Escola de Lisboa

Fonte: Jogo do Pau Português

Sobre

Em Lisboa, longe dos espaços amplos do campo, o Jogo do Pau começou a ser ensinado, nos finais do século XIX, em "quintais" (pequenos recintos onde se praticava a modalidade) e recintos operários. Frequentados pela grande maioria de Homens de trabalho, e provincianos de Trás-os-Montes, Minho e outras províncias do Norte.

Foi, porém, o Mestre José Maria Silveira, o "Saloio", que a regulamentou e deu personalidade ao tipo de jogo, disciplinando os princípios das outras escolas e transformando o que era apenas uma forma de combate em verdadeiro desporto.

Em 1895, transporta-se para o Real Gymnasio Club, hoje Ginásio Clube Português pelas mãos do Mestre Pedro Augusto da Silva, e mais tarde para o Ateneu Comercial de Lisboa e o Lisboa Ginásio Clube, sendo assim incorporado como modalidade desportiva, muito apreciada como segunda modalidade por vários praticantes de ginástica. Neste contexto, o Jogo do Pau foi adaptado a uma técnica mais mista, com a esgrima de sabre e de florete que era fluente na época. Sendo assim o jogo bem aceite por burgueses, fidalgos e «sportsman». O formato de combate que existia no Norte passou para modalidade de esgrima.

Com o crescimento desta nova modalidade desportiva na capital, dezenas de escolas proliferaram até meados do século XX, tendo o Jogo do Pau lugar obrigatório em todas as festas e saraus desportivos da época.[1]

Embora que todos os relatos existentes, sobre o jogo do Pau em Lisboa, indiquem que este só iniciou no final do século XIX, já muito antes havia jogo do pau fora da zona urbana, nomeadamente na zona saloia e um pouco pela estremadura. Como, por exemplo, quando Júlio Machado, em 1875, reclamava do desaparecimento dos grandes Jogos de Pau que se fazia nessas festas da Nazaré. Se já tinham desaparecido nessa altura, há quanto tempo já se faziam estes jogos?[2]

Evolução técnica

Em termos técnicos, o jogo do pau tomou características próprias, pela mão de José Maria da Silveira («O Saloio»), enriquecido mais tarde com os famosos «cortes» do mestre Domingos Salreu e depois aperfeiçoado por José Gonçalves Dias (o 95) que, conseguiu dar um notável desenvolvimento ao jogo de «cortes» e de «recortes».

Na década 40 do séc. XX, Mestre Frederico Hopffer assume o ensino da Escola de Lisboa, e como excelente desportista era, enriqueceu a sua prática com muito rigor técnico. Ficaram escritos nesta época, dois livros, do Mestre Frederico Hopffer e António Nunes Caçador. Escola esta mantida pelos seus filhos Frederico, Júlio Hopffer e Francisco Hopffer.

Nos anos 70 do Séc. XX, Pedro Ferreira viria enriquecer o jogo do Sul com a implementação dos "jogos de conjunto" de origem nortenha e alguns melhoramentos técnicos, nomeadamente nos deslocamentos e o uso das duas mãos, em vez de uma só, como era praticado anteriormente.

Estilos desta Escola

Presentemente, este "estilo de jogo de Lisboa" é feito pela Associação Desportiva e Cultural do Jogo de Pau Português pela orientação do Mestre Manuel Monteiro, e na margem sul do Tejo, através dos mestres Paulo Brinca, Valter Abrantes e Marco «Cenoura», formados no Ateneu Comercial de Lisboa.

Desta escola, sairam outros muito bons mestres que criaram a sua própria escola, nomeadamente o Mestre Nuno Russo com o seu estilo de jogo praticado no Ginásio Clube Português, a Esgrima Lusitana. O Mestre António Lima que veio criar a Escola do Jogo do Pau da Guarda, hoje orientada pelo Mestre Daniel Simão. E também, Mestre Hélder Valente na Escola de Jogo do Pau de Portimão, hoje praticada somente em Messines.

Escolas

Publicações onde a «Escola» é citada

  • Em 1915:

« Em Portugal houve sempre duas escolas de jogo do páo. A primeira pertencem os homens do norte, os dentro Douro e Minho e os das Beiras. A segunda os ribatejanos. No alentejo e Algarve não é cultivado o jogo do páo. (...)

