e passagens habilidosas, além de golpes perigosos e eficazes. O jogo de Lisboa enfatiza o uso do braço direito no ataque, proporcionando velocidade e alcance. A defesa é realizada com as duas mãos, tornando-a eficaz. As principais técnicas são os cortes e as pancadas enviesadas, redondas e arrepiadas, bem como as passagens da direita e da esquerda.

A escola do Ribatejo usa o pau com os dois braços, resultando em golpes mais violentos, porém com movimentos mais limitados.

A escola do Minho também utiliza o pau com as duas mãos e é conhecida por sua agressividade e sarilhos eficazes, especialmente em situações de combate contra múltiplos oponentes. No entanto, num confronto entre jogadores das diferentes escolas, a escola de Lisboa é considerada a mais eficaz, devido à combinação de cortes, passagens e o uso do braço direito.

Jogadores experientes da Escola de Lisboa costumam ter vantagem sobre os seus adversários das outras escolas.

Artigo

« A Escola de Lisboa, sem dúvida a mais brilhante da esgrima, portuguesa, foi fundada por José Maria da Silveira, que nasceu em 1805, num prédio da Calçada da Graça, Nº 13, e, quanto a escolas, devemos dizer que o jogo do pau tem três:

A do Norte ou a minhota, a do Ribatejo, vulgarmente conhecida por Pataieira, de Pataias, e a de Lisboa.

Qual das três é a mais oficaz?

De homem para homem, o jogo de Lisboa é, sem dúvida, aquele que mais vantagem dá ao jogador; formado por «passagens», executadas duma maneira hábil o por «cortes» feitos com toda a segurança, o jogo de Lisboa é de grande eficácia. Não se vê na Escola de Lisboa os sarilhos eficazes e aparatasos do jogo do Minho, porém a precisão matemática dos seus «cortes» e das suas «passagens», dão, em combate, uma grande vantagem ao jogador que segue a escola lisboeta.

Nas, pontoadas tem também o Jogo de Lisboa uma nítida superioridade; são aplicadas duma maneira muito rápida, servem para cobrir o jogador, manter o adversário à distância e são, em suma, golpes perigosos e de grande efeito.

Os jogadores que seguem a Escola de Lisboa, geralmente, no ataque, servem-se só do braço direito o que dá uma pancada mais rápida e de mais alcance, mas, talvez, menos violenta e segura.

Devemos porém dizer que, no jogo de Lisboa, as pancadas são, quási sempre, aparadas com as duas mãos, especialmente nas guardas avançadas e laterais, o que torna a defesa eficaz.

As principais pancadas da Escola de Lisboa são as enviezadas, redondas e arrepiadas que podem ser feitas tanto pelo lado de dentro como por fora, sendo, por dentro, as que passam pelo lado direito de quem as faz e, por fora, as que passam pelo esquerdo.

Na Escola de Lisboa fazem-se também guardas avançadas que podem ser feitas de quatro maneiras, e, quanto às «passagens», sito várias, sendo as mais eficazes as da direita e da esquerda.

Os sarilhos são vários, servem para o jogador aprender a pisar o terreno e é dêles que se fazem as diferentes guardas.

A parte mais importante da Escola de Lisboa, é constituída pelos «cortes», que podem ser feitos de cinco maneiras; os «cortes» foram inventados pelo grande mestre Domingos Salreu que deu licões no Retiro da Pipa, instalado na Quinta da Torrinha, (hoje Parque Eduardo VII e Praça Marquês de Pombal) e, mais tarde, durante uns vinte anos, na Travessa do Combro, à Lapa.

Muito resumidamente tratámos das partes principais do jogo do Lisboa. Quanto à Escola do Ribatejo, é interessante; neste jogo o pau é, quási sempre, manejado com os dois braços o que dá uma certa violência à pancada, mas faz com que o jogador fique com os movimentos um pouco presos.

No jogo do Ribatejo não aparecem os cortes, as «passagens» são executadas com menos perícia que no jogo da capital e os sarilhos são também diferentes.

A base deste jogo é a escola do mestre António Pereira Penela que Carlos Relvas, pai do antigo ministro Dr. José Relvara levou para as suas propriedades da Golegã, afim de com ele aprender a jogar o pau.

Mestre Penela, nasceu em 1832 e faleceu em 1908.

Carlos Relvas foi, por sua vez professor de José Ferreira Ruivo, na «Borda d'Água», mestre de grande classe e que nasceu em 1846 e faleceu a 18 de Agosto de 1918.

José Ruivo deu, na «Borda d'Água» um notável incremento à esgrima de pau, e o seu nome e o do seu mestre, ainda hoje são recordados com saudade em muitas terras do Ribatejo.

O jogo da «Borda d'Água» é menos rápido que o de Lisboa, pois o pau manejado só com um braço tem mais velocidade, o jogador desloca-se mais facilmente e tem os movimentos mais livres do que se empunhasse com as duas mãos.

Pois muito completo que seja o jogador que siga a escola da «Borda d'Água», não consegue vantagem quando oposto a um bom elemento do jogo de Lisboa que maneja uma vara de lodão com a perfeição de Domingos Miguel ou do antigo Domingos Alves.

No jogo do Minho, o pau é também manejado com as duas mãos, é jogo violento, duro, agressivo.

Comparado ao de Lisboa, dá mais vantagem ao jogador quando ele pretende fazer frente a mais do que um adversário; porém, de homem para homem, é, como o jogo do Ribatejo, batido pelo da capital.

Os minhotos têm uns sarilhos eficazes formados por saltos da grande alcance de que se servem quando jogam com vários adversários e, como usam paus muito altos, para poderem saltar, chegam a apoiar o trôço do pau no chão rara melhor formarem o pulo.

As pontoadas do jogo do Minho são perigosas; às vezes aplicam-se com as duas mãos, todavia a ponta do jogo de Lisboa, deve ser de mais eficácia, pois, enviada com um só braço, é mais rápida.

Não resta a menor dúvida de que o jogo da Lisboa. «homem contra, homem» é, em combate, o mais eficaz.

É o jogo cuja base é a escola do celebre José Maria da Silveira, enriquecida com os famosos «cortes» do grande mestre Domingos Salreu e depois aperfeiçoada por José Gonçalves Dias (o 95) que, com a sua excepcional competência, conseguiu dar um notável desenvolvimento ao jogo de «cortes» e de «recortes».

Tornamos a dizer que o jogo do Minho poderá manter superioridade quando se trata de jogar contra vários adversários ao mesmo tempo, isto devido aos seus sarilhos, porém colocando frente a frente, um jogador minhoto e outro que seja sim profundo conhecedor da Escola de Lisboa, este deve conseguir vantagem.

Muitos jogadores gozando de grande reputação nas nossas províncias e que aí têm fama de caceteiros, uma vez apostos aos bons elementos da capital. ficam seriamente embaraçados, especialmente devido aos «cortes», às «passagens», à vantagem que dá ao jogador, o pau manejado, no ataque, só com um braço.

Deve ser formidável um jogador que se sirva de certas partes do jogo do Minho e que seja também conhecedor da Escola de Lisboa, e então, nestas condições, reunindo num só homem os sarilhos do jogo minhoto, com os grandes saltou, e as «passagens» e os «cortes» do jogo de Lisboa, o jogador é forçosamente um elemento de primeira ordem, sempre difícil de bater por muito valoroso que seja o seu adversário. »


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