Mestre: Pedro Ferreira
Sobre
Pedro Manuel Rodrigues Ferreira, nasceu na freguesia de Alvaredo, Melgaço, e iniciou o jogo do pau aos 15 anos. Aos 20 anos foi para Lisboa e re-começa a jogar aos 31 anos, inicialmente no Lisboa Ginásio Clube, e depois no Ateneu Comercial de Lisboa, que teve como Mestre principal Júlio Hopffer. Aprendeu toda a técnica de Lisboa de raiz, de forma a poder dominar as duas práticas de jogo (Norte e Lisboa).
Jogou o pau durante toda a sua vida, sendo considerado um dos mais exímios jogadores até ao seu falecimento. Foi Mestre no Ateneu Comercial de Lisboa, onde se juntavam semanalmente todos os mestres da região para treinar, tendo nos últimos anos da sua vida passado essa responsabilidade para o Mestre Manuel Monteiro. Deu também, durante alguns anos, aulas na Casa Pia de Lisboa.
Juntamente com núcleo de praticantes da sua escola do Ateneu Comercial de Lisboa, fundou em 24 de Março 1977, a Associação Portuguesa do Jogo do Pau (APJP), Associação esta, visava - de acordo com os seus estatutos - o estudo, a prática, a divulgação e a dignificação do jogo do pau como arte tradicional portuguesa. [1]
Em Alvaredo, Melgaço, terra onde nasceu, encontra-se assinalada na casa onde viveu uma placa de homenagem, encomendada pelo seu aluno e sucessor Mestre Monteiro (ver foto da placa na galeria de imagens abaixo).
Biografia
Retirado do artigo «ELO Associativo» nº 1 de maio 1997 - "A arte de Pedro Ferreira faz escola e discípulos"
Pedro Manuel Rodrigues Ferreira nasceu a 26 de Março de 1915 na freguesia de Alvaredo, concelho de Melgaço. Nascido no seio de uma família abastada no meio rural, essa condição irá determinar em certa medida a sua vida futura. Filho mais novo, tem oito anos quando se dá o falecimento do pai. Essa circunstância, como nos explica sua filha Maria Adelina, virá a introduzir profundas alterações no quadro familiar. A mãe, que nunca se ocupara de qualquer aspecto relacionado com a gestão dos negócios, acaba por entregar a administração da casa e das propriedades a pessoas próximas e a alguns familiares, que, abusando da confiança neles depositada e adoptando formas indevidas de apropriação, iniciam um percurso de alienação do património e decadência sem retorno. Antes, porém, chega a frequentar o colégio de S. Bartolomeu dos Mártires, em Braga, disfrutando simultaneamente das condições de desafogo económico próprias de uma família da burguesia rural. Por pouco tempo, pois com a morte do pai e com as alterações produzidas, acaba por ser o único irmão impossibilitado de prosseguir os estudos. Obrigado a ficar na aldeia, sem qualquer ocupação, pouco virado para aprender um ofício, dedica-se aquilo que mais gosta: nadar (aprendeu sozinho), escalar montes e sobretudo andar pela romarias onde, na altura, é prática corrente o jogo do pau.
Espírito rebelde
É então que aprende a dominar as técnicas deste jogo, para o qual revela especiais aptidões. Como todos os outros homens e rapazes, da sua prática faz um quase obrigatório instrumento de defesa. O que nele até vem mesmo a calhar, como observa Maria Adelina, dadas as características do seu temperamento rebelde e activo, sempre pronto para a malandrice e a brincadeira. Revelador dessa postura inconformada é o episódio em que se viu envolvido aos 16 anos, numa feira de gado onde se deslocou com sua mãe para proceder à venda de uma junta de bois. Abordado por um negociante, resolveu este, depois de mirar os animais, aguilhar com um pau no traseiro do dito, como parece que era hábito, para ver a sua reacção. Só que o impulso do gesto terá excedido o razoável e, inesperadamente, o boi dá um salto para cima da mãe do jovem Pedro. Interpelado o negociante, a quem perguntou se vira bem o que fizera, logo este, constatando que era um miúdo, responde a Pedro Ferreira de forma ríspida e provocatória, chegando mesmo à ameaça física. Estava armado o baile. O negociante puxa do pau para lhe bater. Azar o seu. Enquanto o diabo esfrega um olho, recorda a sua filha, o jovem Pedro Ferreira, fazendo também uso do seu pau, opera aquilo que na gíria é designado por "passagem", atingindo-o num joelho, golpe que em fracções de segundo o faz estatelar, redondo, no chão.