Dessas duas escolas, fundido-as, aproveitando a cada uma o melhor, criando-lhe paradas e respostas de efeito, saiu o moderno jogo do pau portuguez, que teve como primeiro professor o celebre "Saloio", da escola dos Terramotos, em Lisboa. »
Artigo da revista ilustrada «O Malho» de 1915 (ver mais)

  • Em 1943:

Podemos ler no jornal «Novidade» um artigo que discute as três escolas de jogo do pau em Portugal: a escola do Norte (Minho), a escola do Ribatejo (Pataieira) e a escola de Lisboa. Segundo o artigo, a Escola de Lisboa era considerada a mais brilhante, sendo caracterizada por cortes precisos e passagens habilidosas, além de golpes perigosos e eficazes. O jogo de Lisboa enfatiza o uso do braço direito no ataque, proporcionando velocidade e alcance. A defesa é realizada com as duas mãos, tornando-a eficaz. As principais técnicas são os cortes e as pancadas enviesadas, redondas e arrepiadas, bem como as passagens da direita e da esquerda.

« A Escola de Lisboa, sem dúvida a mais brilhante da esgrima, portuguesa (...)

De homem para homem, o jogo de Lisboa é, sem dúvida, aquele que mais vantagem dá ao jogador; formado por «passagens», executadas duma maneira hábil o por «cortes» feitos com toda a segurança, o jogo de Lisboa é de grande eficácia. Não se vê na Escola de Lisboa os sarilhos eficazes e aparatasos do jogo do Minho, porém a precisão matemática dos seus «cortes» e das suas «passagens», dão, em combate, uma grande vantagem ao jogador que segue a escola lisboeta.

Nas, pontoadas tem também o Jogo de Lisboa uma nítida superioridade; são aplicadas duma maneira muito rápida, servem para cobrir o jogador, manter o adversário à distância e são, em suma, golpes perigosos e de grande efeito.

Os jogadores que seguem a Escola de Lisboa, geralmente, no ataque, servem-se só do braço direito o que dá uma pancada mais rápida e de mais alcance, mas, talvez, menos violenta e segura.

Devemos porém dizer que, no jogo de Lisboa, as pancadas são, quási sempre, aparadas com as duas mãos, especialmente nas guardas avançadas e laterais, o que torna a defesa eficaz.

As principais pancadas da Escola de Lisboa são as enviezadas, redondas e arrepiadas que podem ser feitas tanto pelo lado de dentro como por fora, sendo, por dentro, as que passam pelo lado direito de quem as faz e, por fora, as que passam pelo esquerdo.

Na Escola de Lisboa fazem-se também guardas avançadas que podem ser feitas de quatro maneiras, e, quanto às «passagens», sito várias, sendo as mais eficazes as da direita e da esquerda.

Os sarilhos são vários, servem para o jogador aprender a pisar o terreno e é dêles que se fazem as diferentes guardas.

A parte mais importante da Escola de Lisboa, é constituída pelos «cortes», que podem ser feitos de cinco maneiras; os «cortes» foram inventados pelo grande mestre Domingos Salreu que deu licões no Retiro da Pipa, instalado na Quinta da Torrinha, (hoje Parque Eduardo VII e Praça Marquês de Pombal) e, mais tarde, durante uns vinte anos, na Travessa do Combro, à Lapa. (...)

Pois muito completo que seja o jogador que siga a escola da «Borda d'Água», não consegue vantagem quando oposto a um bom elemento do jogo de Lisboa que maneja uma vara de lodão com a perfeição de Domingos Miguel ou do antigo Domingos Alves.

Não resta a menor dúvida de que o jogo da Lisboa. «homem contra, homem» é, em combate, o mais eficaz.

É o jogo cuja base é a escola do celebre José Maria da Silveira, enriquecida com os famosos «cortes» do grande mestre Domingos Salreu e depois aperfeiçoada por José Gonçalves Dias (o 95) que, com a sua excepcional competência, conseguiu dar um notável desenvolvimento ao jogo de «cortes» e de «recortes».

Tornamos a dizer que o jogo do Minho poderá manter superioridade quando se trata de jogar contra vários adversários ao mesmo tempo, isto devido aos seus sarilhos, porém colocando frente a frente, um jogador minhoto e outro que seja sim profundo conhecedor da Escola de Lisboa, este deve conseguir vantagem.

