Estilo de Jogo: Ribatejo

Fonte: Jogo do Pau Português

Sobre

O Estilo de Jogo do Ribatejo ou Borda-d’água, também conhecida antigamente pelo Jogo de Pataias ou Escola da Pataeira.

«A Borda d’Água é (…) a ponta do Ribatejo em que duas margens do rio começam a dividir-se em campinas: da Golegã e Chamusca para baixo, dizem uns; de Abrantes, dizem outros.»[1]. É um estilo provável nortenha, atribuído aos caramelos, ou ratinhos[2], trabalhadores sazonais provenientes da Beira Litoral, entre Aveiro e Leiria.

Infelizmente o jogo desta Escola está extinto, mas sabe-se através de documentação e algumas fotos que era um jogo essencialmente de duas pontas, efectuado a curta distância, com unhas abaixo e mãos a correr pela vara, talvez derivado do chamado "jogo antigo do Minho".[3]

Temos ainda, o relato da existência de dois mestres na zona Golegã, José António Marvila que jogava com as duas mãos, e Carlos Relvas, que utilizava apenas uma mão, como se tratasse de esgrima de florete. Comentava-se, na Colegã, nesse tempo que Marvila representava o sistema antigo (este tipo de jogo), e Relvas o moderno (o novo de Lisboa).[4]

Viria mais tarde José Ferreira Ruivo (1846-1918), discípulo de Carlos Relvas a fazer escola em Santarém, onde era natural, em Almeirim, Alpiarça e também na Golegã, aonde tinha praticado sob o patrocínio de Carlos Relvas.

Houve o registo também de José Florêncio, onde deu aulas em Tagarro.

Embora extinto este tipo de jogo, hoje ainda se faz nas escolas de Lisboa, alguns sarilhos da «Borda d'Água», que simulam várias defesas. Estes sarilhos são executados num jogo traçado a duas mãos.

Caracterização

  1. Ataques e defesas essencialmente a duas mãos;
  2. Proximidade com o jogo de combate;
  3. Menor amplitude de execuções;
  4. Posições marcadas, menos amplas que no Jogo de Lisboa;
  5. Pancadas descarregadas com violência;
  6. Recurso a varas guarnecidas (uso de choupa e pau ferrado).

Publicações onde este «Jogo» é citado

« Do Ribatejo temos uma informação sucinta; o jogo da Borda d'Água, também conhecido como Jogo da Pataieira, (de Pataias), designação estilística tomada da toponímia das zonas ribeirinhas, é um estilo de provável influência nortenha, atribuído aos caramelos, ou ratinhos, trabalhadores sazonais provenientes do Norte. As localidades aonde se da conta de testemunhos da sua existência, terão sido, para além de Pataias, o Concelho de Arruda dos Vinhos, Espinheiro (concelho de Alcanena), Tagarro (aonde deu lições mestre José Florêncio), Santarém, de onde era natural mestre José Ferreira Ruivo (1846-1918) que manteve escola, aí e em Almeirim e Alpiarça, e também na Golegã, aonde tinha praticado sob o patrocínio de Carlos Relvas.

(...)

Do Jogo da Borda d'Água ou Pataieira, conhece-se fundamentalmente a execução de sarilhos, movimentos em que a vara toma com frequência o seu eixo de rotação pelo meio; indica, portanto, uma grande proximidade entre os adversários (...) .

Trata-se de um estilo de jogo aonde também às recurso às guarnições de vara (uso de choupa e pau ferrado), e orientado para uma solução pragmática das situações - portanto, e dentro da expressão de E. V. Oliveira, em grande parte uma forma de jogo-combate. »
Artigo «O Jogo do Pau em Portugal: processos de mudança, Universidade Nova de Lisboa» 1990 (ver mais)

Em 1943, podemos ler no jornal «Novidade» um artigo que discute as três escolas de jogo do pau em Portugal: a escola do Norte (Minho), a escola do Ribatejo (Pataieira) e a escola de Lisboa.

« (...) quanto a escolas, devemos dizer que o jogo do pau tem três:

A do Norte ou a minhota, a do Ribatejo, vulgarmente conhecida por Pataieira, de Pataias, e a de Lisboa.

(...) Quanto à Escola do Ribatejo, é interessante; neste jogo o pau é, quási sempre, manejado com os dois braços o que dá uma certa violência à pancada, mas faz com que o jogador fique com os movimentos um pouco presos.

No jogo do Ribatejo não aparecem os cortes, as «passagens» são executadas com menos perícia que no jogo da capital e os sarilhos são também diferentes.

A base deste jogo é a escola do mestre António Pereira Penela que Carlos Relvas, pai do antigo ministro Dr. José Relvara levou para as suas propriedades da Golegã, afim de com ele aprender a jogar o pau.

Mestre Penela, nasceu em 1832 e faleceu em 1908.

Carlos Relvas foi, por sua vez professor de José Ferreira Ruivo, na «Borda d'Água», mestre de grande classe e que nasceu em 1846 e faleceu a 18 de Agosto de 1918.

José Ruivo deu, na «Borda d'Água» um notável incremento à esgrima de pau, e o seu nome e o do seu mestre, ainda hoje são recordados com saudade em muitas terras do Ribatejo.

O jogo da «Borda d'Água» é menos rápido que o de Lisboa, pois o pau manejado só com um braço tem mais velocidade, o jogador desloca-se mais facilmente e tem os movimentos mais livres do que se empunhasse com as duas mãos.

Pois muito completo que seja o jogador que siga a escola da «Borda d'Água», não consegue vantagem quando oposto a um bom elemento do jogo de Lisboa que maneja uma vara de lodão com a perfeição de Domingos Miguel ou do antigo Domingos Alves. »
Artigo em «Novidades» de 1943 (ver mais)

O Jornalista Zacarias d'AÇA, grande propagandista e conhecedor do Jogo do Pau fez várias publicações entre 1883 e 1906, identifica a escola Estremadura ou do RibaTejo:

« A (forma de jogo) da Estremadura ou do RibaTejo, a que chamam pataieira, de Pataias (...), (jogo) muito apparatoso e bonito, porém os jogadores approximam-se muito um do outro, o que é sempre perigoso, porque, além do mais, corre-se o risco d'um desarmamento ou d'uma traição com faca. »
AÇA, Zacharias de Esgrima: o mestre José Maria da Silveira (III): as três escolas, Tiro Civil, 6 (187), Lisboa, 1 Jul. 1900, p.8 (ver mais)

Rui Simões no seu artigo realça o recurso às guarnições nas varas, onde a ficção corrobora, situando-se no contexto ribatejano, aspetos de prática.

« Depois da espingarda arrumada voltou à arca, que era o seu arsenal, e, mergulhando o braço, trouxe do fundo três paus ferrados e uma foice roçadoira, polida e brilhante como a foice de uma espada. (...)

E prolongando-se com elle, deu um pulo, fez dois sarilhos, e atirou dois golpes no ar, que assobiaram como duas balas. »
ACA, Zacarias, «Caçadas Portuguesas: paisagens, figuras do campo», Lisboa: Companhia Nacional Editora, 1898, p. 222-223 (ver mais)

Outros estilos de Jogo

Referências

  1. CÂNCIO, Francisco, Ribatejo: lendário e pitoresco, 1946, p. 106
  2. SIMÕES, Rui Fernando Almeida, O Jogo do Pau em Portugal: processos de mudança, Universidade Nova de Lisboa, 1990
  3. VALENTE, Hélder, O Jogo do Pau Português, Associação Algarvia do Jogo do Pau Português, 2003 (sobre o livro)
  4. Artigo em «Novidades» de 1943 (ver mais)