Contra as injustiças
É aos 20 anos que a sua vida sofre uma viragem, com a ida para a tropa, em Lisboa. Por lá fica, em casa de uma irmã, iniciando a procura do seu primeiro emprego. Durante dez anos salta de patrão em patrão, ocupando-se nas mais variadas actividades. A falta de habilitações e os hábitos que trazia (nunca ter estado a mando de ninguém, a par da vida desafogada em casa materna), levam-no a ter dificuldades em reconhecer hierarquias e chefias, impedindo-o, desse modo, de estabilizar profissionalmente.
Durante aproximadamente uma década vive um período que o marcará decisivamente na sua consciência social e na sua visão do mundo. São anos em que convive de perto com vários estratos sociais, designadamente com o operariado de Alcântara, em Lisboa, facto que o viria a influenciar sobremaneira.
Ele próprio, nesses anos, passa pelas mais variadas experiências profissionais. De estivador a sapateiro, de ajudante de motorista a trabalhador de obras na Carris. São tempos em que, sobretudo, sedimenta no seu carácter uma força indomável contra as injustiças. Daí a ter problemas com as autoridades foi um passo.
E assim se mantém até aos 30 anos, altura em que inicia aquela que viria a ser uma brilhante carreira de instrutor de condução automóvel. Sem estar na dependência de ninguém, aplica então todas as suas qualidade de pedagogo e pelas suas aulas chegam a passar três gerações da mesma família. Uma carreira que se prolonga até aos 78 anos, altura em que - não por vontade própria — se vê na contingência, por força dos serviços de saúde, de aceitar a reforma.
Paixão pelo desporto
Mas é exactamente quando estabiliza profissionalmente, por volta dos 31 anos, que Pedro Ferreira retoma a prática do jogo do pau. Começa no Lisboa Ginásio, onde se inscreve, ocultando os seus conhecimentos na modalidade. Virá a praticar também numa colectividade da Mouraria e mais tarde no Ginásio Clube. O seu dinamismo e espírito desportista impelem-no, no entanto, para outras actividades. Qualidades, revela-as, ainda, no judo, no karate, na natação e na capoeira.
É todavia para o jogo do pau que vai verdadeiramente toda a sua paixão. Uma paixão que passa pela sua divulgação, das mais variadas formas. Participa em revistas, faz cinema, vídeos e tudo o mais que sirva para levar ao grande público o seu desporto favorito.
Uma nova escola
Tendo-se destacado como jogador no Ateneu Comercial de Lisboa, onde tem como mestre António Nunes Caçador, Pedro Ferreira é, a pedido daquele, por motivo de doença, nomeado contramestre. A partir de então inicia um processo de inovação, que se reflecte não apenas numa nova técnica de jogo como também numa modificação das demonstrações feitas nos saraus do Ateneue em festas para as quais eram convidados a exibir-se.
A sua nova técnica apreendera-a Pedro Ferreira com um mestre chamado Júlio Hopffer, que, por sua vez, a assimilara de seu pai. Mas não foi apenas a este mestre que Pedro Ferreira foi buscar as "passagens" que vieram dar um novo rumo ao jogo do pau, embelezando-o e dando simultaneamente uma outra vida à escola do Ateneu. Lembradas por Manuel Monteiro foram as viagens de Mestre Ferreira por terras nortenhas, no decorrer das quais procedeu a um intenso trabalho de pesquisa e investigação junto de outros praticantes do jogo do pau, o que lhe permitiu integrar conhecimentos sobre o que de melhor então se fazia.
É a partir desse momento que a sua escola passa a ser apresentada em público com todos os componentes da classe. Toda a técnica era apresentada como se se tratasse de uma aula. A partir da apresentação, jogavam primeiro os mais fracos, seguindo-se os mais fortes, e, por fim, jogava o mestre com o melhor aluno, evidenciando todas as capacidades, beleza e competitivida-de do jogo, também na sua dimensão de arte marcial.