Muitos jogadores gozando de grande reputação nas nossas províncias e que aí têm fama de caceteiros, uma vez apostos aos bons elementos da capital. ficam seriamente embaraçados, especialmente devido aos «cortes», às «passagens», à vantagem que dá ao jogador, o pau manejado, no ataque, só com um braço.

Deve ser formidável um jogador que se sirva de certas partes do jogo do Minho e que seja também conhecedor da Escola de Lisboa, e então, nestas condições, reunindo num só homem os sarilhos do jogo minhoto, com os grandes saltou, e as «passagens» e os «cortes» do jogo de Lisboa, o jogador é forçosamente um elemento de primeira ordem, sempre difícil de bater por muito valoroso que seja o seu adversário. »
Artigo em «Novidades» de 1943 (ver mais)

  • Em 1949:

« (...) em princípios do século passado foi introduzida nos meios desportivos da capital por José Maria Silveira, conhecido pelo Saloio (...)

(...) conhecem-se, no entanto, três escolas: a do Norte (Minho e Trás-os-Montes), conhecida pelo nome de galega; a do Ribatejo, ou pataleira (de Pataios) e a de Lisboa. Esta última nasceu nos quintais dos arrabaldes lisboetas, onde nortenhos se distraíam jogando o pau e teve como principal animador Domingos Salreu. Foi, porém, o Saloio o mestre que a regulamentou e lhe deu personalidade, disciplinando os princípios das outras escolas e transformando o que era apenas uma forma de combate em verdadeiro desporto.

(...) A escola de Lisboa deu maior segurança ao jogo, organizando o sistema defensivo e fez dele excelente exercício, pondo em actividade todos os sectores do corpo. O sucessor de José Maria Silveira o Saloio foi Pedro Augusto da Silva, o primeiro professor do Ginásio Clube Português, a quem sucederam Artur Santos, Frederico Hopffer e, na actualidade (1949) Domingos Miguel. »
Livro «Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira» de 1949 (ver mais)

  • Em 1952

« (...) três escolas: a do Norte, que inclui a Galiza onde este jogo é muito popular, a do Ribatejo, onde o combate privilegiado é o da curta distância levando por isso os praticantes a correrem mais riscos, mas aumentando com muito a espectacularidade do jogo, e, por fim, a de Lisboa, onde a segurança é total já que existe um sistema e uma organização defensiva, extremamente rigorosa.

É bom não esquecer que nesta última escola foi regulamentando este jogo, através da aquisição de muitos, gestos técnicos vindos da esgrima do sabre e de florete. »
Artigo do jornal «O Século Ilustrado» de 1952 (ver mais)

  • Em 1984

« Há três escolas que orientam o modo de jogar:

3. Escola de Lisboa — destaca-se o jogo defensivo desde a guarda de espera— posição em que espera o ataque do adversário ou prepara o ataque — à forma de varrer pancadas — golpe lançado em sentido contrário ao golpe deferido pelo adversário. Exigindo uma grande preparação física, o jogo atinge características de um autêntico desporto. »
Artigo do jornal «Viva Voz» de março 1984(ver mais)

  • Em 1990

« A sistematização do Jogo de Lisboa tornou-se uma necessidade para garantir, por outro lado, uma didática mais eficaz. A cuidadosa definição das posições, se é por um lado consequência da dimensão coreogràfica que a ginástica e a esgrima muito em particular, transmitiram, concorrem também para uma apropriação "lógica" do jogo, de onde qualquer pancada ou guarda de pancada poderão ser extraidas ou nascer de qualquer uma das posições existentes. Este efeito multiplicador vem tornar, face à prática do assalto, alguns movimentos incongruentes, muito embora "possiveis" na técnica, mas vem por outro lado concorrer para a imagem do executante com jogo variado - isto é, que para situações semelhantes utiliza, num mesmo assalto, respostas sempre diversas - atributo laudeado pelos mestres na execução de assaltos de exibição, naturalmente.

E com o advento dos ginásios que esta faceta se torna particularmente valorizada, logo que o Jogo do Pau se integra como parte essencial dos Saraus. »
Artigo «O Jogo do Pau em Portugal: processos de mudança, Universidade Nova de Lisboa» 1990 (ver mais)

Outros tipos de Escolas

Referências

  1. Livro «O Jogo do Pau Português» de 2020 (ver mais)
  2. livro «FÓRA da Terra» de 1878 (ver mais)