Com um crescente número de adeptos, sobretudo no meio universitário, rapidamente se desenvolve a ideia de constituir uma associação. Mestre Ferreira e os jogadores dinamizam o trabalho nesse sentido e criam, em 1977, a Associação Portuguesa do Jogo do Pau, congregando todas as escolas existentes no País.
Com uma vida inteira dedicada ao ensino do jogo do pau, Mestre Pedro Ferreira manteve-se até praticamente ao final da vida como um dos seus mais exímios praticantes. Isso mesmo esteve patente na homenagem que lhe prestaram por ocasião dos seus 80 anos. Na presença do então Presidente da República, Ramalho Eanes, fez uma apresentação onde evidenciou as suas enormes qualidades.
Conhecimentos técnico
Mestres onde obteve conhecimentos técnicos do Jogo do Pau português:
Publicações onde é citado
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O Ateneu Comercial de Lisboa (...) o primeiro mestre foi João Capristano, tendo-lhe sucedido Izidoro Correia Gomes (...) seguindo-se os Mestres Jorge de Sousa (doze anos), António Lapa, Frederico Hopffer (pai). Domingos Miguel (inicialmente mestre na Cova da Piedade), Antonio Nunes Caçador e, desde ha 25 anos, mestre Pedro Rodrigues Ferreira, de par com os mestres Elias Gamero e Abel Couto.
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« Quando algum problema surgia nas tão frequentes romarias das Aldeias do Norte era resolvido "à paulada" originando desordens em massa, muitas delas presenciadas pelo Mestre PEDRO FERREIRA. Foi o próprio que nos descreveu o seu percurso até ser considerado o Mestre dos Mestres desta actividade que ele diz ser a razão dos seus 74 anos plenos de vitalidade e energia, tanto pelo bem físico como pelo espírito de combate que muitas vantagens dá nesta vida. - "Desde muito novo que pratico, sou Minhoto de Melgaço e lá era tradicional iniciar a aprendizagem do Jogo do Pau muito novo, o que possibilitava uma velocidade e agilidade superiores a qualquer praticante que comece aos 20 ou 30 anos. Vim para Lisboa por causa do serviço Militar, aprendi a escola do Atneu e uma outra escola muito mais perfeita ainda existente e que se chamava escola Frederico Alfa, que era um senhor Alemão dedicado ao nosso Jogo do Pau. Esta escola era por cima da esquadra da Mouraria. Fui lá inscrever-me e fiz um combate com ele; ele gostou e passados dois anos convidou-me para treinar com ele umas sequências para um filme. Treinavamos todos os dias depois do encerramento da escola (às 20 horas) até à meia-noite. Fizemos o filme em 1960, altura em que eu já tinha aprendido toda a técnica do Mestre e, como todo o praticante, sentia que tinha que praticar todas as escolas. Percorri todas as regiões e aperfeiçoei-me". Responsável pela fusão da escola de Lisboa com a escola do Norte, escola que tinha mais bases em relação aos combates com vários adversários, pela importância que esta técnica tinha em certas desordens onde um só homem tinha que enfrentar três ou quatro, Mestre Ferreira falou-nos do futuro do Jogo do Pau com alguma tristeza pela falta de apoio que o nosso País dá às suas tradições, preferindo difundir as Artes Marciais Orientais. "Os nossos lutadores já foram a França e a Espanha onde foram melhor recebidos", disse-nos. (...) Segundo nos narrou Nuno Russo, o seu início no Jogo do Pau, há 18 anos atrás, ocorreu quando ainda era um "homem do Karate"; nessa altura era cinturão castanho. "O professor teve que se ausentar e eu dei as aulas. 'Surgiu então um par de velhotes que faziam Karate pela primeira vez mas eram superiores a muitos dos antigos alunos. Fiquei curioso e perguntei-lhes o que faziam; eles faziam Jogo do Pau e eram os mestres Luis Guerreiro e Pedro Ferreira. Senti-me inclinado para o Jogo do Pau porque gosto do que é Português especialmente se fôr bom".
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(…) E combatemos sem nunca perder a ideia da vitória (…)
Temos que a manter ou morremos, não é?
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Hoje, o Jogo do Pau está codificado nos seus golpes e regras, tendo perdido o carácter anárquico; estão definidas as várias «escolas», e foi criada a Associação Portuguesa do Jogo do Pau, que se transformou posteriormente em associação lisboeta. Foi levado a cabo pela AJPL todo um trabalho de pesquisa, com a ajuda do «mestre» Pedro Ferreira e da junção de todos os elementos pesquisados resultou a Escola Pedro Ferreira. Existem ainda outras «escolas», a partir dos ensinamentos e experiências de outros «mestres» do Jogo do Pau. Em Lisboa há duas escolas: a do GCP (Pedro Ferreira) e a do Ateneu.
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« O Ateneu Comercial de Lisboa é uma escola de Jogo do Pau com largas tradições. Por cá passaram grandes mestres como DOMINGUES MIGUEL, ANTÓNIO CAÇADOR e PEDRO FERREIRA, que actualmente dirige o ensino. Em tempos eram famosos os saraus e demonstrações organizados pelo Ateneu, que pretendemos fazer reviver. É justo citar o grande contributo dado pelos Hopffer, entusiastas desta modalidade, que criaram um estilo característico, introduzido no Ateneu pelo Mestre Pedro Ferreira.
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Basta lembrar que muitos dos praticantes atuais, já longe da juventude, continuam ágeis como se contassem menos trinta anos de idade: por exemplo, (...) Pedro Ferreira, 54 anos (...) Diga-se que não é fácil defrontar qualquer um destes jogadores desde que não seja um praticante conhecedor.
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GRANDIOSO JOGO DE PAU Pedro Ferreira |
« Grandiosa Tarde de Jogo de Pau e Baile Que se realiza no Domingo, 17 de Julho de 1960 - As 18 horas, Domingos Miguel |
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Na velha Praça de Toiros da Vila da Moita, a partir do dia dia 26 de Novembro de 1922, o Jogo do Pau teve a sua estreia e fez parte em muitos espectáculos ali realizados, durante muitos e muitos anos.
Nomes que fizeram história no Jogo do Pau: |
Galeria de imagens
Jogo entre Mestre Pedro Ferreira e Nuno Russo
Demonstração de 1984 entre Mestre Pedro Ferreira e Nuno Russo
Pedro Ferreira (esq.) com Elias Gamero (dir.) em 1968
Vídeos
1964 - Curta metragem "O Jogo do Pau" Mestre Júlio Hopffer com os seus discípulos: Pedro Ferreira, Armando Sacadura, Hernani Sacadura, Manuel Tabuada, Abel Couto Realizado por Fernando Garcia e patrocinado pelo Secretariado Nacional da Informação. (ver mais) |
1975 - Programa «Sabe o que é o Ginásio Clube Português?» Reportagem sobre o Ginásio Clube Português onde podemos ver no minuto 20:51 jogo com Mestre Pedro Ferreira]] |
Homenagem a Mestre Ferreira em 1995 (80º aniversário)
Quando nas suas funções de Presidente da Republica o General Ramalho Eanes assistiu no velho pavilhão dos desportos a um sarau desportivo; após a actuação do grupo do jogo do pau do Ateneu C.L., o Presidente desceu da tribuna de honra e veio cumprimentar pessoalmente os jogadores tendo dito ao Mestre Ferreira, na altura com 60 anos "ainda quero vê-lo jogar ao pau daqui a 20 anos".
Na altura o aluno Manuel Monteiro tomou nota destas palavras e passados os 20 anos escreveu ao General relembrando-lhe a citação e convidando-o a estar presente num almoço de convívio e singela homenagem ao Mestre Ferreira pelo seu 80º aniversário. O impecável General não deixou de comparecer manifestando assim mais uma vez, o seu apreço por esta nossa forma de luta desportiva. [2] |
Links externos
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Ver também
Referências
- ↑ Dicionário Enciclopédico Koogan Larousse Seleções, Selecções do Reader´s Digest, 1978 (sobre o livro)
- ↑ Helder valente em: https://www.facebook.com/assalgarvia.jogopauportugues/videos/382788245197907